Alimentos

Páginas107-164
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ALIMENTOS
7.1 NOÇÕES INICIAIS
Na tutela dos direitos das pessoas idosas, a temática dos alimentos adquire rele-
vância em um contexto em que, não obstante as pessoas estejam vivendo mais, não
necessariamente elas possuem melhores condições de vida para o pleno exercício de
atividades que garantam o seu próprio sustento com dignidade. No ponto, existe uma
série de estudos apontando que “a sociedade não está preparada para essa mudança
no perl populacional e, embora as pessoas estejam vivendo mais, a qualidade de vida
não acompanha essa evolução.1
Por conta disso, diculdades na manutenção ou inserção no mercado de trabalho,
saúde debilitada, corriqueiros e elevados gastos com medicamentos e planos de saúde
são apenas alguns dos fatores que podem inuenciar fortemente na necessidade de
alimentos pelo idoso, com base nos princípios da solidariedade familiar (art. 226, 227
e 230, CR/88) e da dignidade da pessoa humana. Este último, inclusive, corresponde ao
“princípio estruturante, constitutivo e indicativo das ideias diretivas básicas de toda a
ordem constitucional”,2 sendo essencial que essa pessoa consiga viver de forma digna,
o que perpassa por toda a análise da necessidade alimentar de quem vier a precisar.
Mas não só. Nesse cenário, é indispensável que também a dignidade daquele que
presta alimentos seja garantida, entrando em cena a possibilidade de o próprio alimen-
tante ser pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Por isso, ao lidar com alimentos
no cenário do direito da pessoa idosa, é plenamente possível que exista mais de uma
pessoa em situação de vulnerabilidade, em ambos os polos da relação jurídica, como
aconteceria na nem um pouco improvável situação de ex-consortes idosos virem a se
divorciar (gray divorce) e a postular alimentos um em face do outro.
Por isso, o “vetor constitucional no âmbito alimentício resulta que os alimentos
tendem a proporcionar uma vida de acordo com a dignidade de quem recebe (alimen-
tando) e de quem os presta (alimentante), pois nenhuma delas é superior, nem inferior.3
1. MENDES, Márcia Barbosa et al. A situação social do idoso no Brasil: uma breve consideração. Acta Paul En-
ferm. v. 18. n. 4. São Paulo Oct./Dec. 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ape/v18n4/a11v18n4.
pdf. Acesso em: 19 jan. 2023.
2. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 179.
3. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2017, p. 702.
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DIREITO DAS FAMÍLIAS E DA PESSOA IDOSA • Patricia Novais calmoN
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Frisa-se, portanto, que o idoso pode ocupar tanto o papel de alimentando (quando
necessitar) quanto o de alimentante (quando puder prestar). Em caso de os ascendentes
do idoso estarem vivos, também poderão entrar nessa equação, anal, com a maior
longevidade populacional, essa pode ser uma tendência dentro dos próximos anos.
Nesses moldes, Rolf Madaleno assenta que “entre os membros de uma família, existe
um forte vínculo social de solidariedade alimentar e é dentro do grupo familiar que se
apresenta o espaço de garantia da subsistência das pessoas, não só na primeira etapa
da vida, quando a dependência é absoluta e as crianças e adolescentes são indefesas e
inteiramente dependentes, como posteriormente, quando certas vicissitudes da exis-
tência impedem que a pessoa faça frente às suas requisições materiais por seus próprios
esforços e recursos”.4
Sob a perspectiva do direito comparado norte-americano, Marcela Fürst e Vanessa
Castro elucidam que “idosos que não conseguem arcar com os custos mensais para sua
sobrevivência tem aumentado nos EUA ao longo dos anos. Diante desse cenário, apro-
ximadamente 30 estados americanos possuem legislações que tornam os lhos adultos
responsáveis por seus pais, caso os pais não consigam sobreviver com recurso próprio.
Esse tipo de legislação é denominada ‘lial responsibility, que consiste na responsabi-
lidade legal de lhos adultos em arcar com as necessidades básicas como alimentação,
vestuário, abrigo e assistência médica para os pais indigentes”.5
Não sendo possível se manter por si ou pela sua família, também é possível que
a pessoa idosa com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade obtenha um benefício
assistencial por parte do Estado. Trata-se do Benefício de Prestação Continuada (BPC),
regulamentado pela Lei 8.742/93 (art. 20) e pelo Estatuto da Pessoa Idosa (art. 34). Por
se tratar de um benefício assistencial “independe de contribuição direta do beneciário.
O requisito para o auxílio assistencial é a necessidade do assistido”.6
Nesse caso, embora a verba tenha caráter alimentar, em sentido formal não serão
os alimentos que aqui se trata, mas sim benefícios que possuem natureza diversa (assis-
tencial) e igualmente com requisitos distintos, xados em lei, para a sua conguração.
Por isso, a linha seguida por este livro é no sentido de que os alimentos de direito de
família, mesmo no âmbito do Direito da Pessoa Idosa, seriam “prestações para satisfação
das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si” e visariam “fornecer a um
parente, cônjuge ou companheiro o necessário à sua subsistência.7
Mas, é também possível observar um caráter assistencial nesses alimentos entre
membros da família. É o que Fábio Ulhoa assenta, ao disciplinar que “os alimentos se
4. MADALENO, Rolf. Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1147.
5. PRAD O, Marcela Mª Furst Signori; CASTRO, Vanessa Gasparini. Dos alimentos para pessoa idosa. Disponível
em: https://ibdfam.org.br/artigos/1294/Dos+alimentos+para+pessoa+idosa. Acesso em: 19 jan. 2023.
6. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 20. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, p. 12
7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 6,
p. 336.
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destinam ao cumprimento, pela família, de sua função assistencialista e das relacionadas
ao provimento dos recursos reclamados pelo sustento e manutenção de seus membros”.8
Diferentemente dos benefícios assistenciais prestados pelo Estado, os alimentos
familiares são devidos aos que dele necessitem, para que vivam de modo compatível
com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (art.
1.694, caput, CC). Ademais, “o termo alimentos tem sentido evidentemente amplo,
abrangendo mais do que a alimentação”,9 como o sustento, a cura, o vestuário e a habi-
tação, além da educação (art. 1.920, CC), o que reforça a previsão de que os alimentos
devem sempre levar em consideração a condição social do alimentando, obviamente,
dentro da possibilidade do alimentante, tudo de forma proporcional.10
Inexiste dúvida de que o Direito das Famílias da atualidade não mais se pauta em
padrões patrimonialistas de outros tempos, voltando sua atenção à personicação dos
indivíduos, à “tutela da pessoa humana, no intuito de promover a dignidade desta”.11 Por
isso, para além de se garantir o mínimo existencial aos envolvidos nessa relação familiar,
também devem ser garantidos os alimentos para que se obtenha uma “aproximação
possível das anteriores condições de vida.12
Como se sabe, a doutrina distingue os alimentos de família entre naturais e civis
(também denominados de côngruos). Os primeiros seriam aqueles que se voltam
exclusivamente para a sobrevivência do alimentando, se circunscrevendo a “cobrir o
vital para a vida, aquilo que se faz estritamente indispensável para a subsistência do
alimentando, sem levar em conta a sua condição social nem seus hábitos de vida”.13
Os segundos, por sua vez, teriam a nalidade de garantir que sua qualidade de vida se
compatibilizasse com tal condição social.
Atualmente, os alimentos sempre levarão em consideração as condições sociais
daquela pessoa que os pleiteia, observando-se os requisitos essenciais para a sua con-
guração, qual seja, a necessidade, a possibilidade e a proporcionalidade.
7.2 OS ALIMENTOS: OBRIGAÇÃO E CONTEÚDO
A palavra alimentos é polissêmica, possuindo dois sentidos bem claros. O primeiro
deles consiste na obrigação de sustento em si, no sentido de que haja o pagamento de
alimentos de uma pessoa a outra. Como dito, deve existir uma relação jurídica familiar
existente entre esses sujeitos. O segundo se refere ao próprio conteúdo da obrigação,
conferindo o “necessário à preservação da dignidade humana, como a habitação, a
8. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, família, sucessões. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, cap. 61. Ebook,
v. 5, sem paginação.
9. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 706.
10. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 414-415.
11. ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Temas atuais de direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 25.
12. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 415.
13. MADALENO, Rolf. Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1147.
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