Teoria Positiva do Processo: a análise econômica do processo

AutorIvo Teixeira Gico Junior
Ocupação do AutorPh.D. em Economia (UnB)
Páginas99-146
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A principal razão pela qual as pessoas ajuízam ações é a incerteza com relação
ao resultado esperado. Se não houvesse incerteza, ou seja, em um mundo do direito
e do Judiciário perfeitos, o comportamento esperado das partes seria quase sempre
a celebração de acordo, pois não haveria como ganhar mais por meio do litígio. Por
exemplo, suponha que Antônio seja um consumidor que tenha sofrido um prejuízo
de R$100.000 em decorrência de um acidente supostamente causado pela empresa
de Roberta. Suponha, ainda, que seja inc ontroverso que houve um dano, que houve a
prática de um ato ilícito, e que estamos diante de uma hipótese de responsabilidade
objetiva. Logo, bastaria que ele provasse em juízo o nexo de causalidade entre o ato ilícito
e o dano para que seu pleito de indenização fosse julgado procedente253. Os custos de
litigar para ambas as partes são estimados em R$10.000 dada a complexidade do caso.
Nesse cenário, o custo esperado do litígio para Roberta é de R$110.000 (a inde-
nização mais os custos de litigar) e o benefício esperado do litígio para a Antônio é de
R$90.000 (a indenização m enos os custos de litigar). Como se pode ver, há claramente
um ganho potencial de R$20.000 se as partes não litigarem, que equivale exatamente
ao somatório dos custos de litigar, e esse é justamente o espaço dentro do qual as partes
poderiam fazer um acordo. Qualquer pa gamento realizado por Roberta a Antônio
entre R$110.000 e R$90.000 melhorará a posição de ambas as partes em comparação
com o cenário de ajuizamento da ação, i.e., seria Pareto eciente. Nesse caso, litigar
apenas destruiria valor para ambas as partes. Mas se litigar é tão ineciente, por que
a judicialização no Brasil e em outros países é tão grande?
De acordo com o Relatório do Conselho Nacional d e Justiça – CNJ de 2019254, o
índice de conciliação, aqui entendido como o percentual de sentenças e decisões
resolvidas por homologação de acordo em relação ao total de sentenças e decisões
terminativas proferidas, é de 11,5%, i.e., apenas uma em dez ações termina em acor-
do no Brasil. Na fase de conhecimento, esse índice sobe para 16,7%; na fase recursal
despenca para 0,9% e, na execução, é de apenas 6%.
A evolução dos dados de 2015 para 2018 demonstra que, pelo menos por enquanto,
o novo CPC não parece ter tido qualquer impacto sobre o índice de conciliação no
Brasil. Apenas para se entender o tamanho do problema, nos Estados Unidos, no ano
de 2018, estima-se o exato oposto, i.e., que cerca de 1% dos casos na justiça civil tenha
sido nalizado por decisão terminativa, ou seja, que 99% dos casos se encerraram por
acordo255. O que explicaria essa disparidade tão g rande?
Inúmeras razões já foram oferecidas para explicar o baixo número de acordos
e o congestionamento dos tribunais256, desde a falta de recursos, procedimentos
complexos, incentivos dos advogados, incentivos dos juízes, má gestão, cultura
253. Sobre a análise econômica da responsabilidade civil extracontratual, por exemplo, cf. Gico Jr. (2019).
254. Cf. CNJ (2019, p. 142).
255. Cf. Administrative Oce of the U.S. Courts (2018, Table C-4).
256. Cf. Gico Jr. (2012) e (2019).
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ANÁLISE ECONÔMICA DO PROCESS O CIVIL Ivo T. Gico Jr.
100 de litígio, baixa qualidade das leis, número excessivo de leis, baixo investimento
em segurança jurídica e até a própria natureza do direito e do sistema público
adjudicatório, como veremos no Capítulo 6. Mas todas as explicações passam – de
um jeito ou de outro – pela compreensão do comportamento das partes e de suas
respectivas estruturas de incentivos, i.e., pela compreensão de por que as partes
litigam, por que fazem ou não fazem acordo, por que recorrem de uma decisão
judicial – portanto, a compreensão do problema requer mais do que a simples
abordagem dogmática tradicional do Direito Processual. Precisamos de uma Teoria
Positiva do Processo – TPP.
Uma Teoria Positiva do Proce sso deve ser capaz não apenas de descrever os
institutos e organizações processuais, de interpretar e explicar as regras jurídicas
contidas em cada comando legal, mas tamb ém deve nos ajudar a compreender
como as partes litigantes se comportam no curso do processo e como elas inte-
ragem com o juiz nessa relação tripartite, em cada etapa do processo. Em outras
palavras, para realmente compreendermos o processo, precisamos não apenas
saber o que as regras jurídicas do CPC dizem, i.e., sua hermen êutica, mas também
descobrir como as partes se comportam antes, durante e depois d e um litígio257.
Além disso, precisamos averiguar o impacto das referidas regras processuais sobre
esse comportamento e o potencial impacto, caso uma regra ou sua interpretação
seja alterada, inclusive para discutir eventuais mudanças, se for o caso. Só assim
poderemos dizer que efetivamente compreendemos o processo civil. E é justamente
isso que me proponho a fazer nos próximos capítulos: apresentar os fundamentos
da Teoria Positiva do Processo.
Note que a TPP não é um substituto a Teoria Geral do Processo – TGP, mas o
seu complemento. A TGP está focada na identicaçã o dos conceitos e categorias co-
muns a todas as áreas do processo enquanto a TPP está orientada à compreensão do
fenômeno no mundo dos fatos, da conduta, do c omportamento das partes durante
o curso do litígio em função das regras jurídicas. Enquanto a TGP se pergunta quais
são os elementos essenciais comuns a todas as áreas do processo, a TPP se pergunta
como os agentes envolvidos se comportam no processo e, portanto, as consequências
sociais desta ou daquela regra jurídica. Combinadas, TGP e TPP são um poderoso
ferramental para a compreensão e análise do Direito Processual e, espera-se, para a
construção de um sistema jurídico mais eciente e justo. É para o estudo de como as
partes se comportam que nos voltaremos agora.
257. Salvo engano, o primeiro trabalho no Brasil que aplicou a análise econômica ao processo civil foi o livro de Jean
Carlos Dias (2009) e o último, pelo menos até a publicação do presente livro, foi o curso de análise econômica
do direito de Porto e Garoupa (2020). Quiçá, muitos outros virão.
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4.1 Fundamentos do Modelo Juseconômic o do Processo
4.1.1 Decisão com e sem Risco (Certeza e Incerteza)
Antes de começarmos a discutir como surge uma lide, em que condições ela se
judicializa e a construir o modelo juseconômico do processo, precisamos explorar
um pouco mais a Teoria da Escolha Racional – TER apresentada na Seção 1.3 e nos
aprofundar na discussão acerca de como as pessoas decidem diante de opções com
e sem risco.
Apenas relembrando, quando dizemos decisão sem risco estamos nos referindo
àquelas decisões nas quais cada alternativa disponível é determinística, i.e., se selecio-
nada pelo decisor, ela ocorrerá (ou pelo menos a crença do decisor é que ela ocorrerá).
Já uma decisão com risco será aquela em que pelo menos uma das alternativas não
seja determinística. Logo, há pelo menos uma alternativa que o decisor acredita ter
uma probabilidade de ocorrência inferior a 100%, ou seja, pode não ocorrer, mesmo
se escolhida. Comecemos com as deci sões sem risco.
Suponha que Roberta esteja diante de duas opções, ela pode vender o seu carro
usado para a concessionária A por R$45.000 ou para a concessionária B por R$42.000.
A escolha de Roberta pode ser representada da seguinte forma:
E  R
Figura 4-1
R$ 45.000
R$ 42.000
Concessionária A
Concessionária B
Vender
o Carro
Dado que Roberta é uma agente racional, a conduta esperada é que ela opte por
vender o carro para a concessionária A, pois essa opção lhe gerará o maior retorno.
Como este exemplo não envolve risco, a decisão é apenas entre as condutas possíveis
(alternativas ou cursos de ação), e o critério de escolha é informado pelos resultados
(certos) de cada alternativa.
Se tomarmos como pressuposto que as pessoas geralmente agem d e forma ra-
cional, podemos armar que quando alguém se vê diante de uma escolha sem elhante,
em que os resultados forem certos (sem risco), e uma opção for claramente melhor
que a outra (A > B), então, a opção associada a um melhor retorno tende a ser a esco-
lhida. Lembre-se: melhor aqui está no sentido de gerar maior utilidade para o agente
tomador da decisão de acordo com suas preferências subjetivas. Esta conclusão é
uma decorrência direta do pressuposto da racionalidade, segundo o qual se A > B,
então, dada a opção entre A e B, a escolha será por A, salvo um engano. Assim, diante
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