Prolegômenos

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PROLEGÔMENOS
Um estudo com pretensão cientíca deve realizar, inevitavelmente,
um corte metodológico, posto que é impossível abarcar todo o conhe-
cimento e, do contrário, haveria uma propagação ao innito, inapreen-
sível.19 O estudo é, por isso, limitador do conhecimento em extensão,
um redutor de complexidades, conquanto possa atingir alto nível em
profundidade, ao descer às minudências da fenda aberta pelo questio-
namento inerente à espécie humana.20
Selecionar o objeto de pesquisa e delimitá-lo é imprescindível para
que o cientista melhor o compreenda, permitindo-se emitir proposi-
ções sobre aquela fração selecionada do mundo circundante, a m de
operá-lo com a maior eciência possível nas situações em que com ele
se deparar.21
19 “Todo saber cientíco pressupõe u m corte metodológico para que se torne p ossível o estu-
do do objeto; caso contrár io, estudar-se-ia tudo em um regresso ad innitum, o que s eria
incompatível com a pretensão cient íca.” (MOUSSALEM, Tárek Moysés. Fontes do direito
tributário. 2. ed. São Pau lo: Noeses, 2006, p. 11)
20 “O conhecimento é um fato complexo. Simpli cadamente diz-se que é relação do sujeito
com o objeto. E se tivermos em conta o conhe cimento do mundo físico exterior, sua origem
é a experiência sens orial.” (VILANOVA, Lourival. As estrut uras lógicas e o sistema do di-
reito positivo. São Paulo: Noeses , 2005, p. 39)
21 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral d o direito: o constructiv ismo lógi-
co-semântico. 4. e d. São Paulo: Noeses, 2014, p. 3.
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João Guilherme Gualberto Torres
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Sem esse recurso, sem a abstração da totalidade e a xação no es-
pecíco, com canalização da atenção para o espaço circunscrito para a
experiência do sujeito cognoscente, tratar-se-ia de estudo generalizante
e que não contribui cienticamente.22 A seleção, todavia, é medida emi-
nentemente arbitrária do sujeito cognoscente e, por isso, não se sujeita a
contestações. Traça o cientista o ponto-início para guiar seu estudo até
o ponto-m, percorrendo, assim, todo o espaço demarcado.23 E a esse
campo delimitado deve ater-se o cientista, não extravasando os lindes
por ele criados, mas pretendendo, exclusivamente, o conhecimento do
próprio objeto, com exclusão de tudo quanto não pertença a este.24
O corte metodológico, pressuposto epistemológico do conheci-
mento cientíco, incide sobre o objeto, ou melhor, sobre a linguagem do
objeto25, como à frente se verá, delineando-o. Trata-se de “ato linguístico
delineador da linguagem do objeto de estudo” que torna possível sua
investigação26.
O objeto do presente, porque se pretende uma ciência jurídica, é o
direito positivo, enquanto conjunto de normas jurídicas válidas em de-
terminado tempo e espaço, atinentes ao controle de constitucionalida-
de, sobretudo relacionados à scalização da constitucionalidade a par-
tir de fatos e prognoses jurídico-legislativos, tendo como ponto-início
22 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do di reito: o constructivi smo lógi-
co-semântico. 4. e d. São Paulo: Noeses, 2014, p. 45.
23 MOUSSALEM, Tárek Moysés. Fontes do d ireito tributário. 2. ed. São Paulo: Noes es, 2006,
p. 12.
24 KELSEN, Hans. Teoria P ura do Direito. Tradução de João Baptista M achado. 8. ed. São
Paulo: Editora WMF Ma rtins Fontes, 2009, p. 1.
25 “A importância da lingu agem, para o homem, encontra-s e plasmada em sua inev itabili-
dade. A lingu agem é inevitável. Permei a toda a realidad e sociocultu ral, que, por sua vez ,
condiciona a ação humana.” (Grifos do autor) (MOUSSALLEM, Tárek Moys és. Revogação
em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 20 05, p. 8)
26 MOUSSALEM, Tárek Moysés. Fontes do d ireito tributário. 2. ed. São Paulo: Noes es, 2006,
p. 11.
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a Constituição Federal e ponto-m a aplicação e a criação de normas
jurídicas pela Corte Constitucional.
Excluem-se, pois, da análise pretendida, a moral, o costume não
juridicizado e a justiça decisória de que se ocupam outros ramos do
conhecimento. São jogos de linguagem distintos, que partem de cortes
metodológicos diferentes.
A compreensão do sistema de direito positivo assume a pureza da
Ciência Jurídica, libertando-a da inuência de outras formas de conhe-
cimento de objeto igual ou semelhante.27
Falar do “direito” (positivo, que seja) sempre pressupõe um pon-
to de vista. A rigor, o direito positivo, para se tomar como exemplo,
pode ser objeto de estudo das mais diversas ciências. Essa realidade, não
encarada por muitos cientistas do direito, voluntária ou involuntaria-
mente, afasta a pretensa objetividade do Direito-Ciência. Com efeito,
todo conhecimento de um objeto de estudo pressupõe um sistema de
referência, o qual, se esclarecido, declarado e desvelado, denota a ho-
nestidade cientíca do próprio cientista e permite ao leitor a vericação
das premissas discricionariamente adotadas e a concordância com as
conclusões atingidas a partir delas.
Somente a partir da revelação do sistema de referência, o interlo-
cutor (anal o leitor é um deles) pode testar a coerência do estudo e,
porque não, da teoria.28
De outro lado, e pelo mesmo motivo, o estudo aqui desenvolvido
(é bom que se advirta desde o princípio) não pode almejar o saber abso-
luto, porquanto as soluções hão de ser sempre provisórias; do contrário,
27 “Quando a si própria se desig na como ’pura’ teoria do Direito, isto signica que el a se pro-
põe garanti r um conhecimento apena s dirigido ao Di reito e excluir deste conhe cimento
tudo quanto não pertenç a ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosa mente, deter-
minar como Direito.” (KEL SEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista
Machado. 8. ed. São Paulo: E ditora WMF Martins Fontes , 2009, p. 1)
28 IVO, Gabriel. Norma jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 20 06, p. XXIX.
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