Prevenção e efetividade jurídica pela anotação dos filhos em assento de nascimento e de óbito dos seus pais

AutorRaquel Helena Valesi
Páginas313-348
Capítulo 4
Prevenção e efetividade jurídica pela
anotação dos filhos em assento de
nascimento e de óbito dos seus pais
Aristóteles inicia seu livro Ética a Nicômaco sustentan-
do que os legisladores tornam bons os cidadãos incutindo-
lhes comportamentos e atos conforme a virtude perfeita, e
essa é a função das leis. Pelos atos que praticamos em nos-
sas relações com as outras pessoas, tornamo-nos justos ou
injustos; pelo que fazemos em situações perigosas e pelo
hábito de sentir medo ou de sentir confiança, tornamo-nos
corajosos ou covardes. O mesmo vale para os desejos e a
ira: alguns homens se tornam moderados e afetuosos, ou-
tros, descomedidos e irascíveis, portando-se de um ou de
outro modo nas mesmas circunstâncias557. A justiça é con-
siderada por Aristóteles a virtude ética mais importante,
pois é a única que se relaciona com o próximo e com o bem
do próximo.
A justiça é a disposição de caráter que torna as pessoas
propensas a fazerem o que é justo, a desejarem o que é jus-
to e a agirem justamente, já a injustiça é a disposição que
leva as pessoas a agirem injustamente e a desejarem o que
é injusto. Esse é o conceito de justiça e injustiça na visão de
313
557 ARISTÓTELES, op. cit., p. 41.
Aristóteles e que adota como base de seu pensamento. A
felicidade, como bem maior que todos os outros e fim des-
tes, é o critério usado para definir um ato como justo; este
ato precisa buscar a felicidade ou um de seus elementos
para a sociedade política.
E mais. A justiça como virtude completa é repre-
sentada pela lei, pois a lei bem elaborada é justa e direciona
a conduta dos homens à prática de atos virtuosos. Sendo as-
sim, o homem que obedece à lei é justo e virtuoso558.
Mas uma pergunta sempre vem à tona com base no
pensamento aristotélico: obedecer à lei é ser justo, mas o
que garante que a lei é justa? E a resposta está com os le-
gisladores. Estes devem ser grandes estudiosos das virtu-
des para ter o conhecimento suficientemente capaz de
criar leis que conduzam os cidadãos à virtude completa.
Na ética aristotélica, conta mais o cidadão formado nas
virtudes e especialmente na justiça do que a lei com suas
prescrições objetivas. Isto é, de pouco vale a lei sem cida-
dãos virtuosos559.
Por esta razão discutir justiça é discutir a axiologia e,
com isso, é tocar nas práticas sociovalorativas e consuetudi-
nárias, como as da teoria ética e das formas de julgar e ser
julgado, devendo perceber que sempre haverá um entrela-
çamento entre o Direito e a ética560.
Sem dúvida, para além da economia e da filosofia, a jus-
tiça é o verdadeiro tema do direito, uma preocupação cen-
314
558 ARISTÓTELES, op. cit., p. 105.
559 PEGORATO, Olinto A. Ética é Justiça. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vo-
zes, 1995, p. 35.
560 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Teorias da justiça: apontamentos
para a história da filosofia do direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000,
p. 2.
tral da política, um tópico essencial da sociologia e da psi-
cologia561.
Nesse diapasão, para conduzir o cidadão formado na
virtude e na justiça muitas vezes é necessário criar mecanis-
mos de prevenção com práticas sociovalorativas que fortifi-
quem o bem comum, em especial aqui neste trabalho, o
acesso à legítima pelo herdeiro necessário.
Criar fórmulas jurídicas de prevenção à lesão a direito
subjetivo é tida como uma das mais relevantes funções562 a
serem exercidas pelo Direito. A função não se confunde
com Direito ou com Poder porque, nestes, alguém desfruta
de uma situação subjetiva ativa com foco no seu próprio in-
teresse, ao passo que, na função, o exercício dessa poten-
cialidade se efetua no interesse alheio e como instrumento
necessário ao cumprimento de um dever.
Nesse sentido, a função preventiva (função como poder
que se exerce não só por um interesse próprio, mas por in-
teresse de outrem) da anotação registrária é exercida com
vistas a um comportamento futuro,563 e os atos potenciais
— ainda que não tenham ocorrido — que possam lesar co-
herdeiros devem ser evitados.
A lei material, ao sinalizar que existem direitos e inte-
resses especialmente protegidos, e que as condutas lesivas
a tais direitos devem ser censuradas. O ordenamento jurí-
315
561 KOLM, Serge-Christophe. Teorias modernas da justiça. Trad. Jeffer-
son Luiz Camargo e Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.
4.
562 Etimologicamente deriva de fungere, que significa fazer, cumprir, exer-
citar. Função é conceito que se opõe a autonomia da vontade.
563 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na
Responsabilidade civil: O dano social. Novos Estudos e Pareceres de Direito
Privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 380.

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