Suspensão do processo

AutorFernando Maciel
Ocupação do AutorProcurador Federal em Brasília/DF. Mestre em Prevenção e Proteção de Riscos Laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha)
Páginas195-200

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Conforme salientamos anteriormente por ocasião do tópico atinente à competência para o julgamento da ARA, um dos argumentos que nos motivam a divergir do atual entendimento jurisprudencial majoritário acerca da matéria, qual seja o que defende a competência da Justiça Federal comum, reside na afronta ao princípio da unidade de convicção.

Para alcançarmos esse entendimento, devemos partir da premissa de que o acidente do trabalho é um fato que apresenta múltiplas consequências, podendo atingir esferas jurídicas distintas. Um rápido raciocínio de imaginação nos permite identificar que um único evento infortunístico pode produzir efeitos nas searas: Trabalhista, Cível, Administrativa, Previdenciária, Tributária e Penal.

Trabalhista, pois a ocorrência do acidente poderá acarretar a interrupção/ suspensão do contrato de trabalho, obrigando o empregador a proceder ao recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS durante o período de afastamento (art. 15, § 5º, da Lei n. 8.036/90284), bem como poderá garantir ao trabalhador a estabilidade no emprego pelo prazo mínimo de 1 (um) ano (art. 118, da Lei n. 8.213/91285).

Na esfera cível, o trabalhador vítima do acidente, ou os seus herdeiros em casos de acidentes fatais, poderão pleitear a respectiva indenização pelos danos morais e/ou materiais, processo que tramitará perante a Justiça do Trabalho.

Na seara administrativa, o acidente poderá ensejar a aplicação de multas pecuniárias previstas no art. 201 da CLT286, bem como a adoção de medidas urgentes em casos de situações de grave e iminente risco à saúde e/ou integridade física dos trabalhadores, nos termos das NRs 03 e 28 do MTE, por meio de embargo da obra, a interdição de determinada máquina ou até mesmo de todo o

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estabelecimento, cuja discussão judicial se dará no âmbito da Justiça do Trabalho (art. 114, VII, da CF/88287).

No âmbito previdenciário, além do implemento das prestações sociais acidentárias, consubstanciadas nos benefícios de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, e do serviço de reabilitação profissional, o infortúnio laboral poderá ensejar a propositura de uma ação acidentária a ser promovida pelo trabalhador-vítima contra o INSS, relação processual essa que tramitará na Justiça Estadual (art. 109, I, da CF/88288), bem

como no ajuizamento de uma ARA contra o responsável pelo descumprimento das normas de SST, ação essa que, conforme entendimento majoritário da jurisprudência, tramitará perante a Justiça Federal Comum.

A consequência tributária será representada pela variação da alíquota SAT, a partir da incidência do FAP que deverá refletir o histórico de acidentes apresentado por cada empresa, de modo que aquelas que possuírem um número maior de registros poderão sofrer majoração na sua carga tributária, bem como acarretar na redução da alíquota para aquelas que possuírem um número menor de eventos infortunísticos.

Por fim, os acidentes do trabalho poderão apresentar repercussões penais a serem apreciadas pela Justiça Estadual. A depender do resultado e da gravidade desses sinistros, os responsáveis pelos eventos poderão responder por crimes de homicídio culposo, lesões corporais culposas e exposição de perigo, conforme respectivamente disposto nos arts. 121, § 3º, 129, § 6º, e 132, todos do Código Penal.

De todas essas múltiplas consequências jurídicas, que derivam do acidente do trabalho, pelo menos três delas terão como pressuposto a análise de um mesmo fato, qual seja a culpabilidade pelo sinistro. Estamos aqui falando da ação civil indenizatória por danos materiais/morais que será julgada pela Justiça do Trabalho, a ARA promovida pelo INSS que tramitará na Justiça Federal Comum, bem como a ação penal que irá ser apreciada pela Justiça Estadual.

Considerando a independência de cada esfera jurídica, não obstante analisarem o mesmo fato, ou seja, o mesmo acidente do trabalho, pode ocorrer de sobrevir decisões diferentes e contraditórias no que tange à culpabilidade pelo acidente. Por exemplo, o Juiz Criminal poderia absolver os réus por ausência de

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provas, o Juiz do Trabalho reconhecer a culpa da empresa pelo acidente e condenála a indenizar os danos materiais/morais, bem como o Juiz Federal reconhecer a culpa exclusiva do trabalhador e julgar improcedente a ARA do INSS.

Para evitar essa "anomalia jurídica", uma medida processual cabível seria a suspensão da ARA com fundamento no art. 265, IV, a, do CPC/73289, o qual preconiza que:

Art. 265. Suspende-se o processo:

(...)

IV - quando a sentença de mérito:

  1. depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

Nas hipóteses de tramitação simultânea de uma ARA na Justiça Federal Comum e uma ação indenizatória por danos materiais/morais na Justiça do Trabalho, considerando que em ambas as relações processuais possuem como questão central a definição da responsabilidade pelo acidente do trabalho290, seria recomendável a suspensão da ARA até o pronunciamento de mérito pela Justiça do Trabalho, ante o risco de serem proferidas decisões conflitantes e, dessa forma, atentatórias à segurança jurídica.

Tal hipótese pode configurar o que a doutrina pátria291 denomina de "questão prejudicial externa", na qual a solução a que se der a uma causa, no caso a ação indenizatória na Justiça...

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