A Resistência em Tempos de Desmanche do Estado Social: A Necessidade de Proteção Jurídica ao Trabalho Humano Subordinado

AutorValdete Souto Severo
Páginas178-185
CaPítulo
18
A RESISTÊNCIA EM TEMPOS DE
DESMANCHE DO ESTADO SOCIAL: A
NECESSIDADE DE PROTEÇÃO JURÍDICA
AO TRABALHO HUMANO SUBORDINADO
Valdete Souto Severo(1)
(1) Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP. Mestre em Direitos Fundamentais, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/RS.
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e Renapedts – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do
Trabalho e Previdência Social. Professora, Coordenadora e Diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do
RS. Especialista em Processo Civil pela UNISINOS, Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário
pela UNISC, Master em Direito do Trabalho, Direito do Trabalho, Direito Sindical e Previdência Social, pela Universidade Europeia
de Roma – UER (Itália). Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de República do Uruguai. Juíza
do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região. Membro da AJD – Associação Juízes pela Democracia.
1. INTRODUÇÃO
Direito é produção cultural, de um determinado
tempo histórico, endereçado à manutenção de certa
forma de organização social. O Direito do Trabalho, evi-
dentemente, também. Por isso, não é a toa que esse ra-
mo do Direito destinado a disciplinar as relações entre
capital e trabalho esteja sempre no alvo de pensamentos
contraditórios. De um lado, aqueles que defendem a
necessidade de destruição das regras trabalhistas, pro-
pondo um retorno ao modelo liberal clássico, em que
ao Estado incumbia regular as relações entre os supos-
tamente iguais, tratando-os, todos, como proprietários
de mercadorias. Esse é o discurso que anima os defen-
sores e redatores da “reforma” trabalhista, representada
especialmente pelas Leis ns. 13.429/2017, 13.467/2017
e pela MP n. 808/2017. Em lado oposto, o discurso da
proteção ao trabalho humano, como condição para que
sigamos admitindo uma relação social na qual há troca
de tempo de vida por dinheiro.
Enquanto na aparência, o Direito apresenta-se como
um pacto de convívio social em que todos concordam
em renunciar a parte de sua liberdade, para ter acesso a
bens que viabilizem uma vida minimamente boa; na es-
sência traduz-se como forma de coerção, assujeitamento
e concentração de renda, como elementos necessários e
úteis a uma determinada forma de organização social.
O Direito do Trabalho, fruto do mesmo tempo histórico
do chamado Direito moderno, também está inserido na
lógica das relações de troca e, desse modo, não se aparta
completamente da função genética de perpetuar a domi-
nação, disfarçando-a. Ainda assim, apresenta-se como
contraponto, porque surge para impor limites à ordem
do capital. Justamente por exercer essa dupla função, o
Direito do Trabalho expõe o disfarce, revelando a domi-
nação objetiva do capital sobre o trabalho.
A necessidade de sua existência, para o próprio sis-
tema, decorre do fato de que é preciso manter as pre-
missas dessa forma de organização social. Se também
os trabalhadores são sujeitos de direito, destinatários
da norma jurídica e, portanto, merecedores de uma vida
digna, o assujeitamento a que se submetem (até para
que sigam se submetendo sem revolta) precisa ser limi-
tado por regras de proteção que os faça crer realmente
em sua condição de incluídos (mesmo que se trate de
uma falsa condição). Daí porque falar de proteção como
o que está no princípio do Direito do Trabalho nada
tem de revolucionário. Ao contrário, pressupõe o reco-
nhecimento de uma funcionalidade que torna o sistema
viável através da imposição de limites. Bem por isso,
tanto o discurso do desmanche como aquele da prote-
ção, tem em comum o fato de que atuam na órbita do
sistema, sem questioná-lo ou mesmo tentar superá-lo.
Historicamente, ambos foram utilizados para o en-
frentamento dos períodos de crise aguda do capital.
Entretanto, é preciso reconhecer que constituem ca-

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