Sindicalismo e reforma trabalhista: ajustar para legitimar

AutorRicardo Aparecido De Araújo
Páginas83-137
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SINDICALISMO E REFORMA TRABALHISTA:
AJUSTAR PARA LEGITIMAR
5.1 A falta de representatividade no
modelo sindical brasileiro
A representatividade sindical está diretamente ligada à noção de de-
mocracia. O modelo sindical brasileiro passa por uma crise de represen-
tatividade, o que nos remete à necessidade de mudanças na estrutura das
relações coletivas de trabalho. A crise é evidente, pois os sindicatos, que são
autorizados a atuar além de seu quadro associativo, convivem com o declí-
nio da liação sindical e a fragmentação das entidades existentes.
A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como uma das
melhores do mundo devido ao seu caráter democrático e humanista. No
que concerne à questão sindical, sua redação reete as pretensões das enti-
dades sindicais da época de sua promulgação.36 Como já mencionado, ape-
sar da tentativa de libertar o sindicato do Estado, a Constituição de 1988
manteve instrumentos essencialmente corporativistas que nos assolam até
os dias atuais.
36 Nesse sentido, cumpre ressa ltar o entendimento de Ar naldo Sussekind , que em sua
biograa menciona que a lib erdade sindical seria completa na Const ituinte, contudo,
um acordo entre os interessado s resultou na concordância do Depa rtamento Inter-
sindical de As sistência Parlamentar – DIAP, em exting uir a estabilidade no emprego,
desde que fosse preser vada a unicidade e a contribuição si ndical (PEGO, 2012, p. 40).
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RICARDO APARECIDO DE ARAÚJO
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A simples manutenção da unicidade sindical e das contribuições des-
vairadas desvirtua o sindicalismo a tal ponto que o tornam completamente
antidemocrático. Indiscutivelmente, o sistema de contribuição obrigatória
de imposto sindical sempre colaborou para a criação de sindicatos fantas-
mas ou sem representatividade, além de servir para que alguns dirigentes
se perpetuassem no poder37.
Os típicos sindicalistas brasileiros se acostumaram tanto com a con-
tribuição recebida sem qualquer contraprestação que não se ocuparam, ao
longo dos anos, de prestar um serviço de qualidade aos seus representados
com vistas a garantir uma arrecadação que independesse da lei. Com isso,
a reforma trabalhista, ao retirar o caráter compulsório da contribuição sin-
dical levou consigo cerca de 80% da arrecadação de todo o sistema sindi-
cal. Esses números evidenciam a insatisfação dos trabalhadores com suas
entidades representativas. A verdade é que o sistema sindical está falido
e esse foi somente o golpe de misericórdia que poderá manter a minoria
que realmente se compromete com trabalhadores, mas que fatalmente trará
uma nova mentalidade àqueles que quiserem se aventurar no maravilhoso
mundo do sindicalismo brasileiro.
O sindicalismo brasileiro é bastante conitante, já que nele se encon-
tram princípios próprios de um sistema baseado na liberdade sindical,
como as garantias de liberdade de associação e a administração das en-
tidades sindicais, mas por outro lado, encontram-se disposições próprias
de um modelo controlado pelo Estado, do tipo corporativista, como bem
retrata Nascimento:
Reconheça-se, no entanto, que o sistema de organização sindical que
acolheu é contraditório; tenta combinar a liberdade sindical com a
unicidade sindical imposta por lei e a contribuição sindical ocial.
Estabelece o direito de criar sindicatos sem autorização prévia do
Estado, mas mantém o sistema confederativo que dene rigidamen-
te bases territoriais, representação por categorias e tipos de entida-
des sindicais. (NASCIMENTO, 1989, p. 76)
37 Nesse sentido, as pal avras do Ministro João Orestes Da lazen: “As entidades não pres-
tam o serv iço que se espera. Bast aria que acabássemo s com a contribuição sindic al
obrigatória e com o monopólio da repres entação sindical para que se produzi sse pro-
funda reforma na orga nização sindica l” (Disponível em: http://economia.estadao.com.
br/noticias/geral,mode lo-sindical-br asileiro-e- arcaico-e-i nconveniente-imp-,84 0984.
Acesso em: 17 mar. 2015
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Deste modo, o modelo sindical brasileiro pode ser considerado neo-
corporativista ou semicorporativista. Essas nomenclaturas apontam que no
ordenamento jurídico pátrio não é possível enquadrá-lo facilmente dentre
os modelos sindicais existentes no mundo em razão do caráter contraditó-
rio de sua matriz constitucional.
O atual modelo sindical brasileiro é obsoleto e pouco representativo,
visto que propicia o aparecimento de sindicatos de fachada ou sem pode-
res de negociação. Na grande maioria dos sindicatos brasileiros, as assem-
bleias, que são responsáveis por orientar o uxo da administração da en-
tidade, além das ambições da categoria, não têm a participação efetiva dos
liados e são conduzidas por lideranças sindicais pouco expressivas que só
visam satisfazer suas próprias conveniências.
Isso se dá porque nosso sindicalismo não evoluiu com o passar dos
anos como aconteceu em outros países, portanto, se encontra ultrapassa-
do. Muito disso se deve à contribuição compulsória e ao monopólio da re-
presentação sindical, mas de uma forma geral, nossas bases sindicais não
contribuem para o desenvolvimento sindical, pelo contrário, impedem que
o movimento seja pautado na ampla liberdade sindical, principalmente no
que concerne à inuência estatal. Nesse aspecto, oportuno ressaltar as bases
do sindicalismo brasileiro, muito bem sintetizadas nas palavras de Santos,
que prevê os seguintes institutos:
a) unicidade sindical, b) dirigismo estatal; c) forma associativa fun-
dada na categoria; d) estrutura piramidal; e) fraca representação
nos locais de trabalho; f) falta de densidade política dos sindicatos
de base; g) reduzidas taxas de representação; h) contribuição sin-
dical obrigatória e i) poder normativo dos tribunais do trabalho.
(SANTOS, 2005, p. 180)
Superar o velho modelo corporativista autoritário brasileiro se mostra,
cada vez mais, um desao inadiável a m de estabelecer uma democracia
consistente. Para alcançarmos a democracia no que diz respeito ao siste-
ma sindical, não basta que simplesmente sejam extraídos os traços corpo-
rativistas do ordenamento jurídico atual, mas que sejam implantadas na
mesma medida ações que visem estruturar e proteger a atuação sindical
brasileira (DELGADO, 2004, p. 1367).
Infelizmente, o sistema sindical brasileiro não funciona como deveria.
O sindicalismo nacional consiste em saciar os anseios de suas diretorias,
já que a criação de sindicatos ao longo dos anos se tornou um negócio,
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