Autoridade parental e guarda dos filhos, sob uma perspectiva civil-constitucional

AutorAnna de Moraes Salles Beraldo
Páginas9-34
CAPÍTULO
I
AUTORIDADE PARENTAL E GUARDA
DOS FILHOS, SOB UMA PERSPECTIVA
CIVIL-CONSTITUCIONAL
1.1 DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL
O Código Civil de 1916, considerado a “Constituição do direito pri-
vado”, era fruto da doutrina individualista do Código de Napoleão, cuja
propriedade e contrato necessitavam ser protegidos dos privilégios feudais.
O objetivo era frear a ingerência estatal, visando à circulação de riquezas.
Desse modo, o Código Civil era o monopolizador das relações privadas,
buscando a segurança e a estabilidade.1 Nessa época prevalecia a ideia de
que o Estado não deveria intervir em certos vínculos, pois pertenciam pura-
mente à ordem privada.
Com a industrialização e a reivindicação de direitos por movimentos
sociais, observou-se a necessidade de uma intervenção estatal cada vez mais
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brar o quadro social. Assim, diante dessa evolução, o Código Civil perde
sua centralidade, tendo em vista os inúmeros estatutos que passam a for-
mar microssistemas de direito privado. Ocorre que essa fragmentação do
ordenamento, por vezes, mostrava algumas incoerências entre normas e até
disparidades de valores.2
O objetivo do texto constitucional de 1988 foi, então, proporcionar uma
nova unidade ao sistema, por meio de uma releitura do ordenamento, atra-
vés de princípios e cláusulas gerais, dos quais cabe ao intérprete depreender
os comandos normativos. Ademais, a Constituição Federal passou a prio-
rizar os valores existenciais em detrimento dos estritamente patrimoniais.
1 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, In:
______.  3. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 01-03.
2 Ibidem, p. 04-11.
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10
GUARDA DOS FILHOS E MEDI AÇÃO FAMILIAR
ANNA DE MORAES SA LLES BERALDO
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do Direito.
O ordenamento jurídico brasileiro é um sistema no qual, ao lado das
normas legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e
valores éticos. Esses princípios, como explica Flavia Piovesan, constituem
o suporte axiológico que confere coerência interna e estrutura harmônica a
todo ordenamento jurídico. “Assim, a interpretação constitucional é aquela
interpretação norteada por princípios fundamentais, de modo a salvaguar-
dar, da melhor maneira, os valores protegidos pela ordem constitucional”.3
Nesse sentido, os conceitos do Código Civil passam a ser relidos à luz
da Carta Magna e não mais de maneira isolada. O Direito contemporâneo
procura compatibilizar o Direito Civil e as legislações especiais com o texto
constitucional. Há uma interpenetração entre a esfera pública e a privada.
Elucidadoras são as palavras de Gustavo Tepedino:
A perspectiva de interpretação civil-constitucional permite que sejam
revigorados os institutos de direito civil, muitos deles defasados da rea-
lidade contemporânea e, por isso mesmo, relegados ao esquecimento e à

demandas sociais e econômicas da sociedade atual.4
Nota-se, pois, uma irradiação dos princípios constitucionais nos espaços
de liberdade individual, havendo um emprego direto das normas constitu-
cionais nas relações jurídicas de direito privado.5 Dessa forma, na aplicação
do Direito, jamais podem ser esquecidos os princípios inseridos na Consti-
tuição, os quais devem servir de base para todo o ordenamento, pois eles são

parâmetros hermenêuticos e visando a realização dos direitos fundamentais.
1.1.1 Princípios Constitucionais norteadores do Direito de Família
Diante das constantes transformações sociais, o legislador não conse-
-
vos interesses e expectativas, o que demonstra a incompletude do sistema,
3 PIOVESAN, Flavia; RUSSO Júnior, Rômolo. Direitos humanos, dignidade e direitos da personali-
dade. In: . Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 3-19, p. 10.
4 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, op. cit.,
p. 21.
5 Idem. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento. In: SOUZA
NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel (Coord.). : funda-

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