A teoria da prova no processo do trabalho: uma análise do CPC/2015 e da Lei n. 13.467/2017

AutorMaria Júlia Bravieira Carvalho
Páginas122-134

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1. Introdução

O Código de Processo Civil (CPC/2015), de 16 de março de 2015, alterou, significativamente, o diploma processual pátrio. Formulado em consonância com a diretriz constitucional vigente, dedica tratamento especial aos princípios fundamentais, sempre garantindo a digni-dade humana, princípio basilar do Estado Democrático de Direito. São assim denominadas normas fundamentais do processo civil, para as quais se instituiu capítulo próprio, abrangendo os arts. 1º ao 121.

O CPC/15 é aplicável ao Processo do Trabalho sempre que com este for compatível, de forma subsidiária e supletiva, nos moldes dos arts. 15 do CPC/20152 e 7693 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).4 Sob esse prisma, almeja-se examinar a teoria da prova, adotando-se como marco teórico os arts. 369 ao 380 do CPC/2015.

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, denominada Reforma Trabalhista, por sua vez, modificou, profundamente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o intuito adequar a legislação às novas relações de trabalho.5

O presente trabalho tem como objetivo principal a identificação das alterações com a edição do CPC/2015 e da Lei supramencionada, bem como a aplicação dessas ao processo do trabalho. De forma específica, busca-se analisar os institutos do ônus da prova e da prova emprestada. Dá-se especial atenção à relação entre a teoria da prova e as normas fundamentais do processo civil.

Trata-se de um tema hodierno, particularmente relevante, palco de divergências e discussões que almejam o aprimoramento do processo do trabalho.

2. Prova: considerações gerais

A palavra prova, em sua acepção jurídica, pode ser aplicada em diferentes sentidos. Carlos Henrique Bezerra Leite (2012, p. 589) destaca três concepções do vocábulo. No que se refere à atuação das partes, a expressão utilizada é “produzir prova”, já que objetiva evidenciar a existência do fato que se pretende demonstrar em juízo. Pode ser considerada “meio de prova” quando representa o método selecionado pela parte para atestar determinado fato, como a prova documental ou testemunhal. Representa, ainda, a depender do modo como foi empregado, o “convencimento do juiz”, definido a partir do que consta dos autos do processo.

Segundo Humberto Theodoro Júnior (2012, p. 437), a prova pode ser conceituada em dois sentidos:

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  1. um objetivo, isto é, como o instrumento ou o meio hábil, para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia etc.); b) e outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório.

Aparece a prova, assim, como convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado.

A prova se traduz em um modo de afirmar a existência ou não do fato alegado. Embora seja mais palpável o seu aspecto objetivo, dado o caráter instrumental das provas, não se deve desprezar o seu aspecto subjetivo. Ambos estão intimamente atrelados, uma vez que o “centro da prova é o poder de convencimento sobre o julgador, que é quem lhe avalia e aquilata”. (DUARTE, 2016, p. 91)

Com isso, não basta a parte simplesmente alegar o fato pretendido, é necessário que se empregue meios que legitimem a afirmação, induzindo, por consequência, o convencimento do julgador. Desse modo, a “arte do processo não é essencialmente outra coisa senão a arte de administrar as provas”. (BENTHAM6, 1971 apud DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 38)

Embora não conste expressamente do rol do art. 5º da Constituição da República (CR), o direito fundamental às provas está contido tanto na cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV da CR7) quanto na garantia do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV da CR8).

O direito fundamental à prova tem conteúdo complexo. Ele compõe-se das seguintes situações jurídicas: a) o direito à adequada oportuni-dade de requerer provas; b) o direito de produzir provas; c) o direito de participar da produção da prova; d) o direito de manifestar-se sobre a prova produzida; e) o direito ao exame, pelo órgão julgador, da prova produzida. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 41)

“O direito fundamental à prova é tão evidente que sequer há necessidade de ser requerido ao juiz.” (BEBBER, 2016, p. 420). Tanto o é que o art. 840 da CLT, ao dispor sobre a reclamação trabalhista não exige requerimento nesse sentido. O mesmo ocorre nos arts. 8459 e 852-H da CLT, com ênfase para o segundo que dispõe claramente que “todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente.” (grifo nosso)

Não há como, portanto, distanciar a teoria da prova, sobretudo, do contraditório, já que este perpassa pela própria produção de provas. O contraditório constitui umas das normas fundamentais previstas no CPC/15. Em seus arts. 7º, 9º e 10,10 o referido dispositivo garante, em linhas gerais, a paridade de tratamento das partes e a garantia de se manifestarem no processo.

De acordo com o art. 4º, caput, da Instrução Normativa (IN) 39 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) “aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do CPC que regulam o princípio do contraditório, em especial os arts. 9º e 10, no que vedam a decisão surpresa.”

Tem-se que a prova constitui um dos elementos do processo que, por sua vez, está alicerçado em alegações feitas em consonância com o contraditório. Sob essa ótica, a verdade que se deve buscar não é absoluta ou real, mas pautada em evidências e relatos. Por meio da dialética, o julgador irá decidir por aquilo que se demonstrou, logicamente, mais próximo de uma realidade plausível. Diz-se, assim, que a “verdade com que deve se preocupar a ciência e também o processo é sempre relativa e contextual”. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 48). Nesse sentido, prescreve o art. 369 do Novo CPC que as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para “provar a verdade” dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz. (grifo nosso)

Desse modo, a busca pela verdade que, se alcançada, resultará, por óbvio, numa decisão mais justa e efetiva, demanda a cooperação dos sujeitos do processo.

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Nota-se a aproximação entre a prova e a norma fundamental, prevista no art. 6º do CPC/1511.

A ação cooperada dos sujeitos processuais deve concorrer para uma reconstrução verdadeira dos fatos apresentados no processo por meio das provas produzidas. Afinal, não há que se falar em decisão justa se distante da verdade processual. Relaciona-se o exposto ao art. 378 do CPC/15 que dispõe que “ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.”

A fim de reforçar a importância da cooperação em matéria de provas, o Enunciado 50, aprovado no Fórum Permanente de Processualistas Civis em Vitória, em maio de 2015, dispõe que “os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz”. Esse enunciado evidencia a ampliação da perspectiva do CPC/15 na medida em que, tradicionalmente, era o juiz o seu destinatário único. (JORGE NETO; CAVALCANTI, 2016)

A busca pela verdade processual legitima, inclusive, a produção de provas pelo órgão julgador. No que se refere à prova ex officio, a matéria está prevista tanto no CPC/15, em seu art. 37012 quanto na CLT, nos arts. 765 e 852-D13 (rito sumaríssimo). A CLT garante ao Juiz do Trabalho a mais ampla liberdade na direção do processo, a exemplo dos dispositivos 195, § 2º14, que impõe ao juiz o dever de designar, de ofício, perito habilitado para produção da prova pericial; e 848,15 caput, que lhe confere o poder de interrogar ex officio os litigantes16.

(CESÁRIO, 2015).

Destaca-se, porém, como afirmam Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante e Francisco Ferreira Jorge Neto (2016, p. 130), que “essa permissão legal não deve suprir o ônus da prova das partes, mas tão somente produzir novas provas, a fim de auxiliar o julgador na avaliação das provas que já se encontram nos autos.” É uma limitação à produção de provas pelo juiz que o fará em situações de absoluta dúvida. Assim, caberá ao magistrado produzir provas com o intuito de auxiliar o seu julgamento a partir das provas já produzidas pelas partes e não com o condão de suprir esse dever legal conferido a elas.

Em regra, a prova se destina aos fatos nos quais se funda a ação ou a defesa.17 Devem as partes narrar os fatos, cabendo ao órgão julgador aplicar a norma jurídica cabível (narra mihi factum dabo tibi jus18). Assim, o direito invocado, geralmente, independe de prova. Há exceções, como a prevista no art. 376 do CPC/2015 que dispõe que “a parte que alegar direito municipal, esta-dual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar.”

Na seara do Processo do Trabalho, são exemplos de espécies normativas em que a parte tem de demonstrar o teor e a vigência: acordos e convenções coletivas, usos e costumes, regulamentos de empresas, leis estaduais e municipais que disciplinem regras trabalhistas e Normas Inter-nacionais (Tratados e Convenções). (SCHIAVI, 2014, p. 631)

Ressalte-se que essa exigência não se aplica nos casos em que os tratados e as convenções internacionais passam a integrar o ordenamento jurídico nacional (observadas as normas constitucionais).

“Somente os fatos relevantes e possíveis devem ser objeto de prova. Essa é uma conclusão lógica, pois deve-se otimizar o tempo e o custo do processo, a consubstanciar a face primordial do princípio da necessidade da prova.” (DUARTE, 2016, p. 92). Ressalte-se a norma fundamental da duração razoável do processo...

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