Apresentação de plano de recuperação judicial alternativo pelos credores na reforma da LRF: Uma boa ideia mal implementada

AutorGustavo Lacerda Franco
Páginas1-17
APRESENTAÇÃO DE PLANO
DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL ALTERNATIVO
PELOS CREDORES NA REFORMA DA LRF:
UMA BOA IDEIA MAL IMPLEMENTADA
Gustavo Lacerda Franco
Doutorando e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP, em
que se graduou. Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. Apresentação do plano de recuperação judicial: o modelo original.
3. A proposição do plano pelo devedor: modelos alternativos e críticas doutrinárias. 4. O
plano alternativo dos credores: mecanismo importante com custo-benefício preocupante. 5.
Conclusão. 6. Referências. 7. Julgados referidos.
1. INTRODUÇÃO
A disciplina legal da crise empresarial no Brasil, com pontuais exceções, permanece
a mesma desde 2005, quando passou a vigorar a Lei 11.101/2005 (“Lei de Recuperação e
Falência” ou, simplesmente, “LRF”). A evolução da matéria em sedes doutrinária e juris-
prudencial nos últimos 15 anos, contudo, foi notável, em resposta a indagações cada vez
mais complexas oriundas da prática. Apesar disso, não tardaram a surgir apelos crescentes
pela reforma da legislação concursal brasileira, alguns razoáveis e outros nem tanto.
Por um lado, deve-se reconhecer que a moldura original da LRF é insuf‌iciente ou
omissa sobre aspectos relevantes do moderno direito concursal, como a crise de grupos
societários, o f‌inanciamento do devedor durante o processo ou a insolvência transna-
cional.1 Doutrina e jurisprudência, naturalmente, não podem sanar todas essas falhas
1. Sobre o tratamento jurídico desses temas no regime brasileiro, vide, respectivamente, Sheila C. Neder Cerezetti,
Grupos de sociedades e recuperação judicial: o indispensável encontro entre direitos societário, processual e
concursal. In: Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira (Coord.), Processo Societário, São Paulo: Quar-
tier Latin, 2015, v. II, p. 735-789, e Sheila C. Neder Cerezetti e Francisco Satiro, A silenciosa “consolidação” da
consolidação substancial – Resultados de pesquisa empírica sobre recuperação judicial de grupos empresariais.
Revista do Advogado 131 (2016), p. 216-223; Leonardo Adriano Ribeiro Dias, Financiamento na Recuperação Ju-
dicial e na Falência, São Paulo, Quartier Latin, 2014, e Eduardo Secchi Munhoz, Financiamento e investimento
na recuperação judicial. In: Emanuelle Urbano Maff‌ioletti e Sheila C. Neder Cerezetti (Coord.), Dez anos da Lei
11.101/2005 – Estudos sobre a Lei de recuperação e falência, São Paulo, Almedina, 2015, p. 264-290; bem como, por
f‌im, Sabrina Maria Fadel Becue, Insolvência transnacional: as contribuições que a Lei Modelo da UNCITRAL pode
proporcionar para o Brasil, Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2018, e Thomas Benes Felsberg e Paulo Fernando Campana Filho, A recuperação judicial de sociedades sediadas
no exterior: as lições da experiência estrangeira e os desenvolvimentos no Brasil. In: Emanuelle Urbano Maff‌ioletti
e Sheila C. Neder Cerezetti (Coord.), Dez anos da Lei 11.101/2005 cit., p. 468-489.
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GUSTAVO LACERDA FRANCO
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de maneira adequada, ainda que tenham resolvido algumas delas.2 Por outro, tem-se
consciência de que promover uma ampla reforma no sistema concursal tem potencial
para lhe gerar resultado similar ao da abertura da mitológica Caixa de Pandora, sobretudo
em momentos de instabilidade política e econômica. O direito das empresas em crise
consiste em política pública que afeta os mais diversos interesses envolvidos na atividade
empresarial.3 É preciso muito cuidado para que, de sua formulação, não resulte solução
pouco ou nada equilibrada.4
O tempo para tais preocupações, no entanto, parece ter se esgotado. Isso porque,
entre as variadas iniciativas no sentido de reforma da LRF, uma acaba de lograr êxito: o
Projeto de Lei 4.458/2020, que se converteu na Lei 14.112/2020 ao ser sancionado pelo
Presidente da República após sua aprovação pelas duas casas do Congresso Nacional.
O texto promulgado ocasiona alteração em aspectos fundamentais da disciplina da
recuperação judicial e de outros institutos do direito das empresas em crise. Diante da
possibilidade de que uma remodelação com essa intensidade produza efeitos negativos
no âmbito de política pública tão importante para a higidez da economia nacional, faz-se
necessário examinar seu teor de forma criteriosa.
Dedica-se o presente estudo a esse esforço, com foco na análise de uma das mo-
dif‌icações promovidas que mais afetou a estrutura conferida pelo legislador de 2005 à
recuperação judicial: a possibilidade de que os credores apresentem um plano de recu-
peração alternativo, na presença de certas circunstâncias. Com efeito, segundo a redação
atribuída ao art. 56, §§ 4º e ss., da LRF, ocorrendo a rejeição do plano de recuperação
judicial proposto pelo devedor, os credores reunidos em assembleia geral poderão deli-
berar pela concessão do prazo de 30 dias para apresentação de um novo plano, elaborado
pelos próprios titulares de créditos.
A medida autorizada suscita dúvidas importantes, de contornos teóricos e práticos.
Essas indagações dizem respeito, por exemplo, ao seu impacto nos incentivos à atuação
do devedor e dos credores com relação ao processo recuperacional, aos eventuais efeitos
que pode gerar sobre o patrimônio dos sócios, à sua interface com o regime societário
de maneira geral e à natureza contratual (ou não) do plano apresentado nesses moldes.
Elementos internos do regramento delineado para o plano alternativo também causam
incerteza.
2. A exemplo daquela concernente à recuperação judicial de grupos societários, que tem sido enfrentada pela
jurisprudência, com o auxílio da doutrina (em especial, o pioneiro estudo de Sheila C. Neder Cerezetti acima
mencionado), há anos. Vide nesse sentido, entre julgados mais recentes, TJSP, Agravo de Instrumento 2050662-
70.2019.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Cesar Ciampolini, j. 07.08.2019, e
TJSP, Agravo de Instrumento 2165440-24.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des.
Alexandre Marcondes, j. 12.11.2018.
3. Para maiores detalhes sobre o assunto, vide Elizabeth Warren, Bankruptcy policymaking in an imperfect world.
Mich. L. Rev. 92 (1993-1994), p. 343.
4. Sabendo-se que o princípio da preservação da empresa, central no regramento da recuperação judicial, é atendido
justamente ao se promover o equilíbrio entre os múltiplos interesses abarcados na atividade da recuperanda ao
longo do procedimento (Sheila C. Neder Cerezetti, A recuperação judicial de sociedade por ações – O princípio da
preservação da empresa na Lei de recuperação e falência, São Paulo, Malheiros, 2012, p. 428), evidencia-se que a
realização de reforma legislativa desatenta a essa necessidade pode acarretar consequências bastante perniciosas.
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