Adoção de idosos

Páginas247-264
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ADOÇÃO DE IDOSOS
14.1 NOÇÕES INICIAIS
Viver com plenitude e envelhecer bem. De fato, estas são duas das grandes metas
existenciais da atualidade, momento da história marcado pela intensicação da busca
por práticas e técnicas que possam promover melhorias na qualidade de vida, diminui-
ção do estresse, desaceleração do pensamento e intensicação das relações intersubje-
tivas, tudo com o objetivo de se envelhecer de forma mais saudável. Pelo menos esta é
a teoria. Na prática, contudo, acabamos vivendo em uma sociedade um tanto quanto
paradoxal. Sob o pretexto de envelhecer bem, acabamos agindo pautados pela ilusão da
juventude, gastando mais dinheiro com produtos de beleza do que com alimentação1
e com educação,2 por exemplo.
Ao mesmo tempo em que queremos viver mais e com melhor qualidade, deixamos
de nos preparar nanceira e emocionalmente para a aposentadoria, já que dados recentes
indicam que seis entre cada dez cidadãos brasileiros não celebram nenhum plano de
previdência social, conforme é comumente noticiado pela grande mídia.3
Não raro, tamanha discrepância entre teoria e prática acaba levando a cenários
não ideais, onde os papéis sociais que os idosos exerceram ao longo de sua história
(pai, mãe, lho, trabalhador, marido, esposa etc) vão se perdendo, fazendo com que, na
etapa nal de suas vidas, sejam considerados sujeitos de direitos, mas não atores sociais.
Em muitos desses casos, seus direitos são desrespeitados pela sociedade e, o que
é pior, negligenciados e abandonados justamente por aqueles que deveriam assegurar
elmente sua observância: o Estado e a família.
Isso acaba demandando maior efetivação de políticas públicas voltadas a garan-
tir um envelhecimento saudável e ativo. Anal, como incessantemente dito por aqui:
a convivência familiar e comunitária é um direito fundamental da pessoa idosa (art.
230 da CR/88 c/c art. 3º do EI). Adicionalmente, Maria Luiza Póvoa aduz que, se, “por
um lado ainda é recorrente a visão depreciativa da velhice, de outro lado há iniciativas,
ações e esforços sendo aplicados em prol da dignidade da pessoa idosa, para a qual a
1. Informação disponível na internet: https://panoramafarmaceutico.com.br/2018/09/14/ibge-aponta-que-bra-
sileiro-gasta-mais-com-beleza-do-que-com-comida. Acesso em: 19 jan. 2023.
2. Informação disponível na internet: https://veja.abril.com.br/economia/pesquisa-mostra-que-brasileiro-gas-
ta-mais-com-beleza-do-que-com-educacao/.Acesso em: 19 jan. 2023.
3. Informação disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/07/ 23/internas_econo-
mia,885939/brasileiros-nao-se-preparam-para-velhice.shtml. Acesso em: 19 jan. 2023.
EBOOK DIREITO DAS FAMILIAS E DO IDOSO 2ED.indb 247EBOOK DIREITO DAS FAMILIAS E DO IDOSO 2ED.indb 247 27/04/2023 11:09:1627/04/2023 11:09:16
DIREITO DAS FAMÍLIAS E DA PESSOA IDOSA • Patricia Novais calmoN
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convivência familiar e comunitária é tão vital quanto o direito à saúde, moradia, ali-
mentação, cultura, educação, trabalho, esporte, lazer e cidadania”.4
Tomando por base tais circunstâncias, deve-se questionar se a adoção de idosos
seria uma medida de reinserção social e familiar e uma alternativa viável à institucio-
nalização em ILPI’s (instituições de longa permanência de idosos).
Perceba a sutileza: não se está questionando se o idoso poderia ser o adotante,
mas sim o adotado.
Quando a pessoa idosa está adotando, o STJ já se posicionou que a idade dos ado-
tantes pode ser um fator para o insucesso da adoção, considerando a notória diferença
geracional e a provável ausência de disposição ou preparação dos pretensos pais. Assim,
a adoção realizada por pessoas idosas deve ser sopesada pela ponderação, convicção
e razão, principalmente diante das graves consequências que podem ser acarretadas à
pessoa que está sendo adotada.5
4. CRUZ, Maria Luiza Póvoa. Abandono afetivo de idosos. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1372/
Abandono+afetivo+de+idosos. Acesso em: 19 jan. 2023.
5. Civil. Processual civil. Direito de família. Adoção. Destituição do poder familiar e abandono afetivo. Cabimento.
Exame das especícas circunstâncias fáticas da hipótese. Criança em idade avançada e pais adotivos idosos.
Ausência de vedação legal que deve ser compatibilizada com o risco acentuado de insucesso da adoção. Notó-
ria diferença geracional. Necessidade de cuidados especiais e diferenciados. Provável ausência de disposição
ou preparação dos pais. Ato de adoção de criança em avançada idade que, conquanto louvável e nobre, deve
ser norteado pela ponderação, convicção e razão. Consequências graves aos adotantes e ao adotado. Papel do
estado e do ministério público no processo de adoção. Controle do ímpeto dos adotantes. Zelo pela raciona-
lidade e eciência da política pública de adoção. Falha das etapas de vericação da aptidão dos pais adotivos e
de controle do benefício da adoção. Fato que não elimina a responsabilidade civil dos pais que praticaram atos
concretos e ecazes para devolução da lha adotada ao acolhimento. Condenação dos adotantes a reparar os
danos morais causados à criança. Possibilidade. Culpa congurada. Impossibilidade de exclusão da responsa-
bilidade civil. Valor dos danos morais. Fixação em valor módico. Observância do contexto fático. Equilíbrio do
direito à indenização e do grau de culpa dos pais, sem comprometer a ecácia da política pública. Destituição
do poder familiar. Condenação dos pais destituídos a pagar alimentos. Possibilidade. Rompimento do poder
de gestão da vida do lho, mas não do vínculo de parentesco. Maioridade civil da lha. Fato novo relevante.
Retorno do processo ao tribunal com determinação de conversão em diligência. Observância do binômio
necessidade da alimentada e possibilidade dos alimentantes. 1 – Os propósitos recursais consistem em denir:
(i) se é cabível a reparação por danos morais em decorrência do abandono afetivo dos pais adotivos em relação
ao adotado e se estão congurados, na hipótese, os pressupostos autorizadores da responsabilidade civil; (ii)
se é admissível que os pais adotivos sejam condenados a prestar alimentos ao lho adotado após a destituição
do poder familiar, inclusive no período em que a criança se encontre acolhida institucionalmente. 2 – Para o
exame do cabimento da reparação de danos morais pleiteada pela adotada ao fundamento de abandono afetivo
dos pais adotivos, é imprescindível o exame do contexto em que se desenvolveram os fatos, que, na hipótese,
revelaram que a criança foi adotada quando já possuía 09 anos, vinda de anterior destituição de poder familiar
e de considerável período de acolhimento institucional, por um casal de idosos de 55 e 85 anos e que já pos-
suía um lho biológico de 30 anos ao tempo da adoção. 3 – Embora não seja legalmente vedada a adoção nas
circunstâncias especiais acima mencionadas, era possível inferir o acentuado risco de insucesso da adoção em
virtude da notória diferença geracional entre pais e lho, de modo que era possível prever que a criança muito
provavelmente exigiria cuidados muito especiais e diferenciados dos pais adotivos que possivelmente não
estivessem realmente dispostos ou preparados para despendê-los. 4 – Conquanto o gesto de quem se propõe
a adotar uma criança de avançada idade e com conhecido histórico de traumas seja nobilíssimo, permeado
de ótimas intenções e rearme a importância da política pública e social de adoção, não se pode olvidar que o
ato de adotar, que não deve ser temido, deve ser norteado pela ponderação, pela convicção e pela razão, tendo
em vistas as suas inúmeras consequências aos adotantes e ao adotado. 5 – No processo de adoção, o papel do
EBOOK DIREITO DAS FAMILIAS E DO IDOSO 2ED.indb 248EBOOK DIREITO DAS FAMILIAS E DO IDOSO 2ED.indb 248 27/04/2023 11:09:1627/04/2023 11:09:16

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