O princípio da proteção no processo do trabalho à luz do CPC de 2015 e da CLT após a reforma trabalhista

AutorRosemary de Oliveira Pires e Arnaldo Afonso Barbosa
Páginas18-26

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1. Considerações iniciais

Desde a sua entrada em vigor, em 1943, a CLT se destacou por sua estrutura híbrida, contendo regras de Direito do Trabalho – individual e coletivo – e de Direito Processual do Trabalho.

Em outros termos, enquanto outros ramos do Direito, como o Direito Civil e o Direito Penal, possuíam dois códigos distintos – um para o direito material e o outro para o direito processual –, no âmbito justrabalhista, todo o regramento estava contido num único diploma legal, a CLT, já denunciando o nítido interesse do legislador na simplificação de suas normas, facilitando o acesso do empregado à Justiça do Trabalho, a fim de acelerar o cumprimento executivo das sentenças ali proferidas. Em paralelo a essa simplificação normativa, foi estruturada uma Justiça especial para atender com especificidade esse tipo de relação material e dar-lhe proteção adequada no âmbito da tutela jurisdicional.

Induvidosamente, entretanto, ao longo dessas décadas, desde o advento da CLT, as relações trabalhistas tornaram-se mais complexas, no mesmo passo em que o Brasil deixou de ser um país rural e tornou-se urbano, cosmopolita e industrial, aumentando sua população economicamente ativa e incorporando-se ao mercado competitivo internacional e globalizante.

Multiplicaram-se geometricamente as demandas judiciais, assim como se aprofundaram em complexi-dade os pedidos aduzidos em juízo, a cada dia sustentados nas novas conquistas legais trabalhistas, dentre as quais se destaca o reconhecimento do direito à indenização por danos materiais e morais, hoje representando significativa parcela percentual das demandas judiciais, a tal ponto de se afirmar, criticamente, certo demandismo irresponsável, que banaliza a importância desse instituto reparatório, sobrecarrega os tribunais e prejudica a celeridade e a efetividade do Judiciário trabalhista.

Prova inequívoca do significativo aumento dessa substância normativa é o extenso rol de direitos trabalhistas elencados no art. 7º, da Constituição Federal de 1988, que, positivamente, colocou o Brasil no conjunto dos países que ingressaram no fenômeno de constitucionalização dos direitos sociais, além do alar-gamento competencial da Justiça do Trabalho previsto no art. 114, também da Constituição Federal, principal-mente após a Emenda Constitucional n. 45, de 2004, e, ainda, das várias Convenções Internacionais editadas pela OIT e ratificadas pelo Brasil, aumentando o estuário regulatório protetor.

Dando fôlego de vida às regras processuais trabalhistas, sempre se aproveitaram os juízes do disposto no art. 769 da CLT que, sabiamente, prevê a aplicação subsidiária das regras do processo comum.

Com o advento do CPC, em 2015, ficou mais clara a enorme vinculação aplicativa subsidiária do processo civil no processo do trabalho, como previsto em seu art. 15, exigindo ávido conhecimento pelos aplicadores justrabalhistas dos novos dispositivos, para a verificação de sua compatibilidade com as velhas regras da CLT.

Ainda impactados com tantas mudanças, atravessa-lhes, agora, a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, a vigorar a partir de 11 de novembro de 2017, e que introduz mudanças significativas no direito material e processual do trabalho.

Em que medida essas alterações implicam a releitura do processo do trabalho, tal como até agora é conhecido, será o grande desafio hermenêutico a superar.

E essa releitura só poderá ser feita à luz do princípio basilar do Direito material e processual do trabalho, sobre o qual repousam todos os demais princípios informativos, qual seja, o Princípio da Proteção.

É sobre tal desafiante análise que o presente artigo pretende incidir e contribuir, estudando os diversos institutos processuais impactados pelo CPC e pela Lei
n. 13.467, no sentido de confirmar se tais diplomas alavancam ou refreiam o Princípio da Proteção no processo do trabalho.

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2. O princípio da proteção na CLT e o correlato princípio da preeminência do exequente ou princípio do resultado no CPC

O Princípio da Proteção ao hipossuficiente econômico – no caso, o empregado – é tradicionalmente indicado como o princípio radiante de toda a rede principiológica que permeia o Direito Material do Trabalho e, por consequência, se espraia no Direito Processual do Trabalho a quem cabe dar efetividade àquele.

Além de reconhecido pela doutrina e contido nas disposições da CLT, o Princípio da Proteção tem assento na Constituição Federal, em seu art. 1º, IV, que prega a valorização do trabalho, e em especial no art. 7º, quando elenca, em seu caput, apenas exemplificativamnete, os direitos contidos em seus incisos, in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…).
(grifo nosso)

Sinteticamente, podemos afirmar que pelo Princípio da Proteção se visa equilibrar, no campo jurídico, o desequilíbrio que socialmente se estabelece nas relações trabalhistas, em face da supremacia econômica do empregador, o qual, como titular dos bens de produção, detém poder superior ao do empregado que, por sua vez, é contratado e, por meio de seu trabalho, aufere o salário necessário à sua sobrevivência e passa, dessa forma, a exigir proteção adequada do Estado para garanti-lo no curso do contrato de trabalho ou, se necessário, para restitui-lo pela via do processo judicial.

Especificamente, pois, no campo do processo do trabalho, o Princípio da Proteção tem lugar de destaque, tanto no processo de conhecimento, em que se alargam as facilidades para o empregado ter acesso à Justiça, quanto no processo de execução, em que a premência decorrente da natureza alimentar do crédito do empregado, exige mecanismos mais eficientes para o recebimento quitatório em prazo mais curto possível.1

A seu turno, o processo comum, regido pelo CPC, tem sua execução inspirada pelo Princípio da Preeminência do Exequente ou Princípio do Resultado. Apresenta-se consagrado em várias regras desse diploma processual e da Lei n. 6.830/1980 (que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública). Aliás, a Exposição de Motivos do CPC já deixa clara a intenção do legislador de prestigiar a eficiência do processo, acolhendo a teoria do constitucionalismo processual, que atrela a efetividade do processo à própria afirmação do Estado Democrático de Direito, na medida em que concretiza no plano material os direitos apenas formal-mente concedidos pela lei.

As similitudes e distinções entre esses dois princípios, no processo do trabalho e no processo civil, serão mais detalhadamente apreciadas nos itens 4 e 5 deste estudo.

3. A aparente contradição entre o § 1º, do art 8º e o art. 769 da CLT: a aplicação subsidiária ou supletiva e a incompatibilidade das regras de processo comum com o processo do trabalho

O § 1º do art. 8º alterou, com o advento da Lei n. 13.467/2017, a redação original da CLT, ao prever tão somente que “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”, suprimindo a anterior redação contida no parágrafo único de tal artigo que previa, ao final, que tal aplicação subsidiária estaria condicionada àquilo que não fosse incompatível com os princípios fundamentais desse.

Ao assim prescrever, o legislador reformista evidentemente se aproximou do art. 14 do CPC/15, mas provocou aparente contradição, não apenas com o que consta do caput do art. 8º da CLT, como também do que se mantém disposto, especificamente quanto ao processo do trabalho, no art. 769 da CLT, que afirma a cláusula de barreira da compatibilidade entre as normas, para fins de aplicação subsidiária do diploma processual civil, in verbis:

Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Contradição que entendemos meramente aparente porque, como mencionado, o caput do art. 8º da CLT manteve-se incólume e, por ele, na falta de disposições legais, as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho “decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho...”, de tal modo que o Princípio da Proteção permanece balizando a utilização subsidiária ou não das normas do processo comum.

Parece-nos, portanto, que a mudança legislativa deve ser interpretada como de mero caráter redacional, não infirmando a regra da compatibilidade que...

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