Adoção de idosos
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ADOÇÃO DE IDOSOS
14.1 NOÇÕES INICIAIS
Viver com plenitude e envelhecer bem. De fato, estas são duas das grandes metas
existenciais da atualidade, momento da história marcado pela intensicação da busca
por práticas e técnicas que possam promover melhorias na qualidade de vida, diminui-
ção do estresse, desaceleração do pensamento e intensicação das relações intersubje-
tivas, tudo com o objetivo de se envelhecer de forma mais saudável. Pelo menos esta é
a teoria. Na prática, contudo, acabamos vivendo em uma sociedade um tanto quanto
paradoxal. Sob o pretexto de envelhecer bem, acabamos agindo pautados pela ilusão da
juventude, gastando mais dinheiro com produtos de beleza do que com alimentação1
e com educação,2 por exemplo.
Ao mesmo tempo em que queremos viver mais e com melhor qualidade, deixamos
de nos preparar nanceira e emocionalmente para a aposentadoria, já que dados recentes
indicam que seis entre cada dez cidadãos brasileiros não celebram nenhum plano de
previdência social, conforme é comumente noticiado pela grande mídia.3
Não raro, tamanha discrepância entre teoria e prática acaba levando a cenários
não ideais, onde os papéis sociais que os idosos exerceram ao longo de sua história
(pai, mãe, lho, trabalhador, marido, esposa etc) vão se perdendo, fazendo com que, na
etapa nal de suas vidas, sejam considerados sujeitos de direitos, mas não atores sociais.
Em muitos desses casos, seus direitos são desrespeitados pela sociedade e, o que
é pior, negligenciados e abandonados justamente por aqueles que deveriam assegurar
elmente sua observância: o Estado e a família.
Isso acaba demandando maior efetivação de políticas públicas voltadas a garan-
tir um envelhecimento saudável e ativo. Anal, como incessantemente dito por aqui:
a convivência familiar e comunitária é um direito fundamental da pessoa idosa (art.
230 da CR/88 c/c art. 3º do EI). Adicionalmente, Maria Luiza Póvoa aduz que, se, “por
um lado ainda é recorrente a visão depreciativa da velhice, de outro lado há iniciativas,
ações e esforços sendo aplicados em prol da dignidade da pessoa idosa, para a qual a
1. Informação disponível na internet: https://panoramafarmaceutico.com.br/2018/09/14/ibge-aponta-que-bra-
sileiro-gasta-mais-com-beleza-do-que-com-comida. Acesso em: 19 jan. 2023.
2. Informação disponível na internet: https://veja.abril.com.br/economia/pesquisa-mostra-que-brasileiro-gas-
ta-mais-com-beleza-do-que-com-educacao/.Acesso em: 19 jan. 2023.
3. Informação disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/07/ 23/internas_econo-
mia,885939/brasileiros-nao-se-preparam-para-velhice.shtml. Acesso em: 19 jan. 2023.
EBOOK DIREITO DAS FAMILIAS E DO IDOSO 2ED.indb 247EBOOK DIREITO DAS FAMILIAS E DO IDOSO 2ED.indb 247 27/04/2023 11:09:1627/04/2023 11:09:16
DIREITO DAS FAMÍLIAS E DA PESSOA IDOSA • Patricia Novais calmoN
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convivência familiar e comunitária é tão vital quanto o direito à saúde, moradia, ali-
mentação, cultura, educação, trabalho, esporte, lazer e cidadania”.4
Tomando por base tais circunstâncias, deve-se questionar se a adoção de idosos
seria uma medida de reinserção social e familiar e uma alternativa viável à institucio-
nalização em ILPI’s (instituições de longa permanência de idosos).
Perceba a sutileza: não se está questionando se o idoso poderia ser o adotante,
mas sim o adotado.
Quando a pessoa idosa está adotando, o STJ já se posicionou que a idade dos ado-
tantes pode ser um fator para o insucesso da adoção, considerando a notória diferença
geracional e a provável ausência de disposição ou preparação dos pretensos pais. Assim,
a adoção realizada por pessoas idosas deve ser sopesada pela ponderação, convicção
e razão, principalmente diante das graves consequências que podem ser acarretadas à
pessoa que está sendo adotada.5
4. CRUZ, Maria Luiza Póvoa. Abandono afetivo de idosos. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1372/
Abandono+afetivo+de+idosos. Acesso em: 19 jan. 2023.
5. Civil. Processual civil. Direito de família. Adoção. Destituição do poder familiar e abandono afetivo. Cabimento.
Exame das especícas circunstâncias fáticas da hipótese. Criança em idade avançada e pais adotivos idosos.
Ausência de vedação legal que deve ser compatibilizada com o risco acentuado de insucesso da adoção. Notó-
ria diferença geracional. Necessidade de cuidados especiais e diferenciados. Provável ausência de disposição
ou preparação dos pais. Ato de adoção de criança em avançada idade que, conquanto louvável e nobre, deve
ser norteado pela ponderação, convicção e razão. Consequências graves aos adotantes e ao adotado. Papel do
estado e do ministério público no processo de adoção. Controle do ímpeto dos adotantes. Zelo pela raciona-
lidade e eciência da política pública de adoção. Falha das etapas de vericação da aptidão dos pais adotivos e
de controle do benefício da adoção. Fato que não elimina a responsabilidade civil dos pais que praticaram atos
concretos e ecazes para devolução da lha adotada ao acolhimento. Condenação dos adotantes a reparar os
danos morais causados à criança. Possibilidade. Culpa congurada. Impossibilidade de exclusão da responsa-
bilidade civil. Valor dos danos morais. Fixação em valor módico. Observância do contexto fático. Equilíbrio do
direito à indenização e do grau de culpa dos pais, sem comprometer a ecácia da política pública. Destituição
do poder familiar. Condenação dos pais destituídos a pagar alimentos. Possibilidade. Rompimento do poder
de gestão da vida do lho, mas não do vínculo de parentesco. Maioridade civil da lha. Fato novo relevante.
Retorno do processo ao tribunal com determinação de conversão em diligência. Observância do binômio
necessidade da alimentada e possibilidade dos alimentantes. 1 – Os propósitos recursais consistem em denir:
(i) se é cabível a reparação por danos morais em decorrência do abandono afetivo dos pais adotivos em relação
ao adotado e se estão congurados, na hipótese, os pressupostos autorizadores da responsabilidade civil; (ii)
se é admissível que os pais adotivos sejam condenados a prestar alimentos ao lho adotado após a destituição
do poder familiar, inclusive no período em que a criança se encontre acolhida institucionalmente. 2 – Para o
exame do cabimento da reparação de danos morais pleiteada pela adotada ao fundamento de abandono afetivo
dos pais adotivos, é imprescindível o exame do contexto em que se desenvolveram os fatos, que, na hipótese,
revelaram que a criança foi adotada quando já possuía 09 anos, vinda de anterior destituição de poder familiar
e de considerável período de acolhimento institucional, por um casal de idosos de 55 e 85 anos e que já pos-
suía um lho biológico de 30 anos ao tempo da adoção. 3 – Embora não seja legalmente vedada a adoção nas
circunstâncias especiais acima mencionadas, era possível inferir o acentuado risco de insucesso da adoção em
virtude da notória diferença geracional entre pais e lho, de modo que era possível prever que a criança muito
provavelmente exigiria cuidados muito especiais e diferenciados dos pais adotivos que possivelmente não
estivessem realmente dispostos ou preparados para despendê-los. 4 – Conquanto o gesto de quem se propõe
a adotar uma criança de avançada idade e com conhecido histórico de traumas seja nobilíssimo, permeado
de ótimas intenções e rearme a importância da política pública e social de adoção, não se pode olvidar que o
ato de adotar, que não deve ser temido, deve ser norteado pela ponderação, pela convicção e pela razão, tendo
em vistas as suas inúmeras consequências aos adotantes e ao adotado. 5 – No processo de adoção, o papel do
EBOOK DIREITO DAS FAMILIAS E DO IDOSO 2ED.indb 248EBOOK DIREITO DAS FAMILIAS E DO IDOSO 2ED.indb 248 27/04/2023 11:09:1627/04/2023 11:09:16
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