O trabalho escravo na indústria da moda: a responsabilidade jurídica a partir da perspectiva da cadeia de produção da 'fast fashion'

AutorTatiana Avelar Pinto Gomes
Páginas306-327
Escritos Sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
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O TRABALHO ESCRAVO NA INDÚSTRIA DA MODA: A RESPONSABILIDADE
JURÍDICA A PARTIR DA PERSPECTIVA DA CADEIA DE PRODUÇÃO DA “FAST
FASHION”
Tatiana Avelar Pinto Gomes
1
Resumo: O artigo aborda a responsabilidade jurídica das varejistas de
fast
fashion
como meio de combater a exploração do trabalhador na cadeia
produtiva. Esse modelo de produção dificulta o combate ao trabalho escravo,
pois, muitas vezes, a prestação do serviço ocorre de modo informal e
domiciliar. Além disso, frequentemente apenas a fábrica é responsabilizada
pelas violações e as grandes marcas permanecem ilesas, razão pela qual
continuam a utilizar dessa mão de obra e a manter a estrutura exploratória.
Compreende-se, ainda, que o modelo de produção de moda rápida estimula o
consumismo e incentiva a exploração do trabalhador, na medida em que
demanda a redução dos preços e dos custos de produção e a alta variabilidade
de produtos. Pretende-se demonstrar que a ampliação da responsabilidade
jurídica para as empresas de
fast fashion
sobre a cadeia produtiva seria uma
medida juridicamente válida e eficaz de combate ao trabalho escravo.
Palavras-chave: Moda rápida. Trabalho escravo. Responsabilização jurídica.
Cadeia de produção.
1 Introdução
O setor têxtil tem destaque no contexto econômico brasileiro, sendo o
segundo setor com maior número de trabalhadores da indústria de
transformação no país. Cerca de 1,5 milhão de pessoas trabalham diretamente
para a indústria da moda e 8 milhões o fazem indiretamente (ABIT, 2017).
Estima-se que cerca de 20% da moda brasileira seja fabricada nos moldes de
produção em massa, a baixos custos e alta velocidade, conhecida como
fast
fashion
(GOMES, 2016).
1
Graduanda no curso de Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Escritos Sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
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O
fast fashion
, que inicialmente se tratava de um modelo de produção,
se tornou um ramo da indústria da moda. Esse sistema, que surgiu há cerca de
20 anos, cresceu exponencialmente na década de 2000.
Conforme demonstra o ranking divulgado pelo instituto IBEVAR (2015),
as marcas de varejo atuantes no Brasil que obtiveram maiores faturamentos
em 2015 adotam o modelo de moda rápida.
Ainda, de acordo com o ranking divulgado pela Revista Forbes, as dez
maiores companhias da indústria da moda em 2017 são a Christian Dior, a Nike,
o grupo Inditex (proprietário da Zara), a TJX Companies (proprietária da TJ
Maxx), a Adidas, o grupo Kering (proprietário da Gucci), a H&M, a Fast Retailing
(proprietária da Uniqlo), a VF Corporation e a Ross (FORBES, 2017). Percebe-se
nesse rol a presença de várias marcas que se utilizam justamente do sistema
de produção
fast fashion
.
Para minorar os custos, as empresas de
fast fashion
tendem a terceirizar
o sistema de produção. A conjuntura dessa produção azo à adoção de
medidas antiéticas de redução das despesas de manufatura, tais como a
utilização de fábricas no estilo
sweatshop
2
,
que não observam a proteção dos
direitos dos trabalhadores e a dignidade humana. Em alguns casos, a mão de
obra utilizada é sujeita a condições análogas às de escravo, tais como jornadas
exaustivas e condições degradantes de trabalho.
Os lucros robustos dessas empresas acabam sendo produzidos às
custas do trabalhador, que é o elo mais vulnerável da cadeia.
A cadeia de produção dos bens comercializados pelas varejistas de
fast
fashion
tende a ser longa e abarcar diversos fornecedores informais, o que pode
contribuir para a precarização do trabalho. Além disso, apesar de se beneficiar
da exploração da mão de obra, por vezes as grandes empresas não são
responsabilizadas pelas violações ocorridas na cadeia de suprimentos e,
assim, continuam a manter essa estrutura exploratória.
Diante dessa situação, pretende-se analisar o trabalho escravo na
cadeia de produção das empresas de
fast fashion
, bem como defender que o
2
Sweatshop
é o termo em inglês adotado para definir as fábricas, normalmente voltadas para
a costura de roupas, que submetem os seus trabalhadores a longas jornadas, baixos salários,
condições de trabalho insalubres, etc.

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