O regime jurídico do condo-hotel

AutorFilipe Medon
Páginas417-432
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O REGIME JURÍDICO DO CONDO-HOTEL
Filipe Medon
Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Substituto de Direito Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e de cursos de Pós-Graduação e Extensão da PUC-Rio, ESA/OAB Nacional,
ESA/OAB-RJ, ITS-Rio, PUC-PR, Fundação Escola Superior do Ministério Público do
Rio Grande do Sul, CERS, IERBB/MP-RJ, Instituto New Law, CEPED-UERJ, EMERJ,
CEDIN e do Curso Trevo. Membro da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade
da OAB-RJ, do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e do
Instituto Brasileiro de Direito de Família. Pesquisador em Gustavo Tepedino Advogados.
Advogado. Instagram: @lipe.medon.1
Sumário: 1. Notas introdutórias: vinte anos entre avanços e retrocessos – 2. A reforma dos direitos
reais – 3. Aspectos gerais sobre o condo-hotel – 4. Conclusão.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: VINTE ANOS ENTRE AVANÇOS E
RETROCESSOS
O Direito Civil é um prédio inacabado. Ainda que suas fundações clássicas
permaneçam de pé, fortif‌icadas pela inf‌luência do fenômeno da constitucionaliza-
ção, seus pavimentos são, a todo instante, reconstruídos e expandidos, como um
organismo vivo que busca se adequar ao tempo presente. Assim também é o Código
Civil, cuja centralidade foi perdida no ordenamento face à necessária hierarquiza-
ção da Constituição, passando por um longo processo de avanços e retrocessos, que
culminam agora na celebração do seu aniversário de vinte anos.
Seria impossível traçar nessas breves linhas uma retrospectiva histórica que
ref‌letisse de forma completa e exaustiva as mudanças da civilística brasileira das
duas últimas décadas. O advento de novas tecnologias da informação dinamizou e
revolucionou o Direito como um todo, notadamente o Direito Civil, que foi obrigado
a modif‌icar estruturas que remontavam aos alfarrábios romanistas. Embora os efei-
tos de tal fenômeno de revolução tecnológica possam ser mais facilmente sentidos
em campos como a responsabilidade civil e os direitos da personalidade, campos
tradicionalmente mais dogmáticos como os direitos reais também foram, em algu-
ma medida, inf‌luenciados. Basta pensar na aplicação de tecnologias de Inteligência
Artif‌icial para a qualif‌icação registral2, ou, ainda, na eventual possibilidade de se
1. O autor agradece à acadêmica de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro Mariana Scofano Martins
pelo rico trabalho de pesquisa bibliográf‌ica empreendido para a confecção do presente artigo.
2. ABELHA, André; BLASCO, Fernando. Inteligência artif‌icial e qualif‌icação registral: possibilidades e perigos.
In: TEPEDINO, Gustavo; SILVA, Rodrigo da Guia (Coord.). O Direito civil na era da inteligência artif‌icial.
São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 703-720.
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valer de mecanismos peculiares de tutela da posse e da propriedade para a proteção
de dados pessoais.3
Especif‌icamente no estudo dos direitos reais, que são o objeto central da pre-
sente investigação, observou-se ao longo dos últimos vinte anos o surgimento e a
incorporação de diversos institutos no Código Civil, notadamente no que se refere
à concretização do direito fundamental à moradia. Cita-se, dentre outros, diplomas
como a Lei 13.465/2017, que instituiu, por exemplo, normas gerais e procedimentos
aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), além de incluir o direito de laje
no rol dos direitos reais do artigo 1.225 do Código. Outras, como a Lei 12.424/2011,
trouxeram novas modalidades de usucapião, como a chamada usucapião familiar.
Importante mencionar, ainda, a inclusão, pela Lei 13.777/2018, do condomínio em
multipropriedade, além do condomínio em lotes, instituído pela Lei 13.465/2017.
É precisamente nesse contexto de novas formas condominiais que se insere o
chamado condo-hotel, cuja regulação é objeto do presente estudo, que se propõe a
analisar os principais contornos do instituto a partir de contribuições da doutrina e
também da jurisprudência que já se forma a respeito deste tema que ainda tem con-
tornos tímidos. Nada obstante, antes de proceder ao exame de sua disciplina, faz-se
necessário compreender aquilo que se convencionou designar como “a reforma dos
direitos reais”, que se revela como pressuposto lógico para entender o panorama
desses direitos no Código Civil após duas décadas de sua promulgação.
2. A REFORMA DOS DIREITOS REAIS
Em apertada síntese, a metodologia do Direito Civil Constitucional se baseia na
unidade, sistematicidade e complexidade do ordenamento para sustentar a constitucio-
nalização do direito privado e, em especial, do Direito Civil, que deve ser relido com as
lentes da Constituição da República.4 Assim, a todo momento busca-se aferir o mereci-
mento de tutela de institutos e situações jurídicas, tendo-se como postulado essencial
a funcionalização dos institutos em detrimento de uma visão meramente estrutural.5
Nessa direção, considera-se a importância de buscar, à luz das especif‌icida-
des fáticas, a construção da normativa aplicável, considerando-se que o processo
interpretativo se dá em concreto. Além disso, defende-se a reunif‌icação do Direito
Privado, superando-se a summa divisio, já que a Constituição atua como elemento
harmonizador, rejeitando-se, também, a noção de microssistemas.6
3. MAIA, Roberta Mauro Medina. A titularidade de dados pessoais prevista no art. 17 da LGPD: direito real
ou pessoal? In: TEPEDINO; Gustavo; FRAZÃO, Ana; OLIVA, Milena Donato. Lei geral de proteção de dados
e suas repercussões no direito brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 131-156.
4. KONDER, Carlos Nelson; SCHREIBER, Anderson. Uma agenda para o Direito Civil-Constitucional. Revista
brasileira de direito civil, v. 10, out./dez. 2016.
5. TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento. Temas
de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. t. III.
6. KONDER, Carlos Nelson; SCHREIBER, Anderson. Uma agenda para o Direito Civil-Constitucional. Revista
brasileira de direito civil, v. 10. out./dez. 2016.
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