O trabalho análogo a escravidão como peça da confecção têxtil paulista

AutorMarcela Nogueira Martins
Páginas233-250
Escritos Sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
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O TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO COMO PEÇA DA CONFECÇÃO TÊXTIL
PAULISTA
Marcela Nogueira Martins
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Resumo: Este trabalho tem por intuito o estudo dos impasses sociológicos e
jurídicos do direito do trabalho brasileiro frente ao uso da mão de obra
escrava na indústria têxtil paulista, enraizada em uma sociedade de consumo
ascendente. Tendo para tanto o suporte jurídico do artigo 7o da Constituição
Federal de 1988 e o artigo 149 do Código Penal, referente ao crime de trabalho
análogo, em conjunto com a lei 12.527, de novembro de 2011, que
regulamenta o acesso a informação. Averiguar-se-ão as contradições da
construção do império têxtil de São Paulo e a tutela penal dos direitos
humanos.
Palavras-chave: Escravidão. Indústria têxtil. São Paulo.
1 Introdução
O trabalho análogo ao de escravo é sinonimamente conhecido como
escravidão contemporânea e um dos grandes impasses sociais da
compreensão deste tipo de “regime trabalhista” é justamente a sua
contemporaneidade. Consiste em um sistema vigente no século XXI e se torna
complexo, justamente, pela atualidade histórica em que o próprio fenômeno
se insere. Contudo, falar de escravidão no Brasil rodeia um problema provecto,
enraizado desde a colonização portuguesa, e que diz muito sobre a estrutura
social da economia de um país construído a partir da utilização da mão de
obra escravocrata. A escravidão histórica, assim, pode ser definida da seguinte
forma:
A escravidão histórica se caracterizava segundo o critério de
propriedade do homem sobre o homem e o trabalho escravo significa
que um trabalhador estava adstrito a um trabalho contra a sua livre
vontade, embora fosse ela revestida de caráter legal. Nasce da
1
Estudante de Graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia,
marcelanmartins@hotmail.com
Escritos Sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
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necessidade de forças econômicas dos países ricos de possuírem
força de trabalho para empregarem nas suas atividades e serviços,
cuja utilização durava por toda a vida dos escravos. Origina-se na
riqueza consoante as forças produtivas da época. (NINA, 2010, p. 57).
Fora a escravidão histórica, que submeteu no século XVI em condições
degradantes os trabalhadores das lavouras de café e das plantações de cana
de açúcar em diversas regiões brasileiras instaurando, para além da
objetificação da compra e venda de seres humanos legalizada neste período,
a subordinação estrutural das relações de trabalho.
A irradiação deste modelo permaneceu presente ao longo da
estruturação do comércio no Brasil, seja na fase predominantemente agrícola,
seja no desenvolvimento da indústria nacional. Uma região brasileira que
presenciou ambos estes momentos históricos, e que vivencia no presente o
legado deste passado escravagista é em essência, o estado de São Paulo.
Na presidência de Getúlio Vargas, a partir de 1930, a oligarquia cafeeira
fora afastada do papel de principal economia do Estado, e em prol do
progresso nacional, fora incentivado o setor industrial em massa no território
paulista. Para retratar a realidade dos trabalhadores fabris, que migraram de
diversos lugares do país em busca de emprego, nesta mesma época, a artista
plástica Tarsila do Amaral desenvolveu, a obra Operários (1933), marcante
pelos rostos de obreiros cansados. As feições foram construídas,
propositalmente, alinhadas e em formato de escadaria, a fim de transmitir a
ideia de que o trabalho ascende socialmente, ou seja, de que apesar da
condição precária e degradante, em que muitos dos empregados desta
precoce industrialização vivenciaram (uma vez que fora projetado estampada
nos rostos de cada trabalhador uma feição de desanimo), trabalhar para
sustenta-se trazia a ideia de algo digno por si só. O modo como esta obra fora
construída transparece um momento histórico nacional, em que
cotidianamente a classe operaria era alienada a crer que um trabalho digno
não seria aquele em que se tem uma boa qualidade do trabalho, mas sim
aquele em que se consegue manter o seu sustento, independente das
condições degradantes da jornada.

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