A relação entre direito comercial, estado e codificação

AutorGiovani Ribeiro Rodrigues Alves
Páginas49-95
49
CAPÍTULO 2
A Relação entre Direito Comercial,
Estado e Codificação no Cotejo com a
Interferência Estatal na Idade Média e
na Idade Moderna
Consoante mencionado no primeiro capítulo do
presente livro
158, o ius mercatorum, nomenclatura
originária do direito comercial159, nasceu no período
denominado pela historiografia de Idade Média160 e se
tratou de uma obra típica de seu tempo.
Ascarelli, Escarra, Bonnecarrére e Laborde-Lacoste
especificam que a origem da disciplina comercialista
ocorreu na Itália161, no Século XII162 e foi fruto do
158 Cf. Capítulo 1, Item 1.2.
159ASCARELLI, Tullio. Lezioni di Diritto Commerciale. Milano: Dott.
Antonino Giuffré Editore, 1955, p. 4.
160 GALGANO, Francesco. Lex Mercatoria. Bologna: Il Mulino, 2001, p. 9.
161 BONNECARRÉRE, P; LABORDE-LACOSTE, M. Exposé Méthodique
de Droit Commercial. 3ª ed. Paris: Libraire du Recueil Sirey, 1946, p. 02.
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conjunto de esforços empreendido pelos comerciantes nas
corporações de ofício
163.
A luz do contexto medieval dentro do qual foi
originado, o ius mercatorum apresentou como
características marcantes o fato de ter sido (i) concebido
pelos próprios comerciantes164, alheio à influência e ao
controle do ente estatal165, e (ii) por ter prescindido da
legitimação do Estado para que pudesse fazer valer sua
construção normativa166, ao menos no primeiro
momento167.
Conforme igualmente abordado168, a estrutura
medieval descentralizada e fragmentada favorecia a
existência de diferentes direitos vigendo ao mesmo tempo
sobre as mesmas pessoas e sobre o mesmo Estado169.
Desta forma, na Idade Média a noção de um direito
paraestatal, como o direito comercial em sua origem, não
representava o rompimento da lógica até então
predominante. Pelo contrário, vez que a pluralidade de
fontes das quais se emanava o direito era característica
162ASCARELLI, Tullio. Lezioni di Diritto Commerciale. Milano: Dott.
Antonino Giuffré Editore, 1955, p. 8.
163 ESCARRA, Jean. Cours de Droit C ommercial. Paris: Librairie du
Recueil Sirey, 1952, p. 8. NEVES, Edson Alvisi. Magistrados e negociantes
na corte do Império do Brasil: o Tribunal de Comércio. Rio de Janeiro:
Jurídica do Rio de Janeiro, 2008, p. 135.
164 GALGANO, Francesco. Lex Mercatoria. Bologna: Il Mulino, 2001, p. 37.
165 ASCARELLI, Tullio. Lezioni di Diritto Commerciale. Milano: Dott.
Antonino Giuffré Editore, 1955, p. 9.
166ASCARELLI, Tullio. Lezioni di Diritto Commerciale. Milano: Dott.
Antonino Giuffré Editore, 1955, p. 7.
167 GALGANO, Francesco. Lex Mercatoria. Bologna: Il Mulino, 2001, p. 9.
168 Cf. Capítulo 1, Item 1.2.
169 GORDLEY, James; MEHREN, Arthur Taylor Von. An Introduction to
the comparative study of private law: readings, cases, materials.
Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p. 46.
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do modelo medieval
170, dentro do qual foi oriundo e
reflexo o ius mercatorum.
Séculos mais tarde, na Idade Moderna, o direito
comercial passou por grande transformação, tal qual a
radical mudança na maneira de se pensar a ciência e o
direito171, que refletiu, dentre muitos outros efeitos, na
codificação da disciplina comercialista na Modernidade172.
Neste novo contexto, o direito comercial moderno
não somente ganhou uma nova formatação, por meio da
codificação típica do racionalismo da Modernidade, como
também assumiu uma nova expressão de conteúdo,
deixando de tutelar exclusivamente os interesses da classe
comerciante173, em oposição à característica classista
marcante na disciplina do direito comercial medieval174.
Como se verificará adiante, o surgimento do Código
Comercial Francês de 1807, grande marco do direito
comercial moderno, foi decorrente, em expressiva medida,
de necessidades estatais, ao invés de se tratar unicamente
de resposta às necessidades privadas (dos comerciantes),
como seria possível se supor caso tomadas como
parâmetro a realidade medieval e as razões que levaram à
origem do ius mercatorum.
170 GROSSI, Paolo. Primeira Lição Sobre Direito. Tradução de Ricardo
Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 31.
171 Como se verá adiante, a substituição da lógica teológica pela racionalista
capitalista produziu relevantes efeitos sobre a disciplina do direito comercial.
A respeito ver: MENDONÇA, Álvaro. Apontamentos de Direito
Commercial. São Paulo: Off. Graphicas Monteiro Lobato & co, 1923, p. 8.
172 Cf. Capítulo 1, Item 1.2.
173 ANAYA, Jaime Luis. El legado del Código de Comercio Francés. In:
HERNÁNDEZ, Alfredo Morles; VALERA, Irene (coords.). Bicentenario del
Código de Comercio Francés. Caracas: Academia de Ciencias Po líticas y
Sociales, 2008, p.29.
174 FERRI, Giuseppe. Manuale di Diritto Commerciale. 2ª ed. Torino:
Unione Tipografico - Editrice Torinese, 1962, p.07.

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