Tutela do direito ao esquecimento na internet

AutorJúlia Costa de Oliveira Coelho
Páginas59-108
CAPÍTULO II
TUTELA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NA INTERNET
Não existem fatos eternos:
assim como não existem verdades absolutas.
- Friedrich Nietzsche
2.1. DESINDEXAÇÃO E A TUTELA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NO
PROVEDOR DE BUSCA
Conforme mencionado no Capítulo 1, desde a decisão do ECJ sobre o caso M.C.G.,
a desindexação passou a ser adotada na Europa como o mecanismo por excelência
para implementar o direito ao esquecimento na Internet. No entanto, como se buscará
demonstrar ao longo deste segundo capítulo, a remoção de resultados não deve ser
enxergada como o único mecanismo de tutela do direito ao esquecimento, tampouco
se confundir com ele. Na verdade, a desindexação é um dos remédios capazes de ins-
trumentalizar o direito ao esquecimento no que diz respeito aos provedores de busca,
devendo-se pensar em meios diversos para tutela-lo nas situações que envolvam outros
provedores de aplicações da Internet.
Antes de tratar de cada uma dessas medidas, cumpre conceituar, de forma breve, o
que se entende por provedores de busca, de conteúdo e de informação e compreender
a relevância dessa diferenciação. Vale esclarecer que essa distinção não foi adotada pelo
Marco Civil da Internet, que faz referência a provedores de conexão e provedores de
aplicações de internet. Nos termos da lei, considera-se conexão à internet a habilitação
de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante
a atribuição ou autenticação de um endereço IP,1 e aplicações de internet o conjunto de
funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.2
Com base na def‌inição acima, os provedores de aplicações de Internet desempenham
qualquer atividade na rede, podendo corresponder a uma plataforma de pesquisa, uma
rede social, um blog pessoal, dentre outros. Ocorre que, como mencionado por Carlos
Affonso Pereira de Souza e Ronaldo Lemos, a compreensão das atividades desempenhadas
pelos provedores, assim como seus contornos técnicos, é extremamente relevante para
def‌inição do regime de responsabilização adequado3 e, permita-se incluir, para seleção
do remédio apropriado em caso de interesses conf‌litantes na rede. Por isso, optou-se por
diferenciar os provedores de aplicações da Internet entre si e classif‌ica-los, ainda que de
forma geral, nessas três categorias, considerando-se, para tanto, as singularidades de
cada uma delas e, ao mesmo tempo, os pontos comuns que apresentam.
1. Inciso V do art. 5º do Marco Civil da Internet.
2. Inciso VII do art. 5º do Marco Civil da Internet.
3. Marco Civil da Internet: construção e aplicação. Juiz de Fora: Editar, 2016, p. 69.
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DIREITO AO ESQUECIMENTO E SEUS MECANISMOS DE TUTELA NA INTERNET • JÚLIA COSTA DE OLIVEIRA COELHO
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Para facilidade de referência, os provedores de conteúdo e informação serão
conceituados no item 2.2, que abordará a tutela do direito ao esquecimento no âmbito
dos mesmos. Com relação aos provedores de busca, que serão tratados neste item 2.1,
pode-se dizer que eles são sites que rastreiam, indexam e armazenam as mais variadas
informações disponíveis online, organizando-as e classif‌icando-as para que, uma vez
consultados, possam fornece-las através de sugestões (ou resultados) que atendam aos
critérios de busca informados pelos próprios usuários.
Os buscadores, como Google, Bing e Yahoo, estão presentes ao redor do mundo e
são utilizados como ferramentas de pesquisa por milhões de pessoas, oferecendo, em
uma fração de segundos, uma inf‌inidade de possíveis respostas para as mais diferentes
perguntas. Justamente pela quantidade e pluralidade de informações que reúnem, as-
sim como pela velocidade e alcance das funcionalidades oferecidas pelos provedores
de busca, o conteúdo que disponibilizam pode impactar severamente o sujeito que se
vê objeto de busca realizada por terceiros.
Embora controlem o que é exibido para cada pesquisa, os buscadores não são
responsáveis pelo conteúdo que cada site disponibiliza e, assim, não poderiam intervir
na sua substância. É possível, contudo, que eles exerçam controle sobre a forma de
exibição, af‌inal, são eles os responsáveis pela seleção do que consta da lista de resul-
tados para certos termos de busca, bem como pela ordem de cada um deles na relação
disponibilizada ao usuário.
A desindexação total, ou remoção de resultados, assim como a desindexação
“parcial”, que corresponde à alteração do ranking de resultados, são, portanto, me-
canismos que estão ao alcance dos provedores de busca e que, como se verá a seguir,
podem instrumentalizar os interesses subjacentes ao direito ao esquecimento. Isso não
quer dizer que tais remédios são onipotentes ou perfeitos, tampouco que sua aplicação
deve ser irrestrita e absoluta. Ao longo dos itens abaixo, as principais vantagens e po-
tencialidades positivas desses mecanismos serão destacadas, ao mesmo tempo em que
se indicará e debaterá sobre seus riscos e pontos negativos, de modo a compreender os
seus benefícios e fragilidades e, a partir disso, pensar sobre a construção de um modelo
mais completo, seguro e ef‌icaz.
2.1.1. Google e o delist na Europa
Conforme mencionado no item 1.3 acima, a decisão proferida pelo ECJ no caso
M.C.G. levou o Google a implementar um procedimento próprio de remoção de resul-
tados de pesquisa, conhecido como desindexação ou delist. Atualmente, o pedido de
remoção pode ser apresentado por indivíduos localizados em países da União Europeia,
assim como na Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Com base no relatório de
transparência do buscador4, para que se sujeitem à remoção, os resultados apresentados
devem ser inadequados, irrelevantes, não mais relevantes ou excessivos. Nesses casos, o
4. Maiores detalhes sobre o processo de remoção do Google encontram-se disponíveis em https://www.google.
com/transparencyreport/removals/europeprivacy/ e < https://www.google.com/transparencyreport/removals/
europeprivacy/faq/?hl=pt-BR>. Acesso em 17.12.2018.
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CAPítulo II • tutElA do dIREIto Ao ESquECImENto NA INtERNEt
usuário deve transmitir a sua solicitação em um formulário eletrônico,5 através do qual
comprovará sua identidade e informará os URLs objeto do pedido de desindexação.
Vale mencionar que a Microsoft, assim como o Google, disponibilizou uma fer-
ramenta online para pedidos de remoção de resultados do buscador Bing. Embora o
modelo e procedimento adotados pelo Bing se assemelhem bastante aos seguidos pelo
Google, o formulário disponibilizado pelo primeiro6 requer informações mais detalhadas
sobre o perf‌il do solicitante. Para solicitar a desindexação perante o Bing, é necessário
informar, nas palavras do buscador, se é uma pessoa “pública”,7 bem como se desempe-
nha ou espera vir a desempenhar algum cargo na comunidade local ou em um contexto
mais alargado, com um cariz de liderança, conf‌iança ou segurança (por exemplo, se
é professor, membro do clero, líder da comunidade, agente da polícia, médico etc.).8
De acordo com o Google, há uma equipe de avaliadores treinados especialmente para
analisar cada caso manualmente e realizar as determinações relevantes, sendo eventuais
casos complexos submetidos a uma equipe sênior e aos advogados do buscador. Segun-
do dados disponibilizados pelo próprio Google, desde 1° de novembro de 2015, cerca
de 30% dos requerimentos de remoção foram escalados para uma segunda opinião.9 A
decisão f‌inal sobre o pedido de desindexação é formalizada por um e-mail, o qual, em
caso de negativa da remoção, conterá uma breve explicação. Nessa hipótese, o reque-
rente poderá submeter a decisão à avaliação da autoridade local de proteção de dados.
Nos termos do Relatório de Transparência, a decisão de não desindexar leva em
consideração fatores como a existência de soluções alternativas, motivos técnicos ou
URLs duplicados. Ainda de acordo com o documento, é possível que se rejeite o pedido
de remoção caso o Google determine que a página tem informações de grande interesse
público. Ao desenvolver melhor esse ponto, o buscador admite a complexidade de de-
f‌inir se determinado conteúdo reveste-se ou não de interesse público e destaca, dentre
os aspectos considerados para tanto, o fato de o conteúdo guardar relação com a vida
prof‌issional do solicitante, com crimes cometidos no passado ou com a ocupação de
cargos políticos e públicos, considerando-se, ainda, se o material é de autoria do próprio
solicitante ou se corresponde a documentos governamentais ou jornalísticos.
Em fevereiro de 2018, o Google disponibilizou um estudo conduzido por alguns
autores a ele af‌iliados acerca dos três primeiros anos do processo de desindexação,10
5. Formulário disponível em: https://www.google.com/webmasters/tools/legal=-removal-request?hl=pt-PT&pid-
0&complaint_type=14. Acesso em 10.12.2018.
6. Formulário disponível em: https://www.bing.com/webmaster/tools/eu-privacy-request. Acesso em 18.12.2018.
7. Faz-se referência à crítica formulada no item 1.4.2.3 acima sobre a qualif‌icação de pessoas como “públicas” ou
“privadas”. Por esse motivo, ao longo do presente trabalho, referências a pessoa “pública” e “privada” serão feitas
entre aspas.
8. Embora o presente item não pretenda explorar detidamente cada aspecto dos formulários, chama a atenção o fato
de o solicitante ter que informar, em pedidos dirigidos ao Bing, se ocupa ou mesmo se possui a expectativa de
ocupar um cargo nos moldes acima descritos, como se a atuação prof‌issional de um indivíduo fosse determinante
para exclusão ou não de dado resultado de pesquisa.
9. Informação disponível na seção de respostas ao item “Quem toma as decisões relacionadas à remoção de conte-
údo?” (https://support.google.com/transparencyreport/answer/7347822/?hl=pt-BR).
10. BERTRAM, Theo; BURSZTEIN, Elie; CARO, Stephanie; CHAO, Hubert; FEMAN, Rutledge Chin; FLEISCHER,
Peter; GUSTAFSSON, Albin; HEMERLY, Jess; HIBBERT, Chris; INVERNIZZI, Luca; DONNELLY, Lanah Kammou-
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