Alimentos

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ALIMENTOS
6.1 NOÇÕES INICIAIS
Na tutela dos direitos dos idosos, a temática dos alimentos adquire relevância
em um contexto em que, não obstante as pessoas estejam vivendo mais, não ne-
cessariamente elas possuem melhores condições de vida para o pleno exercício de
atividades que garantam o seu próprio sustento com dignidade. No ponto, existe uma
série de estudos apontando que “a sociedade não está preparada para essa mudança
no perf‌il populacional e, embora as pessoas estejam vivendo mais, a qualidade de
vida não acompanha essa evolução”.1
Por conta disso, dif‌iculdades na manutenção ou inserção no mercado de traba-
lho, saúde debilitada, corriqueiros e elevados gastos com medicamentos e planos de
saúde são apenas alguns dos fatores que podem inf‌luenciar fortemente na necessida-
de de alimentos pelo idoso, com base nos princípios da solidariedade familiar (art.
226, 227 e 230, CR/88) e da dignidade da pessoa humana. Este último, inclusive,
corresponde ao “princípio estruturante, constitutivo e indicativo das ideias diretivas
básicas de toda a ordem constitucional”,2 sendo essencial que essa pessoa consiga
viver de forma digna, o que perpassa por toda a análise da necessidade alimentar de
quem vier a precisar.
Mas não só. Nesse cenário, é indispensável que também a dignidade daquele
que presta alimentos seja garantida, entrando em cena a possibilidade de o próprio
alimentante ser pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Por isso, ao lidar
com alimentos no cenário do direito dos idosos, é plenamente possível que exista
mais de uma pessoa em situação de vulnerabilidade, em ambos os polos da relação
jurídica, como aconteceria na nem um pouco improvável situação de ex-consortes
idosos virem a se divorciar (gray divorce) e a postular alimentos um em face do outro.
Por isso, o “vetor constitucional no âmbito alimentício resulta que os alimen-
tos tendem a proporcionar uma vida de acordo com a dignidade de quem recebe
1. Mendes, Márcia Barbosa et al. A situação social do idoso no Brasil: uma breve consideração. Acta Paul En-
ferm. v. 18. n. 4. São Paulo Oct./Dec. 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ape/v18n4/a11v18n4.
pdf. Acesso em: 04 out. 2021.
2. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 179.
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(alimentando) e de quem os presta (alimentante), pois nenhuma delas é superior,
nem inferior”.3
Frisa-se, portanto, que o idoso pode ocupar tanto o papel de alimentando
(quando necessitar) quanto o de alimentante (quando puder prestar). Em caso
de os ascendentes do idoso estarem vivos, também poderão entrar nessa equação,
af‌inal, com a maior longevidade populacional, essa pode ser uma tendência dentro
dos próximos anos. Nesses moldes, Rolf Madaleno assenta que “entre os membros
de uma família, existe um forte vínculo social de solidariedade alimentar e é dentro
do grupo familiar que se apresenta o espaço de garantia da subsistência das pessoas,
não só na primeira etapa da vida, quando a dependência é absoluta e as crianças
e adolescentes são indefesas e inteiramente dependentes, como posteriormente,
quando certas vicissitudes da existência impedem que a pessoa faça frente às suas
requisições materiais por seus próprios esforços e recursos”.4
Sob a perspectiva do direito comparado norte-americano, Marcela Fürst e Va-
nessa Castro elucidam que “idosos que não conseguem arcar com os custos mensais
para sua sobrevivência tem aumentado nos EUA ao longo dos anos. Diante desse
cenário, aproximadamente 30 estados americanos possuem legislações que tornam
os f‌ilhos adultos responsáveis por seus pais, caso os pais não consigam sobreviver
com recurso próprio. Esse tipo de legislação é denominada ‘f‌ilial responsibility’, que
consiste na responsabilidade legal de f‌ilhos adultos em arcar com as necessidades
básicas como alimentação, vestuário, abrigo e assistência médica para os pais indi-
gentes”.5
Não sendo possível se manter por si ou pela sua família, também é possível que
a pessoa idosa com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade obtenha um benefí-
cio assistencial por parte do Estado. Trata-se do Benefício de Prestação Continuada
(BPC), regulamentado pela Lei 8.742/93 (art. 20) e pelo Estatuto do idoso (art.
34), devido no valor de um salário mínimo mensal. Por se tratar de um benefício
assistencial “independe de contribuição direta do benef‌iciário. O requisito para o
auxílio assistencial é a necessidade do assistido”.6
Nesse caso, embora a verba tenha caráter alimentar, em sentido formal não
serão os alimentos que aqui se trata, mas sim benefícios que possuem natureza
diversa (assistencial) e igualmente com requisitos distintos, f‌ixados em lei, para a
sua conf‌iguração.
Por isso, a linha seguida por este livro é no sentido de que os alimentos de di-
reito de família, mesmo no âmbito do Direito dos Idosos, seriam “prestações para
3. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2017, p. 702.
4. MADALENO, Rolf. Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1147.
5. PRADO, Marcela Mª Furst Signori; CASTRO, Vanessa Gasparini. Dos alimentos para pessoa idosa. Dispo-
nível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1294/Dos+alimentos+para+pessoa+idosa. Acesso em: 04 out. 2021.
6. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 20. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, p. 12.
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satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si” e visariam
“fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário à sua subsistência”.7
Mas, é também possível observar um caráter assistencial nesses alimentos entre
membros da família. É o que Fábio Ulhoa assenta, ao disciplinar que “os alimentos
se destinam ao cumprimento, pela família, de sua função assistencialista e das rela-
cionadas ao provimento dos recursos reclamados pelo sustento e manutenção de
seus membros”.8
Diferentemente dos benefícios assistenciais prestados pelo Estado, os alimentos
familiares são devidos aos que dele necessitem, para que vivam de modo compatível
com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação
(art. 1.694, caput, CC). Ademais, “o termo alimentos tem sentido evidentemente
amplo, abrangendo mais do que a alimentação”,9 como o sustento, a cura, o vestuário
e a habitação, além da educação (art. 1.920, CC), o que reforça a previsão de que os
alimentos devem sempre levar em consideração a condição social do alimentando,
obviamente, dentro da possibilidade do alimentante, tudo de forma proporcional.10
Inexiste dúvida de que o Direito das Famílias da atualidade não mais se pauta
em padrões patrimonialistas de outros tempos, voltando sua atenção à personif‌icação
dos indivíduos, à “tutela da pessoa humana, no intuito de promover a dignidade
desta”.11 Por isso, para além de se garantir o mínimo existencial aos envolvidos nessa
relação familiar, também devem ser garantidos os alimentos para que se obtenha
uma “aproximação possível das anteriores condições de vida”.12
Como se sabe, a doutrina distingue os alimentos de família entre naturais e civis
(também denominados de côngruos). Os primeiros seriam aqueles que se voltam
exclusivamente para a sobrevivência do alimentando, se circunscrevendo a “cobrir o
vital para a vida, aquilo que se faz estritamente indispensável para a subsistência do
alimentando, sem levar em conta a sua condição social nem seus hábitos de vida”.13
Os segundos, por sua vez, teriam a f‌inalidade de garantir que sua qualidade de vida
se compatibilizasse com tal condição social.
Atualmente, os alimentos sempre levarão em consideração as condições sociais
daquela pessoa que os pleiteia, observando-se os requisitos essenciais para a sua
conf‌iguração, qual seja, a necessidade, a possibilidade e a proporcionalidade.
7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
v. 6, p. 336.
8. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, família, sucessões. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 5. cap.
61. Ebook, sem paginação.
9. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 706.
10. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 414-415.
11. ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Temas atuais de direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.
25.
12. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 415.
13. MADALENO, Rolf. Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1147.
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