Validade e fundamento de validade das

AutorAurora Tomazini de Carvalho
Páginas745-789
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Capítulo XVII
VALIDADE E FUNDAMENTO DE VALIDADE
DAS NORMAS JURÍDICAS
SUMÁRIO: 1. A validade e o direito; 2. Que é “validade”?; 3. Te-
orias sobre a validade; 3.1. Atos inexistentes, nulos e anuláveis;
3.2. Validade como relação de pertencialidade da norma jurídica
ao sistema do direito positivo; 3.3. Validade do ponto de vista do
observador e do ponto de vista do participante; 3.4. Validade como
sinônimo de eficácia social ou justiça; 4. Validade e a expressão
“norma jurídica”; 5. Critérios de validade; 6. Presunção de vali-
dade; 7. Marco temporal da validade jurídica; 8. Validade e funda-
mento de validade; 9. A questão do fundamento jurídico do texto
originário de uma ordem; 9.1. Fundamento jurídico último na or-
dem anterior ou no próprio texto originário; 9.2. A norma hipotéti-
ca fundamental de Kelsen, 10. Adequação às normas de produção
como critério de permanência da norma jurídica no sistema.
1. A VALIDADE E O DIREITO
A validade é um conceito fundante, que está na raiz de
toda a concepção sobre o direito. Quando, no segundo capítulo
deste livro, demarcamos o objeto da Dogmática Jurídica como
sendo o direito positivo e o definimos como o conjunto de todas
as normas jurídicas válidas num dado país, utilizamos o termo
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AURORA TOMAZINI DE CARVALHO
“validade” com um propósito definido, de excluir do campo de
apreciação científica o direito passado e o futuro, para concen-
trarmo-nos apenas no direito presente. Nestes termos, direito
posto é o atual, composto pelo conjunto de todas as normas
jurídicas que valem hoje. E delimitar o que é validade torna-se
indispensável para se dizer o que é direito.
A questão da validade das normas jurídicas, todavia, é
muito mais complicada do que parece ser. Há várias formas de
encará-la e cada uma delas determina um posicionamento do
jurista perante o direito. SÔNIA MARIA BROGLIA MENDES
reforça tal assertiva ao estudar as nuances do tema nas escolas
do jusnaturalismo, positivismo e realismo
577
. Em cada um des-
tes sistemas de referência a concepção de direito modifica-se
e com ela o conceito de validade, justamente por ser ele um de
seus conceitos fundantes.
Para a concepção jusnaturalista (conforme já estudo quan-
do tratamos do conceito de direito – no Capítulo II) o direito
é um conjunto de normas e princípios que não se originam de
um ato de vontade humana, provêm de uma instância superior,
natural, divina e expressam a ideia de justiça. Neste sistema, a
norma válida é a norma justa, moral, isto é, aquela que atende
as exigências fixadas na ordem natural. A norma é válida por-
que é valiosa, porque implementa o valor da lei natural, eterna
ao homem. Transcrevendo os ensinamentos de GREGORIO
ROBLES MORCHÓN, “uma norma do direito positivo que en-
tre em grave contradição com o exigido pelo Direito Natural,
não será uma norma valiosa, senão ‘desvaliosa’ e, portanto, in-
digna de ser obedecida”
578
. O termo validade, nesta concepção,
é empregado como sinônimo de “valiosidade”.
Para o realismo jurídico, que (como já vimos no Capítulo
II) trabalha com uma concepção pragmática de direito, a va-
lidade da norma jurídica está relacionada com sua utilização.
Norma válida é aquela que é aceita pela sociedade, cumprida
577. A validade jurídica pré e pós giro-linguístico, p. 75-151.
578.
Teoria del derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho), vol. 1, p. 283.
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CURSO DE TEORIA GERAL DO DIREITO
ou aplicada pelos tribunais. Nesta linha de raciocínio, a valida-
de é tomada como sinônimo de eficácia, de aceitabilidade da
norma no plano das relações intersubjetivas ou do judiciário.
Para o positivismo jurídico (normativista), a validade é
tida como um atributo da norma que, por ser jurídica, está em
condições de produzir efeitos. Os critérios de validade meta-
físico e social são deixados de lado para adoção de um crité-
rio de validade jurídico: a norma de superior hierarquia. Uma
norma é válida, quando produzida por ato de vontade (mani-
festação de poder) disciplinado em outra norma de superior
hierarquia e, em consequência disso, ela é obrigatória. Neste
sentido, a validade é tida como sinônimo de existência e de
obrigatoriedade.
De frente a estes três modelos teóricos verificamos três
maneiras de se conceber a validade das normas jurídicas: (i)
norma jurídica válida é a que tem compatibilidade com pa-
drões religiosos e morais; (ii) norma jurídica válida é a aceita
socialmente ou aplicada pelos tribunais; (iii) norma jurídica
válida é a que existe sob certo fundamento jurídico
579
.
Dentre estas concepções, trabalhamos com a premissa
normativista. E, é partindo dela que compreendemos o conceito
de validade. Mas, seguindo, todavia, a linha do constructivismo
lógico-semântico sentimos a necessidade de começar, desde o
início, com a delimitação do sentido da palavra “validade” que
servirá de base para o decorrer de toda nossa investigação.
2. QUE É “VALIDADE”?
Preliminar a qualquer estudo sobre a validade das nor-
mas jurídicas é o conceito de “validade”. Em sua acepção de
579. GREGORIO ROBLES MORCHÓN classifica estas três maneiras de conceber a
validade em: (i) filosófica; (ii) sociológica; e (iii) jurídica (Teoria del derecho funda-
mentos de teoria comunicacional del derecho, vol. 1, p. 279) e NORBERTO BOBBIO
faz a correspondência desta classificação às três funções da filosofia do direito: de-
ontológica, fenomenológica e ontológica. (Teoria da norma jurídica, p. 52).

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