A vida não configura dano

AutorKarina Nunes Fritz
Páginas35-38
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A VIDA NÃO CONFIGURA DANO
A corte infraconstitucional da Alemanha – Bundesgerichtshof (BGH) – causou
recente polêmica ao negar pedido ressarcitório de um f‌ilho contra o médico que tratou
seu pai no f‌im da vida por ter o mesmo prolongado inutilmente a vida do moribundo,
impingindo-lhe supostamente grande sofrimento. A decisão tem grande relevância na
questão da responsabilidade civil médica pelo prolongamento da vida do paciente13.
4.1 O CASO
Segundo o f‌ilho, que exerce a prof‌issão de enfermeiro, seu pai estava à beira da
morte, acometido por demência grave, infecções no pulmão e vesícula, sendo alimentado
artif‌icialmente por meio de sonda e sem condições de tomar qualquer decisão autonoma-
mente. Apesar desse grave e irreversível quadro clínico, o médico, que o acompanhava
há quatro anos, teria prolongado sua vida desnecessariamente, no mínimo, durante dois
anos, sem amparo em qualquer recomendação médica e às custas de grande sofrimento,
tanto para o paciente, que já contava com 82 anos de idade, quanto para o f‌ilho, que viu
o genitor desvanecer lentamente.
O pai não deixara qualquer diretiva antecipada de vontade que pudesse indicar se ele
teria ou não concordado com as medidas questionadas. Diante disso, o médico decidiu
prolongar a vida do paciente, mesmo contra a opinião do f‌ilho, herdeiro único do falecido
e do advogado, que desde a demência do idoso, em 1997, era seu representante legal.
Por isso, após a morte do pai, em 19.10.2011, o f‌ilho processou o médico pedin-
do o ressarcimento de 150 mil euros a título de dano material referentes aos custos do
tratamento e compensação pelo dano moral sofrido por ver o calvário do pai no f‌im da
vida. Para ele, o médico deveria responder pela prorrogação inadequada do sofrimento
do paciente, pois, diante da falta de qualquer perspectiva de melhora, ele deveria ter
modif‌icado a f‌inalidade do tratamento, permitindo a morte do paciente com ajuda de
medidas paliativas.
Além disso, ele não teria esclarecido suf‌icientemente de que não havia mais indicação
clínica para a manutenção da alimentação por sonda. Com isso, o médico teria violado
o corpo e o direito geral de personalidade do paciente, de forma que ao autor caberia,
por herança, uma pretensão indenizatória extrapatrimonial, além do dano material, que
não teria surgido sem o desnecessário tratamento.
Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, mas o Tribunal de Jus-
tiça (Oberlandesgericht – OLG) de Munique, reformando a decisão, concedeu 40 mil
euros a título de dano moral ao autor da ação. Para o OLG, o médico violara o dever de
esclarecimento ao não explicar adequadamente a utilidade ou não da continuidade da
13. Artigo publicado na coluna German Report, em 04.06.2019.
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