Traumatologia forense

AutorLeonardo Mendes Cardoso
Ocupação do AutorPresidente da Comissão Técnico-Científica da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas ? ABMLPM (2008-2010)
Páginas33-67
C
apítulo
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TRAUMATOLOGIA FORENSE
A Traumatologia Forense se preocupa com o estudo das lesões resul-
tantes de traumatismos. Isso tanto pode ser aplicado à esfera física quan-
to à moral ou à mental. Para tanto, vale diferenciar os termos trauma e
lesão. O primeiro diz respeito à ação capaz de gerar uma alteração, sendo,
portanto, a causa; o segundo diz respeito à alteração em si, constituin-
do-se na consequência daquela ação. Embora não completo, o termo
“lesões corporais” será tomado para a designação dos danos sofridos por
um indivíduo, ao qual chamaremos de vítima. São, conforme o Código
Penal (ver art. 129 e seus parágrafos e incisos), ofensas à integridade
física – anatômica – e/ou à saúde – funcional ou psíquica – de outrem.
Autolesões, com base no anteriormente exposto, não conguram crime,
até mesmo por não serem, senão em casos de rara exceção, relevantes
juridicamente. Estes raros casos de importância jurídica envolvem as
fraudes, como é o caso de alguém que se mutile para ns de recebimento
de seguro ou de aposentadoria. Porém, a intencionalidade da fraude é
que deverá ser avaliada como criminosa.
Há quem advogue que não se podem classicar as lesões acidentais
e culposas, quanticando-as em leves, graves e gravíssimas. Para estes,
somente em casos envolvendo dolo é que poderiam ser tomadas tais re-
ferências de quanticação. Tal assunto merece discussão a nosso ver. Por
outro lado, o Código Penal, art. 129, cita apenas as lesões contempladas
pelo § 1º como sendo graves, nada dizendo em termos de quanticação
sobre as que se enquadram no caput ou no § 2º. Mais adiante, já no
§ 3º, fala-se em lesão corporal seguida de morte. Portanto, levando-se em
conta a omissão do próprio instrumento legal em questão, a Medicina
Legal entende que todas as lesões correspondentes ao caput devem ser
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medicina legal
leonardo mendes cardoso
call e put
vistas como sendo leves e as encaixadas no § 2º, gravíssimas. Segundo
se tem notícia, a reforma do Código Penal, em andamento, deverá rever
a quanticação dos graus das lesões, sendo esperado que os revisores do
texto adotem os termos “Lesão grave de primeiro grau, Lesão grave de
segundo grau e Lesão grave de terceiro grau” para expressarem as lesões
graves, gravíssimas e as seguidas de morte, atualmente em uso.
1. QUANTO À CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES
Independente das divergências acima citadas, as lesões corporais po-
dem ser classicadas pela Medicina Legal, tomando-se por base a inten-
sidade das mesmas, em:
a) Leves: ofendem a integridade corporal ou a saúde de outrem de
forma supercial e sem envolver perigo de morte ou de maiores
complicações para a vítima. Tais danos aparecem especicados no
Código Penal em seu art. 129, caput. Em geral, dizem respeito aos
comprometimentos de menores proporções provocados na super-
cialidade do corpo humano – pele, tela subcutânea, músculos
superciais e/ou vasos sanguíneos de pequeno calibre. São repre-
sentadas pelas escoriações, equimoses, hematomas localizados em
partes anatômicas de menor importância, contusões mais simples,
luxações e entorses que não incapacitem para atividades habituais
por mais que 30 dias, além dos edemas menos importantes.
Comentários a casos especiais:
Rubefação ou rubor – corresponde a uma leve e fugaz vermelhi-
dão da pele e que não compromete a normalidade anatômica,
funcional ou mental do corpo humano – não se enquadrando
nesta classicação acima descrita (lesão leve), até mesmo por po-
der ser determinada também por simples emoções e até mesmo
exposição solar. Do mesmo modo, também as queimaduras de
primeiro grau e as lesões muito superciais e fugazes, não se cons-
tituem em lesões corporais leves. Queixas subjetivas, como a dor e
crises nervosas simples ou puros desmaios, participam igualmente
de mesmo tratamento jurídico.
Remoção ou arrancamento de partes signicativas de pelos
(cabelos, bigode ou barba) enquadram-se como lesões corporais
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capítulo 4
traumatologia forense
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que podem variar de leves a graves. Vale a análise quantitativa e a
importância do fato no contexto geral.
Como se tratam de processos superciais e fugazes, na maioria das
vezes, tais situações são averiguadas por meio de exames de corpo
de delito indireto, em que poderão tomar parte os depoimentos
de testemunhas idôneas. Outra informação importante é a de que
também são passíveis de punição as tentativas de lesões corporais
leves, “quando o agente, pretendendo ofender a integridade cor-
poral ou a saúde de outrem, não o consegue por motivos alheios à
sua vontade”. Porém, é também este um caso bastante problemá-
tico na prática, dado às diculdades de comprovação do mesmo.
Na maior parte das vezes, tais casos são colocados no rol das “vias
de fato”.
b) Graves: incluem quatro tipos explicitados no § 1º do art. 129 do
Código Penal. São eles:
b.1 – Incapacidade para as ocupações habituais por mais de
30 dias: por esta incapacidade deve-se entender a falta de condi-
ções para o exercício dos atos diários. Aí se encontram, também,
as atividades prossionais e lucrativas, além daquilo que se faz
corriqueiramente. Caso a lei não contemplasse dessa forma, não
se puniriam aqueles que atentassem contra a vida dos incapazes e
desocupados de toda espécie. Assim sendo, o termo da redação é
inegavelmente genérico. Quanto ao tempo estabelecido, a análise
pericial é que deverá estipulá-lo, reavaliando-se, se preciso for, a
vítima após o m de um mês da ocorrência do fato. Este exame
será dito complementar. A prova testemunhal, na falta da perícia,
por terem desaparecido os vestígios, pode supri-la. Tudo isso, no
entanto, de forma bem fundamentada.
b.2 – Perigo de vida: ao ver deste autor, o termo é inteiramente
mal construído, uma vez que ninguém corre o perigo de viver.
Mais certo seria “perigo de morte”, pois de fato é isso que acon-
tece. Mas, vamos lá! Necessitamos diferenciar dois termos: peri-
go e risco. O primeiro se traduz por algo concreto, mesmo que
momentâneo, decorrente do processo consequente à ofensa, não
ultrapassados 30 dias do fato; o segundo diz respeito a algo que
leve a uma possibilidade de que a vida possa vir a correr tal perigo.
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