Rito Procedimental dos Concursos Públicos

AutorAlice Ribeiro de Sousa
Ocupação do AutorAdvogada
Páginas87-126

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Apesar de inexistir, conforme já ressaltado, norma específica acerca da elaboração de concursos públicos, a autoridade administrativa que pretender realizar a admissão de pessoal deverá, antes mesmo de publicar o edital, atentar para uma série de particularidades. Assim acontece por força da incidência indireta de normas sobre a admissão e o controle das despesas com pessoal.

Por tal razão, o procedimento relativo aos concursos públicos é inicialmente dividido em fases interna e externa, estando esta última subdividida conforme as etapas a serem vencidas. É o que se passa a analisar.

3. 1 Fase interna

Inicialmente, é necessário que a Administração identifique as dificuldades advindas da falta de pessoal, bem como a existência de cargos vagos a serem preenchidos por meio do concurso público. Isto se faz por meio da apresentação de justificativas por parte dos setores administrativos afetados.190As justificativas aqui referidas servem para comprovar a necessidade de realização do concurso público. Deverão elas indicar não só os setores da Administração que carecem de incremento em seu

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quadro de pessoal, mas também as atribuições exatas a serem futuramente exercidas pelos aprovados no concurso público. Assim, ficarão desde logo definidos os cargos ou empregos públicos que serão colocados em disputa, bem como a quantidade de vagas disponíveis.

Será também preciso que a Administração não se descuide do conteúdo de dois importantes diplomas legais, que, embora não tratem especificamente de concurso público, contêm prescrições que deverão ser observadas. A análise sucinta desses dois diplomas legais e suas implicações para a realização de concursos públicos será feita doravante.

3.1. 1 O art 73, V, da Lei nº 9504/97 e seus reflexos sobre os concursos públicos

Reinaldo Moreira Bruno ressalta que a autorização para a realização do concurso público deverá ser precedida pela análise do disposto no art. 73, inciso V, da Lei nº 9504/97, mais conhecida como Lei das Eleições.191

De fato, pela dicção do art. 73, inciso V, alínea “c”, da Lei nº 9504/97 o administrador está proibido de realizar a nomeação de candidato aprovado em concurso público, se o mesmo não for homologado até três meses antes do pleito eleitoral a ser realizado na circunscrição administrativa que dirige. A vedação prevalece até a posse dos eleitos. O objetivo do legislador foi, claramente, evitar que o agente político dê ao concurso público uma nuança eleitoreira, deixando para organizá-lo apenas às vésperas das eleições, à revelia da necessidade de contratação de agentes públicos e do prejuízo ao princípio da eficiência.

A proibição não se trata de regra absoluta, pois a própria norma excepcionou as nomeações para os cargos do Poder Judiciário, do Minis-tério Público, dos Tribunais de Contas e dos órgãos da Presidência da

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República (art. 73, inciso V, alínea “b”, da Lei 9504/97). Roberto Amaral e Sérgio Sérvulo da Cunha deploram a opção do legislador alertando que teria sido construída uma “topografia do fisiologismo” na qual não foram incluídos os referidos entes, embora jamais tenham estado eles à margem desse vício, exercendo o nepotismo com desenvoltura. Isso para não lembrar a situação da Presidência da República, cujo titular pode ser candidato à reeleição, mais se avolumando então a necessi-dade de controle.192Discutiu-se por algum tempo quanto à correta interpretação a ser dada à vedação imposta pelo dispositivo sob enfoque, uma vez que sua redação atrelou a proibição à área de circunscrição do pleito.

Atualmente, está pacificado que circunscrição deve corresponder ao âmbito das eleições, se municipais apenas ou não. Tal entendimento aparentemente choca-se com o teor do art. 86, do Código Eleitoral, no qual está previsto que “nas eleições presidenciais, a circunscrição serão o País; nas eleições federais e estaduais, o Estado; e nas municipais, o respectivo município”.

Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira chama a atenção para o assunto dizendo que correto seria, nas eleições municipais, o município sofrer a restrição. Já nas eleições gerais e na eleição presidencial a restrição seria aplicada a todos os entes, pois do contrário o Governador ou Presidente poderia ser beneficiado por atos do Prefeito. Todavia, o autor mesmo assinala que o Tribunal Superior Eleitoral adota pensamento contrário, impondo a limitação ao município somente em se tratando de eleições municipais, liberando-o para o caso de eleições gerais e para presidente.193

Certo é, portanto, que ao elaborar o cronograma relativo ao concurso público a Administração deverá levar em conta a ocorrência de eleições, para que sejam devidamente respeitados os ditames da Lei nº 9.504/97.

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3.1. 2 A Lei de Responsabilidade Fiscal e os concursos públicos

O segundo aspecto legal a ser observado pelo administrador antes da organização do concurso público diz respeito às capacidades orçamentárias e ao limite de despesas com pessoal relativo ao ente. Obrigatória será então a análise dos comandos dispostos na Lei Complementar nº 101/00, mais conhecida por Lei de Responsabilidade Fiscal.

Num primeiro instante, será preciso atentar para o conteúdo do art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que trata da criação, da expansão ou do aperfeiçoamento de ações governamentais que acarretem aumento de despesa. O dispositivo em comento exige a apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor a medida e nos dois subsequentes. Exige ainda declaração, a ser prestada pelo ordenador de despesa do ente, de que o novo gasto tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual, bem ainda compatibilidade com a lei de diretrizes orçamentárias e com o plano plurianual.

Não resta dúvida de que a realização de concurso público implicará no aumento de despesa em decorrência da expansão ou do aperfeiçoamento das ações governamentais, conforme o caso, daí surgindo a imperiosa observância da previsão legal em relevo.

Em seguida, deve a Administração lançar vistas sobre o conteúdo do art. 18, 19 e 20, também da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõem sobre os limites de gastos com pessoal.

Os gastos com pessoal constituem matéria de relevo, inclusive no plano constitucional, desde o advento da Constituição de 1967 que, à época, limitou-os a 50% da receita corrente de cada ente político (art. 66, § 4º). Desde então, o tema passou a frequentar o texto das Constituições Brasileiras sendo que, na Carta de 1988, foi acometida à lei complementar a tarefa de dispor pormenorizadamente a respeito.

A Lei de Responsabilidade Fiscal é o diploma legal atualmente vigente sobre a matéria, contendo detalhamento minucioso acerca das

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limitações com gastos de pessoal nos dispositivos acima já mencionados. Com o desiderato de evitar interpretações destoantes e que pudessem frustrar os fins que colimava ao editá-la, o legislador, no art. 18 do diploma legal em causa, não poupou esforços em apresentar extensa lista de despesas tidas como de pessoal. Foram arrolados no texto da lei, como despesas de pessoal, os vencimentos e salários de servidores ativos, com acréscimos de adicionais, gratificações e horas extraordinárias, os proventos de aposentados e pensionistas, os encargos sociais, as contribuições previdenciárias e ainda os subsídios pagos aos titulares de mandatos eletivos.

A doutrina ressalta que a inserção dos subsídios devidos aos agentes políticos na lista foi medida providencial, em se considerando que consagrou a tendência inaugurada pela Lei Complementar nº 96/99 e pôs fim de vez à polêmica de que a remuneração de tais agentes não integraria o gasto de pessoal, por não serem eles servidores públicos.194

O texto da Lei de Responsabilidade Fiscal também atribuiu nulidade aos atos de aumento de despesa com pessoal que não respeitem os limites por ela estabelecidos, além de fixar outras circunstâncias objetivas e temporais impeditivas da realização do ato.

No tocante à realização de concursos públicos, certamente objetivando coibir iniciativas eleitoreiras, ressalte-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal obstou a prática de ato que provoque aumento de despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão (art. 21, parágrafo único).

Embora não raro seja lembrada a sua vigência, a incidência deste dispositivo para todo e qualquer concurso público faz-se discutível. Com efeito, é importante aqui atentar para o fato de que o concurso público, por si, não corresponde ao conceito de ato que provoque aumento de

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despesa. Afinal, como visto, ele se presta apenas a selecionar o futuro servidor com base no mérito. O ingresso do servidor é ato posterior, que será materializado somente após a nomeação e a posse. Destarte, a realização de concurso público não se faz apta a gerar despesa imediata. Gera apenas expectativa de realização.

Entretanto, não se pode desprezar o entendimento sedimentado pelo STJ no sentido de que o candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital de convocação tem direito adquirido à nomeação, porquanto, quando da publicação do instrumento convocatório, a Administração já demonstrou a...

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