Vulnerabilidade, inteligência artificial e reprodução assistida heteróloga

AutorGuilherme Calmon Nogueira da Gama e Amanda Guedes Ferreira
Páginas685-703
VULNERABILIDADE, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E
REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Amanda Guedes Ferreira
Sumário: 1. Introdução – 2. Breves considerações sobre a inteligência articial; 2.1 Inteligência articial;
2.2 Algoritmos – 3. Reprodução humana assistida; 3.1 Planejamento familiar e reprodução humana
assistida como direitos fundamentais; 3.1.1 Planejamento familiar; 3.1.2 Direito à reprodução; 3.2 Téc-
nicas de reprodução humana assistida; 3.2.1 Inseminação articial; 3.2.2 Criopreservação de gametas
e embriões; 3.2.3 Fertilização in vitro – 4. Utilização da inteligência articial para a seleção de doadores
de gametas com fenótipos similares aos do casal que assumirá a parentalidade; 4.1 Questões sensíveis
quanto à aplicação da ia na seleção do material genético; 4.1.1 Diferença entre a seleção de gametas
com base no comparativo entre os fenótipos e a eugenia; 4.1.2 Obrigação do Estado em custear a
reprodução humana assistida com a utilização de Inteligência Articial e a (não) violação ao princípio
da isonomia substancial – 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A inteligência articial vem ganhando destaque nas últimas décadas, e prossionais
de diversas áreas provavelmente já se depararam com discussões sobre a aplicação da
mesma para o auxílio na realização de tarefas cotidianas.
Obviamente que na área médica não seria diferente. Pelo contrário, já há robôs que
auxiliam na realização de cirurgias, sistemas que identicam doenças de forma rápida e
até mesmo inteligência articial capaz de detectar a probabilidade do desenvolvimento
de doenças por meio de análises genéticas que provavelmente não seriam possíveis se
não fosse por meio da utilização de tais recursos tecnológicos.
Especicamente quanto ao emprego de técnicas de reprodução humana assistida,
também já há a utilização de mecanismos tecnológicos, inclusive quanto aos métodos
mais complexos como a fertilização in vitro.
Dando um passo adiante, vericaremos como a inteligência articial, por meio
da utilização de algoritmos, pode auxiliar na seleção de doadores que tenham alguma
similaridade com o casal que irá exercer a parentalidade da futura criança, preservando
o anonimato.
Concluindo pela viabilidade, alguns aspectos jurídicos hão de ser discutidos para
que se evite a violação de princípios constitucionais básicos, tais como o da isonomia
substancial, da dignidade da pessoa humana e da felicidade. O tema da vulnerabilida-
de das pessoas envolvidas no emprego da técnica de reprodução assistida, no uso da
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA E AMANDA GUEDES FERREIRA
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inteligência articial, bem como a futura pessoa humana em decorrência da técnica
reprodutiva é objeto de preocupação constante no desenvolvimento deste trabalho.
Também há grande preocupação em se evitar a eugenia, sob pena de infringir a
ética no tocante à reprodução humana.
Realizar-se-á um estudo multidisciplinar da aplicação da inteligência articial,
por meio de algoritmos, para a realização da aludida escolha do doador, vericando os
principais pontos sensíveis vinculados ao Direito quando da realização de tal seleção,
especialmente quanto à existência ou não de um direito fundamental à reprodução
humana assistida e, consequentemente, a obrigação do Estado em custear tais técnicas.
A metodologia de pesquisa empregada neste trabalho é eminentemente de análise
bibliográca, com investigação que extrapola os limites da dogmática jurídica. E a prin-
cipal questão a ser respondida consiste em saber se mecanismos de inteligência articial
são admissíveis para sua utilização quanto à identicação de doadores de gametas com
fenótipos semelhantes aos do casal que pretende ter acesso à técnica de reprodução
assistida heteróloga.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
O presente estudo se inicia com a análise de certos conceitos e premissas sobre
inteligência articial e algoritmo, assuntos que estão cada vez mais em voga em nossa
sociedade moderna.
2.1 Inteligência articial
Há milhares de anos a sociedade busca compreender como se exerce essa curiosa
tarefa de pensar, no sentido de prever, perceber, compreender e manipular o mundo. Não
é por outro motivo que nossa espécie é denominada de homo sapiens (homem sábio).
O grande intuito da inteligência articial é a realização das mesmas tarefas que o
homem empreende, mas de forma programada e muito mais lógica.
A denição da inteligência articial não é tarefa fácil, sendo certo que prossionais
da área de tecnologia da informação, como Stuart Russel,1 agrupam a inteligência arti-
cial em quatro estratégias especícas, centradas nos seres humanos: a) sistemas que
pensam como humanos; b) sistemas que agem como humanos; c) sistemas que pensam
racionalmente; e d) sistemas que agem racionalmente.
Ensina Russel2 que as duas primeiras categorias são empíricas, baseadas em ex-
periências e observações, e as duas últimas (mais viáveis) demandam conhecimentos
aprofundados em engenharia e matemática.
1. RUSSEL, Stuart; NORVIG, Peter. Inteligência Articial. Trad. 3. ed. por Regina Célia Simille de Macedo. Rio de
Janeiro: Campos, 2013, p 25.
2. RUSSEL, Stuart; NORVIG, Peter. Inteligência Articial. Trad. 3. ed. por Regina Célia Simille de Macedo. Rio de
Janeiro: Campos, 2013, p. 26.

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