Abandono afetivo inverso
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ABANDONO AFETIVO INVERSO
11.1 NOÇÕES INICIAIS
que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, também
competirá aos filhos maiores o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade. Este dispositivo, como sabido, consagra o princípio
da solidariedade e da reciprocidade em questões familiares, conferindo relevo
aos aspectos existenciais dos seus membros. Afinal, falar em família também é
falar de afeto, não é mesmo?
Para além disso, a prática acima referida ampara-se no dever ao cuidado de
crianças e adolescentes e no dever de assistência a ascendentes idosos, carentes e
enfermos.
Trata-se, sem dúvida, de um reflexo da eficácia horizontal dos direitos fun-
damentais, que espraiam seus efeitos para as relações entre os indivíduos. Aliás,
a literatura constitucionalista aponta, ainda, que, dentro da classificação dos
prestação material, sendo um direito social por excelência.1 Esses direitos podem
ou não demandar a edição de uma lei infraconstitucional para regulamentá-los.
Sendo necessária tal normatização legal, serão denominados de direitos derivados
a prestações.
Por outro lado, alguns direitos a prestações já possuem uma alta densidade con-
ceitual, independendo de qualquer norma infraconstitucional para serem exigíveis.
São considerados, portanto, autoaplicáveis, hipótese em que serão classificados e
denominados de direitos originários a prestações. Nas palavras de Gilmar Mendes
Ferreira, algumas “normas constitucionais que veiculam direitos a prestação ma-
terial possuem alta densidade normativa, no sentido de que estão enunciadas de
modo a dar a perceber o seu conteúdo com a nitidez necessária para que produzam
os seus principais efeitos. Não necessitam da interposição do legislador para lograr
aplicação sobre as relações jurídicas. Tais normas, que permitem imediata exigên-
1. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 161.
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DIREITO DAS FAMÍLIAS E DO IDOSO • Patricia Novais calmoN
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cia pelo indivíduo da satisfação do que comandam, veiculam os chamados direitos
originários a prestação”.2
Essa última hipótese é justamente o caso do direito/dever que se extrai a partir
constitucional edite lei para regulamentar a forma pela qual esse direito/dever deve
ser desenvolvido.
É o que sustenta o doutrinador mineiro Dimas Messias de Carvalho, ao afirmar
que a “ausência da legislação específica de dano moral por abandono inverso não
exclui o ato ilícito praticado pelos filhos que violaram o dever de cuidar”.3
É claro que em cada relação familiar haverá peculiaridades e, por isso, tal direito/
dever de assistência será distinto a partir da análise de cada caso concreto. Contudo, é
essencial destacar que o preceito constitucional não é tão subjetivo assim, possuindo
um viés objetivo identificável para o seu cumprimento. Esse caráter objetivo seria
justamente o dever de cuidado, consistente na obrigação dos pais de criar, educar e
ter em sua companhia em relação aos seus filhos e no dever dos filhos em assistir as
necessidades dos seus pais na velhice, carência ou enfermidade (dever de assistência).
Abandonar materialmente os filhos ou os pais na velhice pode acarretar, inclusi-
ve, o ilícito penal de abandono material. Tal crime se verifica quando alguém deixar,
sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, de filho menor de idade ou
inapto ao trabalho, ou de ascendente inválido ou idoso, não lhes proporcionando os
recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente
acordada, fixada ou majorada e, ainda, deixar, sem justa causa, de socorrer descen-
dente ou ascendente, gravemente enfermo (art. 244, Código Penal).
Mas, não só. No específico contexto da pessoa idosa, será crime abandoná-la
em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou
não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado (art. 98,
EI), e, expor a perigo a sua integridade e saúde, física ou psíquica, submetendo-o
a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados
indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou
inadequado (art. 99, EI).
Para além de responsabilização criminal, o STJ já definiu que o abandono ma-
terial também pode viabilizar a responsabilização civil.4
2. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 161.
3. CARVALHO, Dimas Messias de. Abandono afetivo do idoso e responsabilidade civil. Anais do XIII Congresso
Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões do IBDFAM: Prospecções sobre o presente e o futuro, 2021.
4. Recurso especial. Família. Abandono material. Menor. Descumprimento do dever de prestar assistência
material ao filho. Ato ilícito (CC/2002, arts. 186, 1.566, IV, 1.568, 1.579, 1.632 e 1.634, i; eca, arts. 18-A,
18-B e 22). Reparação. Danos morais. Possibilidade. Recurso improvido. 1. O descumprimento da obrigação
pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando
a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e
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