Arm's Length e Igualdade

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4. Arm’s Length e Igualdade
4.1. Arm’s length, igualdade tributária e capacidade
contributiva
Conforme já adiantado no Capítu lo 3, para fins de real ização da igual-
dade tributária, na esteira de LUÍS EDUAR DO SCHOUERI332, entendemos
que a identificação dos critérios de discrímen constitucionalmente válidos
deve se iniciar pel a justificação de cada uma da s espécies tributárias.
No que se refere aos tributos não vinculados a uma atuação estatal,
como é o caso do IRPJ e da CSLL, viu-se que, por encontrarem-se funda-
mentados no princípio da solid ariedade, o critério de disc rímen para defini r
quem deve ou não ser tributado é a capacidade contr ibutiva, a qual funciona
como verdadeiro corolário da ig ualdade tributária.
Além disso, viu-se que, no nosso entendimento, o art. 145, § 1º, da
Constituição Federa l, em que pese conferir um caráter relativo à capacida-
de contributiva em vir tude da expressão “sempre que possível”, obriga, de
forma absoluta, que a capacidade contributiva seja explorada ao máximo
pelo legislador, nos casos em que tal obediência seja viável. Isso significa
que o regime jurídico de cada tributo deve ser integ ralmente observado
para, com base nesse regime, alcançar-se a capacidade contributiva “pró-
pria” de cada tributo que deve ser idea l e efetivamente tributada, a qual não
pode ser restri ngida, nem ampliada, sob pena de violação da reg ra da capa-
cidade contributiva e, consequentemente, do próprio princípio da igualda-
de tributária.
E é exatamente neste aspecto que se revela a relação existente entre
arm’s length, igualdade tr ibutária e capacidade contributiva, uma vez que o
regime jur ídico do IRPJ e da CSLL, em geral, e as reg ras de preços de trans-
ferência da Lei n. 9.430/1996, em particul ar, estabelecem que a única “renda”
passível de ser validamente tributada pela pessoa jurídica seja o lucro
332 SCHOUERI, Luí s Eduardo. Direito Tributário, 6. ed. São Paulo: Sar aiva, 2016, p.
349-355.
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Preços de transferência
apurado a parti r de transações levadas a efeito de acordo com as regras de
mercado e de livre concor rência333.
Tal conclusão resulta da própria aplicação da teoria da igua ldade ao
caso concreto. No IRPJ e na CSLL (tributos não vinculados), a capacidade
contributiva é o critério de discrímen por excelência para comparar contri-
buintes, verif icar se estão em situação equivalente e, por consequência, se
devem ser tributados da mesma forma. Assim, nos casos em que o lucro de
um contribuinte resulta de transações com empresas vinculadas ou com
pessoa, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em pa ís com tri-
butação favorecida ou em regime fiscal privilegiado, é comparado com o
lucro de outro contribuinte, oriundo apenas de tra nsações independentes,
constata-se que não se está compara ndo contribuintes em situação equiva-
lente. Isso porque, o lucro do primeiro não tem origem em transações cem
por cento afetadas pelas reg ras de mercado, ao contrário do lucro apurado
pelo segundo. Ou seja, se as rea lidades econômicas de tais contribui ntes são
diferentes, eles não podem se r tributados da mesma forma.
No mesmo sentido é o entendimento de LUÍS EDUAR DO SCHOUE-
RI quando ana lisa a questão:
Especif icamente na matéria tributária, su rge como primeiro cri-
tério ou parâmetro, escol hido pelo próprio constitui nte, a capaci-
dade contributiva. Nesse sent ido, deve a tributação partir de uma
comparação das capacidades econômicas dos potenciais contri-
buintes, exig indo-se tributo igual de contribuinte em equivalen-
te situação. Por óbvio, tal princípio somente se concretiza quan-
do é possível compararem-se os contr ibuintes.
No caso de trans ações entre pessoas vinculada s, entretanto, as reali-
dades econômicas são diversa s, frustrando-se qua lquer comparação.
A diversidade acima ap ontada resulta da circu nstância de as tra n-
sações entre partes v inculadas não terem passado pelo mercado,
como o fizera m as empresas independentes.
Assim, pode-se d izer que enquanto a moeda constante n as contas
das empresas com tra nsações controladas está expressa em
333 “Com efeito, num mercado em que a s partes independente s relacionam-se comer-
cialmente, é r azoável admitir que c ada qual busca tra zer para si as maiores vant a-
gens possívei s, e que da tensão dialética qu e exsurge a cada tra nsação, resulta um
preço, denominado ‘pre ço de mercado’, que nada mais é do que o parâmetr o para
distr ibuir a riquez a (ou a renda) entre as partes.” (SCHOUER I, Luís Eduard o.
Preços de Transferênc ia no Direito Tributário Bra sileiro, 3. ed. rev. e atual. São Paulo:
Dialética, 2 013, p. 13).
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4. Arm’s length e igualdade
unidades ‘reais de g rupo’, empresas independentes têm seus re-
sultados expres sos em ‘reais de mercado’.334-335
Como já adiantado, o arm’s length não foi expressamente previsto em
nosso ordenamento jurídico, havendo apenas uma referência indireta a ele
na exposição de motivos da Lei n. 9.430/1996336, poder-se-ia alegar, como o
334 SCHOUERI, Lu ís Eduardo. Preços de Transferên cia no Direito Tributá rio Brasileiro, 3.
ed. rev. e atual. São Paulo: Dia lética, 2013, p. 16.
335 Metáfora semelh ante também é mencionada por JEF FREY P. OWENS: “It is es-
sential, for ex ample, when comparing cont rolled and uncontrolled t ransactions,
to compare lik e with lik e – to compare apples wit h apples and not apples with
pears. However, the tra nsactions do not have to be identical in or der to be
comparable, provided t hat any differences a re either not materia l or can be ad-
justed for on a reasona bly accurate basis. To continue the fr uit metaphor, green
apples may stil l be comparable with red apples, prov ided that one can adjust for
any dif ferences in market price s due to differences i n colour or taste”. (OWENS,
Jeffrey P. Should the Ar m’s Length Princ iple Retire?, in: International Transfer Pri-
cing Jour nal, vol. 12, n. 3. Amsterdam: I BFD, 2005, p. 99). Tradução livre: “É es-
sencial, por e xemplo, ao comparar tra nsações controlad as e não controlada s,
para compara r coisa com coisa – para comparar maçã s com maçãs e não maçãs
com peras. No entanto, a s transações não têm que ser idê nticas para serem com-
paráveis, desde q ue qualquer das diferença s não sejam materiais ou possa m ser
ajustadas em u ma base razoavel mente precisa. Pa ra continuar a met áfora das
frutas, m açãs verdes ainda pode m ser comparáveis com maçãs vermel has, desde
que seja possível ajusta r as diferenças de preço s de mercado devido a diferença s
de cor ou sabor”.
336 “Exposiç ão de Motivos n. 470 – Em 15/10/1996: Excelentíssimo Senhor Pr esidente
da República, Temos a honra de submete r à apreciação de Vossa Excelência o in-
cluso Projeto de Le i, que altera a legislação t ributária federa l.
2. Em 1995, foram sancionad as as Leis ns. 9.249 e 9.250, de 26 de dezem bro daquele
ano, as quais tom aram-se o marco i nicial de moder nização da leg islação do impos-
to de renda, tendo em v ista os critérios de simpl ificação, harmon ização e univer-
salização nela s adotados.
3. O atual projeto se in sere nesse esforço de mo derniz ação e, sendo mais
abrangente, es tende a outras áre as os princípios que norteara m a elaboração
da referida leg islação, ao mesmo tempo em que aperf eiçoa os mecanismos que
permitem a ver ificação ágil e ef iciente do cumprimento da obr igação tributá-
ria dentro das práticas at uais de mercado, em u ma economia cada vez ma is
globalizad a.
[...]
12. As normas contid as nos arts. 18 a 24 representa m signific ativo avanço da legisla-
ção nacional face ao i ngente processo de global ização, experiment ado pelas econo-
mias contemporâ neas. No caso específico, em confor midade com regras adotadas nos
países integrantes da OCDE , são propostas normas que possibilitam o controle dos de -
nominados ‘Preços de Transferênci a’, de forma a evitar a prática, lesiva ao s interesses
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