O capitalismo de mercado e a mudança de paradigma pela inovação tecnológica

AutorFabio Schwartz
Páginas31-79
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Capítulo 1
CAPITALISMO DE MERCADO E A MUDANÇA DE
PARADIGMA PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
No presente capítulo será feita a contextualização
socioeconômica do fenômeno estudado, por meio da descrição do
momento de passagem da sociedade industrial para a sociedade
informacional, quando as macroinvenções tecnológicas contribuem
para o surgimento da Internet e, consequentemente, da progressiva
migração das relações negociais para o ciberespaço. Como se verá, é
neste cenário de reorganização das relações humanas e da forma de se
fazer negócios que ascende a Economia Compartilhada,
transformando-se num ator impactante nas relações econômicas em
todo o mundo.
1.1 As macroinvenções e o surgimento da Internet
O capitalismo sempre teve por função levar cada aspecto da
vida humana para a economia, transformando tudo o que pode em
produto e negociando em mercado, mediante trocas comerciais. Nesta
lógica, o mercado é quem define os indivíduos, os quais são o que o
mercado diz. Poucos aspectos da vida humana não foram precificados
em mercado, desde a comida, passando pela água, e até mesmo o
DNA. Quase tudo já foi reorganizado e transformado em mercadoria6.
A produção é a ação da humanidade sobre a matéria (natureza)
para apropriar-se dela e transformá-la em seu benefício. Quando se
obtém um produto, parte dele é consumido e outra parte é acumulado
6 RIFKIN, Jeremy. Sociedade com custo marginal zero: A internet das coisas, os
bens comuns colaborativos e o eclipse do capitalismo. São Paulo: Editora M.
Books, 2016, p. 14 - 15.
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em forma de excedente. Assim, o capitalismo sempre visou à
maximização dos lucros mediante o aumento do excedente, que por
sua vez é apropriado pelo capital com base no controle privado sobre
os meios de produção e circulação7.
Portanto, o modelo de economia capitalista sempre buscou a
expansão dos mercados, através da produção de quantidades de bens
cada vez maiores. Tal sistema foi o resultado direto da crença da
sociedade de que o crescimento econômico repousa na competição da
livre iniciativa privada, bem como no sucesso de comprar tudo no
mercado mais barato, inclusive o trabalho, e vender posteriormente
mais caro8.
Durante a segunda metade do século XVIII, muitos setores
industriais perceberam que o aumento da produtividade aliado à
redução dos custos de produção ampliava sobremaneira a margem de
lucros9. É neste contexto que eclode o interesse pelas inovações
técnicas, elevando-se consideravelmente o número de patentes
registradas neste período10.
No século seguinte, a expansão econômica recebe um estímulo
extremamente poderoso, que foi a força a vapor e os produtos a ela
associados, tais como carvão e ferro. Assim, o século XIX foi marcado
pela presença de estradas de ferro em uma enorme escala geográfica,
além dos navios a vapor, os quais introduziram a força mecânica em
diversos países e continentes, ajudando a expandir ainda mais a
7 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Tradução Roneide Venancio
Majer. 18ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Paz e Terra, 2017, p. 74.
8 HOBSBAWM, Eric. J. A era do capital: 1848 - 1875. 28ª ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2018, p. 21.
9 HUNT, E. K.; SHERMAN, Howard J. História do pensamento econômico. 26ª
ed. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 61.
10 Nos cem anos antecedentes ao ano de 1760 registrou-se 102 patentes. O
número de patentes registradas em cada década oscilou entre o mínimo de 22
(1700-1709) e o máximo de 92 (1750-1759). Não obstante, nos trinta anos
subsequentes, a média de patentes, que foi de 205 na década de 1760, saltou
para 294 já na década de 1770. Em 1780 o número atinge extraordinárias 477
patentes, terminando a década de 1790 com 547. (BENDIX, Reinhard. Work
and Autority. Nova York: Harper & Row, 1963, p. 27).
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produção, promovendo uma acumulação de riquezas em patamares
inéditos até então11.
No continente europeu, já a partir de 1850, o carvão mineral
substituiu o carvão vegetal, passando a ser o principal combustível
desta década. Além disso, o alto-forno Siemens-Martin tornou possível
a manufatura de aço a um preço bem mais baixo. Desta forma,
conforme afirma Hobsbawn “a revolução da década de 1870 ainda era
impulsionada pelo ímpeto gerado pelas inovações técnicas do período
de 1760 a 1840”12.
Neste diapasão, Carlota Peres chama a atenção para o papel
primordial da redução dos custos de fatores de produção. Tal realidade
teria levado as sucessivas transformações produtivas de
desenvolvimento, principalmente com o incremento da produção,
barateando os bens e serviços, tornando-os acessíveis a classes sociais
mais baixas13.
Novas formas de organização do conhecimento começaram a
impactar as técnicas produtivas. Um corpo de conhecimentos
sistemáticos e complexos, aos poucos, foi substituindo os métodos
tradicionais de produção, trazendo evoluções e mudanças substanciais
no processo produtivo14. Assim, o desenvolvimento da máquina a
vapor, considerada a quintessência inventiva da Revolução Idustrial,
influenciou a termodinâmica, enquanto que os conhecimentos sobre
eletricidade e do magnetismo formaram a base para o surgimento da
indústria eletro-técnica. Consagrou-se, a partir de então, o sistema de
11 HOBSBAWM, Eric. J.. Da revolução industrial inglesa ao Imperialismo. 6ª ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011, p. 77.
12 Ibidem, p. 78.
13 PEREZ, Carlota. Structural change and the assimilation of new technologies in
the economic and social system. Futures, v. 15, nº 5, pp. 5-75.
14 Nas indústrias antigas as melhorias e mudanças eram feitas
predominantemente na “bancada”, ou seja, havia uma participação direta dos
trabalhadores. Entretanto, a profissionalização da P&D estabeleceu uma base
regular e sistemática, de forma que as inovações começam a ocorrer em escala
muito maior, passando tais melhorias a depender da organização e compreensão
de princípios científicos teóricos. (FREEMAN, Christopher; SOETE, Luc.
economia da inovação industrial. São Paulo: Unicamp, 2008, p. 41)

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