A responsabilidade civil da pessoa adulta incapaz não capacitada e a de seu guardião de fato por danos causados a terceiros

AutorNelson Rosenvald
Ocupação do AutorPós-Doutor em Direito Civil pela Universidade Roma Tre (IT). Pós-Doutor em Direito Societário pela Universidade de Coimbra. Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUCSP
Páginas195-244
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A RESPONSABILIDADE CIVIL DA PESSOA ADULTA
INCAPAZ NÃO INCAPACITADA E A DE SEU GUARDIÃO DE
FATO POR DANOS CAUSADOS A TERCEIROS
Nelson Rosenvald1
Sumário: 1. Introdução; 2. A responsabilidade civil da pessoa com
deficiência não curatelada; 3. A responsabilidade civil pela guarda de
fato de pessoas maiores com deficiência; 3.1 Compreendendo a guarda
de fato; 3.2 Guarda de fato e responsabilidade civil; 3.3
Responsabilidade civil dos pais como guardiões de fato; 3.4 A
responsabilidade civil do guardião de fato por danos causados por idosos;
3.4.1 A vulnerabilidade potencializada do idoso; 3.4.2 A
responsabilidade indireta do guardião; 3.5 A responsabilidade civil nas
hipóteses de dissociação entre a titularidade e o exercício efetivo da
guarda; 4. Conclusão.
1. Introdução
A Responsabilidade é o reverso da liberdade. Na medida em que
a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência (CDPD)
reconhece que “as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal
em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos
da vida” (art. 12.2)2 e a Lei n. 13.146/15 (EPD) estatui que “a deficiência
1 Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade Roma Tre (IT). Pós-Doutor em Direito
Societário pela Universidade de Coimbra. Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-
SP. Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Professor de Direito
Civil.
2 Estabelece a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia que: “Artigo 3. O
Direito à integridade do ser humano 1. Todas as pessoas têm direito ao respeito pela
sua integridade física e mental. 2. No domínio da medicina e da biologia, devem ser
respeitados, designadamente: o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos
da lei”.
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não afeta a plena capacidade civil da pessoa” (Art. 6o), fica evidenciada
uma presunção de capacidade e garantia de autodeterminação a todas as
pessoas com deficiência - incluindo-se aquelas com impedimentos
mentais e intelectuais. A proteção de adultos vulneráveis é intimamente
vinculada ao respeito por direitos humanos, pois toda pessoa que se
encontre em tal situação será considerada titular de direitos e apta a tomar
decisões livres e informadas nos limites de sua capacidade e não
simplesmente ser um passivo destinatário de cuidado e atenção. Lado
outro, essa liberdade pode ser objetada por expor muitas pessoas com
desordens psicológicas ou deficiências a uma significativa
autonegligência, exploração por outros e comportamentos de riscos que
eventualmente derivarão em sua responsabilidade pessoal por danos
causados contra terceiros, bem como a responsabilidade indireta
daqueles que assumem a função de guardiões de fato da pessoa
impossibilitada de proteção de seus interesses, apesar de não se encontrar
formalmente incapacitada.3
2. A responsabilidade civil da pessoa com deficiência não
curatelada
A participação e inclusão plena e efetiva de pessoas com
deficiência nos campos civil, político, econômico, social e cultural
significa que essas pessoas são potenciais produtores de riscos e danos,
3 O’Shea T om: “Should the legal capacity to decide for oneself be dependent upon
mental capacity? For example, ought it be legally permissible to make decisions for
others if their own decision-making abilities seem to be curtailed by dementia or
depression? Supporters claim this ensures respects for choices people are able to make
competently, while protecting them when poor mental health or cognitive disability
impairs their decision making, whereas opponents maintain that this would deprive
people with mental disorders or cognitive disabilities of the same legal capacity enjoyed
by ot hers. This invites the objection that it would expose many people with
psychological disorders or disabilities to significantly greater self-neglect, risk behavior
and exploitation by others”. In: A civic republican analysis o f mental capacity law.
In Legal studies The society of legal scholars. Volume 38 n. 1: Cambridge Press,
March 2018, p. 147.
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que serão por elas assumidos. Seria um equívoco crer que a pessoa com
deficiência seria melhor protegida com a exoneração de responsabilidade
por seus próprios atos. Esse paternalismo contribuiria para que aquelas
pessoas continuassem a se sentir marginalizadas, somando-se ao fato de
que a inclusão social não seria completa, na medida em que o resto dos
cidadãos teria sérias reservas para se relacionar com pessoas a quem a
lei imuniza de responsabilidade.
Em acréscimo, e de forma pragmática, a responsabilização da
pessoa com deficiência atende ao princípio da reparação integral,
evitando que a vítima não seja ressarcida nas hipóteses em que os
responsáveis de direito ou de fato sejam insolventes. Podemos ilustrar
através de um idoso titular de portentoso patrimônio, com uma doença
crônica progressiva que mitiga o autogoverno, tendo um único filho a
exercer a guarda de fato e somente titularizando o bem de família. Caso
se excluísse a responsabilidade pelo simples fato do transtorno psíquico,
a vítima se colocaria em situação de negação de acesso a dois
patrimônios: um pela insuficiência e outro pela blindagem da condição
humana da deficiência.
Vale dizer, no delicado concerto entre autonomia e controle, a
balança pende inicialmente para a promoção da liberdade, sem qualquer
contenção heterônoma na realização do modus vivendi.4 Todavia, na
tênue linha entre a plena aceitação do estilo de vida de uma pessoa com
deficiência psíquica ou o controle de atos e atividades por meio da
curatela, o ordenamento jurídico tolerará excepcional restrição na esfera
de autonomia quando, apesar de todas as tentativas de adaptação social
às vicissitudes daquela pessoa, não é possível a ela se fazer compreender
perante a família e a coletividade.
4 Nesse sentido Maria Celina Bodin de Moraes anota que “O princípio da liberdade
individual consubstancia-se, hoje, numa perspectiva de privacidade, intimidade e livre
exercício da vida privada. Liberdade significa, cada vez mais, poder realizar, sem
interferências de qualquer gênero, as próprias escolhas individuais -mais: o próprio
projeto de vida, exercendo-o como melhor convier. In: Na medida da pessoa humana
Estudos de direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 108.

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