Princípios do Processo Civil

AutorIvo Teixeira Gico Junior
Ocupação do AutorPh.D. em Economia (UnB)
Páginas43-96
3 PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL
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3.1 O Princípio da Eciência
A eciência é um valor jurídico a ser perseguido. Assim comanda a Constituição
Federal, quando estabelece que a Administração Pública, em todos os seus níveis,
inclusive estaduais e municipais, obedecerá ao Princípio da Eciência: “Art. 37. A ad-
ministração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impesso-
alidade, moralidade, publicidade e eciência[...]”. O comando constitucional de busca
pela eciência ainda aparece outras vezes no texto constitucional, por exemplo, quando
estabelece a eciência como nalid ade a ser perseguida pelo s órgãos de controle interno
dos Poderes110; como critério para que o juiz se faça presente pessoalmente em litígios
envolvendo questões agrárias111; como critério para organização e funcionamento dos
órgãos de segurança pública112; e como critério para o exercício da segurança viária113.
De início, alguém poderia supor que a busca pela eciência na Administração
Pública é algo moderno, recente, mas isso não é verdade. Após extenso e inédito le-
vantamento da origem histórica da busca pela eci ência no ordenamento jurídico
brasileiro, Danielle Lanius114 concluiu que, embora as primeiras referências expressas
ao termo “eciência” só surgiram no ordenamento jurídico pátrio no século XIX115, a
exigência de eciência na Administração Pública existiu em toda a história adminis-
trativa brasileira. Nesse sentido, há inúmeras iniciativas administrativas e legislativas
orientadas ao uso racional dos recursos disponíveis e à busca por aperfeiçoamento
dos processos produtivos com o objetivo de obter maior estabilidade, produtividade
e desempenho desde a época do Brasil Colônia em sua origem116, depois sob o governo
do Marquês de Pombal e, ainda, com a vinda da Família Real para o Brasil.
110. Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno
com a nalidade de: [...] II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à ecácia e eciência, da
gestão orçamentária, nanceira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como
da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado”.
111. Art. 126. [...] Parágrafo único. Sempre que necessário à eciente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente
no local do litígio.
112. Art. 144 [...] § 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança
pública, de maneira a garantir a eciência de suas atividades.
113. Art. 144 [...] § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:
I - compreende a educação, engenharia e scalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei,
que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eciente; [...].
114. Cf. Lanius (2018, pp. 60-68).
115. De acordo com Lanius, o termo “eciência” aparece pela primeira vez na legislação brasileira no Decreto de 27
de novembro de 1812, editado para instituir uma cobrança tributária sobre herança e legados mais eciente, na
medida em que a tornava independente da vontade do contribuinte. Cf. Lanius (2018, p. 22). Simultaneamente,
o príncipe regente encomendava um estudo para a reorganização político-administrativa do Reino Unido, que
continha elementos de aprimoramento da eciência da administração pública para evit ar a radicalização de
movimentos contrários à monarquia absoluta. Cf. Souza (2009).
116. Cf. Prado Jr. (2004 [1945]), Salgado (1985), Wehling e Wehling (1994), Abreu (1998), Costa (2008) e Queiroz (2008).
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ANÁLISE ECONÔMICA DO PROCESS O CIVIL Ivo T. Gico Jr.
44 Nessa linha, já havia uma preocupação da Coroa Portuguesa com uma adminis-
tração eciente da atividade extrativista no Brasil, tais como normas para combater
o contrabando e o corte indiscriminado de árvores117, para combater o abuso de
benefícios scais concedidos pela Coroa Portuguesa a engenhos de açúcar118, para
controlar a qualidade do açúcar, dentre uma série de outras. Com a ascensão do Mar-
quês de Pombal, passou-se a uma preocupação mais sistemática com o planejamento
administrativo119, objetivando tornar a exploração colonial mais eciente120, que foi
acentuada após o declínio do extrativismo de metal121.
Lanius122 chama a atenção para a edição do Alvará de 30 de janeiro de 1802,
em razão do foco explícito que é dado para a eficiência administrativa na adminis-
tração das minas, principalmente com relação à logística da extração de metais.
No preâmbulo desse alvará, o príncipe regente manifesta sua preocupação com
o estado de abandono das minas e reconhece que foi causado pela não institui-
ção de uma administração eficiente. Para responder a esses problemas, o Alvará
das Minas cria uma série de cargos administrativos voltados à fiscalização das
atividades extrativas, à conservação das minas e fundições, ao levantamento de
terrenos e vegetação, bem como a uma rigorosa contabilidade. Além disso, há uma
preocupação explícita com a competência técnica dos funcionários contratados
para essas tarefas, bem como penalidades em caso de descumprimento de funções
ou contrabando dos gêneros extraídos. Ao ler o Alvará de 1802, é inevitável traçar
um paralelo direto com o comando constitucional de busca pela eficiência na
Administração Pública e o replicado no art. 37 da Constituição Federal de 1988,
quase trezentos anos depois.
Como o comando do art. 37 de busca pela eciência se estende aos três Poderes,
não existe qualquer dúvida de que a Constituição Federal comanda que o Judiciário
seja eciente e busque a eciência no desempenho de seu mister, ou seja, a Constitui-
ção Federal literalmente ordena que o Judiciário paute a sua atuação pela eciência123.
Considerando que o Judiciário integra a Administração Pública e sua função social
117. Cf. Souza (1978, p. 81).
118. Cf. Azevedo (N/D, p. 145).
119. Cf. Wehling e Wehling (1994, p. 304).
120. Cf. Andrade (1999, p. 53).
121. Cf. Salgado (1985, p. 61).
122. Cf. Lanius (2018, pp. 17-19).
123. Apesar de a busca pela eciência claramente gerar bem-estar social, há aqueles que, por razões ideológicas, se
insurgem contra o comando constitucional, como Pereira Junior (1999, p. 44); Gabardo (2002, p. 17); Coutinho
(2003, p. 54); Marcellino Jr. (2009), sendo que este efetivamente conclama à resistência contra o texto constitu-
cional (2009, pp. 36, 182 e 202); Staen e Bodnar (2010, p. 15); Rosa (2011, p. 134), que chega ao ponto de chamar
o comando constitucional de “canalha ‘eciência’” [sic] (2011, p. 135); Camargo (2014, p. 166); e Ferreira (2015,
p. 91). Todavia, nenhum deles explica por que seria socialmente desejável ter uma Administração Pública ou
um Judiciário ineciente.
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é “resolver disputas aplicando as regras jurídicas”124, então, devemos concluir que
ele deve ser estruturado, organizado e administrado de maneira tal que os recursos
disponíveis (juízes, auxiliares, orçamento, estrutura física, competên cias etc.) sejam
direcionados/orientados à maximização da solução de conitos p ela adjudicação
de direitos.
Aliás, essa parece ter sido a linha seguida pelo constituinte derivado ao editar
a EC nº 45/04 (Emenda da Reforma do Judiciário), a qual promoveu importantes
alterações na estrutura do Poder Judiciário como um todo, além de incluir no rol de
direitos fundamentais do art. 5º da CF/88 o direito a um processo célere, de duração
razoável, com o seguinte texto: “LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação”. A exposição de motivos da EC nº 45/04125 deixa claro que o seu
objetivo é justamente realizar uma ampla reforma do Poder Judiciário126, de maneira
que a “administração da Justiça” se torne mais eciente por ser um problema que “a
todos interessa”, concluindo que: “As proposições sugeridas servem, portanto, quan-
do mais não seja, como tema de um debate fecundo sobre uma nova organização da
justiça no Brasil”.
Sendo este um livro de Direito Processual e dado que o Princípio da Eciência
se aplica integralmente ao Poder Judiciário, podemos organizar suas implicações
em duas categorias: as endoprocessuais e as exoprocessuais127. Q uando discuti-
mos a organização e a administração do Poder Judiciário enquanto Administração
Pública, estamos preocupados com a sua organização em si, com sua estrutura e
gestão (macrogestão). Assim, por exemplo, discussões acerca da criação de uma
ou duas varas sobre o mesmo tema, a criação de varas especializadas, quantos as-
sessores cada juiz deve ter, se os cartórios devem ser unicados ou separados são
todas questões de organização judiciária que afetam substancialmente o desempe-
nho do Judiciário no provimento do serviço público adjudicatório e, portanto, sua
eciência. A avaliação e a adequação da estrutura administrativa/organizacional
do Poder Judiciário e seus reexos na produtividade dos juízes são preocupações
relevantes para o processo judicial, à medida que uma estrutura adequada (ecien-
124. “O Judiciário é uma tecnologia institucional desenvolvida ao longo de milhares de anos de experimentação
humana com um único propósito: resolver disputas aplicando as regras jurídicas. Há debate sobre o fato de o
sistema adjudicatório, também se prestar a outras funções, como o controle social (aplicação local de regras
formuladas por um governo central) ou a criação das próprias regras. No entanto, na minha opinião, a função
de controle social não é uma característica própria dos tribunais em si, mas sim do sistema jurídico como um
todo − do qual os tribunais são apenas um elemento − e a ideia de controle social está embutida na condição
‘aplicando as regras jurídicas’.” Gico Jr. (2019, p. 14). No mesmo sentido, Gico Jr. (2013).
125. Cf. Câmara dos Deputados (2004, p. n/d).
126. Para críticas a respeito do modelo adotado para a reforma do Judiciário promovida pela EC nº 45/04, cf. Moreira
(2004).
127. A doutrina já havia reconhecido que o princípio da eciência repercutiria nessas duas dimensões: (a) admi-
nistração judiciária e (b) gestão de um determinado processo, como, por exemplo, em Didier Jr. (2013, p. 434).
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