A reclamação constitucional como instrumento de estabilização e uniformização da jurisprudência

AutorFernanda Nigri Faria e Laura Ferreira Diamantino Tostes
Páginas204-208

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1. Considerações iniciais acerca da reclamação constitucional

Inicialmente, como ressaltado pelo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Cláudio Brandão (2017,
p. 19), a reclamação constitucional é um “instituto genuinamente brasileiro”. Não há, segundo o citado jurista, instituto semelhante à ação em questão no ordenamento jurídico internacional.

A reclamação está prevista na Constituição da República, enquanto instrumento processual voltado à preservação da competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho, consoante normas dos arts. 102, I, I, 105, I, f e 111-A, § 3º.

Em consonância com o art. 988 do CPC/20151, cabível o ajuizamento da reclamação pela parte interessada ou pelo Ministério Público para preservar a competência, garantir a autoridade das decisões do tribunal, a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade e de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Os arts. 926 e 927 do CPC/2015, dispõem que os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência, devendo os magistrados observarem a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Os Tribunais Regionais do Trabalho, no julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no art. 896, § 3º, da CLT, editam súmulas e teses jurídicas prevalecentes que servem como paradigmas para viabilizar o conhecimento do recurso de revista. Os entendimentos jurisprudenciais decorrentes do julgamento do incidente em questão, não têm expresso efeito vinculante, diferentemente das súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos dos arts. 102, I e 103-A, § 3º, da Constituição da República, mas devem ser obedecidos, em cumprimento ao dever processual imposto pelo art. 927, V, do CPC/2015.

Importa enfatizar, segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores – Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior do Trabalho –, que a reclamação pode ser ajuizada concomitantemente ao recurso interposto em face da decisão desfavorável, eis que incabível em face de decisão cujo trânsito em julgado já tenha se operado (sendo este, portanto, o marco temporal máximo para a sua propositura), nos termos da Súmula n. 734, do STF: “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Nesse diapasão, ganha relevo jurídico o cabimento da reclamação dirigida aos Tribunais Regionais do Trabalho, em face de pronunciamento judicial que não tenha aplicado uma súmula ou tese prevalecente vigorante

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naquele órgão, com o objetivo de garantir a autoridade
dos precedentes obrigatórios.

Em decisão monocrática de lavra do Ministro Walmir Oliveira da Costa, do Tribunal Superior do Trabalho, acerca da reclamação constitucional, foi consignado o seguinte:

O instituto da Reclamação possui natureza jurídica de ação de competência originária dos tribunais, cabível para preservar sua competência, garantir a autoridade de suas decisões e observância de precedente oriundo de julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência, na forma do art. 988, I a IV, do CPC de 2015, sendo aplicável ao Processo do Trabalho nos termos do art. 3º, XXVII, da Instrução Normativa n. 39 desta Corte. (TST. Rcl. 6852-59-2016-5.00.0000. Data de publicação: 20.04.2016)

Para delimitar a hipótese de cabimento da reclamação, cabível distinguir as figuras do precedente, jurisprudência e súmula, eis que díspares no surgimento, essência e importância para o deslinde de casos futuros.

2. Pontos distintivos: precedente, jurisprudência e súmula

O objetivo primordial do Direito do Trabalho se harmoniza com a Constituição da República que, no art. 1º, prevê que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Os direitos sociais estão diretamente relacionados aos direitos fundamentais, inerentes às pessoas com vistas a assegurar sua existência de forma digna, sendo que o trabalho é o principal meio de buscar efetivar tais valores, daí a necessidade de se reconhecer a existência de um patamar mínimo civilizatório de direitos e garantias trabalhistas.

No Estado Democrático de Direito, o processo deve ser instrumento idôneo para a adequada concretização de direitos, devendo, assim, se harmonizar com as garantias constitucionais, com vistas a assegurar a eficiência das próprias normas de direito material.

Neste contexto, tem-se a inserção de princípios e garantias processuais na Constituição, com o propósito de reforçar os instrumentos destinados a dar efetividade às normas que asseguram direitos aos indivíduos.

Somam-se às normas propriamente ditas para compor o ordenamento jurídico, as decisões proferidas pelo Poder Judiciário, em especial, a jurisprudência, que denota o conjunto das decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais superiores, adaptando as normas às situações de fato.

O Ministro José Roberto Freire Pimenta (2015,
p. 17), do Tribunal Superior do Trabalho, acerca do papel persuasivo da jurisprudência, sob a ótica do Código de Processo Civil de 2015, ressalta a importância da uniformização da jurisprudência e rechaça o “estilhaçamento do direito material”:

[...] a continuar prevalecendo à concepção tradicional sobre o papel apenas persuasivo da jurisprudência (em que não se atribui nenhuma força vinculante aos precedentes judiciais dos Tribunais Superiores que versam sobre determinada matéria em discussão), não serão os magistrados prolatores dessas múltiplas e diferentes decisões, em milhares de dissídios individuais repetitivos, os primeiros e verdadeiros responsáveis por esse verdadeiro estilhaçamento do conteúdo do direito material neles controvertido. Ao contrário, esse resultado é absolutamente natural e até mesmo inevitável, na medida em que cada um dos julgadores de cada uma dessas causas individuais se sente absolutamente livre para julgar as mesmas questões de direito neles controvertidas no sentido que lhes parecer o melhor, de acordo com o princípio que lhes assegura o exercício de seu livre convencimento motivado...

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