O tribunal marítimo e a arbitragem: interações, sinergias e alguns aspectos inexplorados

AutorSérgio Ferrari
Ocupação do AutorDoutor em Direito Público e Professor Adjunto da UERJ
Páginas23-39
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Capítulo 2
O TRIBUNAL MARÍTIMO E A ARBITRAGEM:
INTERAÇÕES, SINERGIAS E
ALGUNS ASPECTOS INEXPLORADOS
Sérgio Ferrari1
1. INTRODUÇÃO
O presente ensaio foi escrito no contexto das comemorações do
aniversário do Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima (CBAM),
instituição que tem trabalhado incansavelmente pelo desenvolvimento da
arbitragem marítima no Brasil.
O momento é, de certa forma, paradoxal.
Por um lado, o Brasil tem hoje uma moderna legislação de
arbitragem, editada em 1996 e modernizada em 20152, que vem sendo
amplamente prestigiada pelo Poder Judiciário, inclusive no que tange à
regra da Kompetenz-Kompetenz3. Diversos órgãos arbitrais de excelência
têm prosperado, administrando centenas de arbitragens por ano4. A Corte
Internacional de Arbitragem da ICC5, um dos mais prestigiados centros de
arbitragem no mundo, abriu em 2014 um Comitê Brasileiro, sediado em
São Paulo. Enfim, vive-se um momento vigoroso de prestígio e
1 Doutor em Direito Público e Professor Adjunto da UERJ. Membro da Associação
Brasileira de Direito Marítimo (ABDM) e do Conselho Diretor do Centro Brasileiro de
Arbitragem Marítima (CBAM). Sócio do Escritório Terra Tavares Ferrari Advogados.
2 Lei 9.307, de 23/09/1996 e Lei 13.129, de 26/05/2015.
3 De modo bastante simplificado, essa regra significa que cabe ao tribunal arbitral,
primeiramente, a definição de sua própria competência.
4 Cite-se, entre outras, as câmaras de arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá
(CAM-CCBC) e da Câmara Americana de Comércio (AmCham) e o Centro Brasileiro de
Mediação e Arbitragem (CBMA).
5 International Chamber of Commerce, com sede em Paris.
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crescimento da arbitragem no Brasil. Essas arbitragens abarcam vários
temas dos Direitos Comercial e Civil, em vários setores econômicos.
Por outro lado, porém, no mercado marítimo, as arbitragens no
Brasil são, ainda, raras, especialmente quando se tem em conta a
predominância desta forma de transporte no comércio internacional e a alta
especialização técnica e jurídica desse setor.
O paradoxo, então, está exatamente nessa atrofia da arbitragem
marítima, ao lado de um virtuoso crescimento da arbitragem em outros
setores, quando, no resto do Mundo, as disputas no âmbito marítimo são
resolvidas predominantemente por arbitragem6, o que é uma tradição de
séculos, com instituições como a LMAA (London Maritime Arbitrator s
Association), a SMA (Society of Maritime Arbitrators, New York) e, mais
recentemente, a SCMA (Singapore Chamber of Maritime Arbitration)7.
Em outras palavras, justamente o setor que teria campo mais promissor
para o desenvolvimento da arbitragem é aquele em que ela vem tendo o
progresso mais lento. Disputas marítimas que envolvem empresas
brasileiras são, com alguma frequência, decididas em arbitragens no
exterior.
Há quem diga que essa atrofia da arbitragem marítima no Brasil se
deve ao fato de sermos um país embarcador , e não armador, ou seja, em
que as empresas brasileiras figuram como contra tantes do transporte
6 Como destacam João Luis Aguiar de Medeiros e Luis Cláudio Furtado Faria:
Especificamente em relação a o setor marítimo, cujos contratos frequentemente envolvem
partes de diferentes nacionalida des, a ar bitragem é larga mente utilizada como forma de
mitigar a s incertezas rela cionadas às diferentes jur isdições que poderiam ser acionadas
em caso de um litígio contratual. A arbitr agem, nesses casos, costuma representa r
mecanismo capaz de evitar questionamentos quanto à jurisdição competente para a
solução do litígio e a lei aplicá vel, uma vez que as partes, salvo casos excepcionais,
costumam definir com antecedência, já na própr ia cláusula ar bitral, a sede da arbitra gem
e a lei aplicável à solução do litígio. Direito Marítimo e Arbitragem, 28/12/2016.
Disponível em www.pinheironeto.com.br, acesso em 30/07/2018.
7 Merecem referência, também, como instituições emergentes, o Mar itime Arbitration
Group, da Hong Kong Ship Owners Association e o EMAC (Emirates Mar itime
Arbitration Centr e). A China, principal player do comércio internacional na atualidade,
não poderia ficar para trás: muito recentemente, em 30/07/2018, foi inaugurado, em
Hainan, o segundo tribunal de arbitragem internacional daquele país, o qual, segundo
informações oficiais, “estabelecer á um centro para arbitra gem marítima e outr o par a
arbitr agem financeir a (http://portuguese.xinhuanet.com/2018-07/30.htm, acesso em
11/08/2018).

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