A confiança como amálgama da economia compartilhada

AutorFabio Schwartz
Páginas133-187
133
Capítulo 3
CONFIANÇA COMO AMÁLGAMA
ECONOMIA COMPARTILHADA
Neste capítulo, o trabalho procura descortinar como a
confiança se posicionou como elemento central da Economia
Compartilhada, tornando possível não sua própria existência, mas
bem como o motivo do sucesso desta novel forma de se contratar
produtos e serviços no mercado de consumo.
O objetivo desta passagem é demonstrar que a confiança é a
verdadeira amálgama da Economia Compartilhada, cuja captação é
deliberadamente buscada (através de marketing e mecanismos de
reputação), além de muito ansiada, tal qual a própria remuneração dos
produtos e serviços ofertados no ambiente do ciberespaço.
Para tanto, a confiança será examinada não como um construto
unidimensional 298 , mas como sendo multidimensional, ou seja,
imbricando as dimensões sistêmica, cognitiva, afetiva,
comportamental e as relações jurídicas de consumo, conforme adiante
consignado299.
3.1 confiança na dimensão sistêmica
Neste primeiro momento, importa explanar sobre a confiança
do ponto de vista sociológico e sua indispensabilidade no âmbito da
sociedade, principalmente como ela se estrutura nos sistemas e
298 CASTALDO, Sandro. Trust Variety: Conceptual Nature, Dimensions and
Typoligies. In: IMP 2003 CONFERENCE, Lugano, Switzerland, v. 4-6, Sept.,
2003.
299 BARBER, Bernard. The Logic and Limits of Trust. New Brunswick, NJ:
Rutgers University Press, 1983.
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organizações sociais, ou seja, a confiança sistêmica, que não se
confunde com a confiança gerada pela familiaridade interpessoal300.
É imprescindível fazer esta contextualização, de molde a deixar
bem marcado que o período histórico atual é diferente daquele que se
apresentava até a eclosão da Primeira Guerra Mundial301, no qual havia
uma firme noção de segurança social e, principalmente, uma crença
quase inabalável no desenvolvimento crescente da civilização. Foi este
evento traumático da história da humanidade que começou a provocar
o colapso do otimismo e das certezas até então vigentes. Eric
Hobsbawm é enfático ao descrever que “entre as guerras, a economia
mundial capitalista pareceu desmoronar”, iniciando-se uma era de
incertezas302.
A partir da Segunda Guerra Mundial, mediante outros eventos
igualmente impactantes na história da humanidade, os traços essenciais
de uma nova era começaram a ser delineados. Muitos foram os rótulos,
poucas as certezas303.
É possível destacar as expressões mais utilizadas, a saber:
“modernidade reflexiva” (U. Beck), “hipermodernidade”
(Lipovetsky), sociedade pós-industrial (De Masi), “sociedade em
impasse” (M. Crozier), sociedade despreparada (D. Michael), idade
do equilíbrio (L. Mumford), consciência III (C. Reich), “século
casual” (M. Harrington), “estado de entropia” (H. Henderson),
“sociedade narcisista” (Ch. Lasch), “sociedade programada” (A.
300 “É necessário ver e pesquisar o direito como estrutura e a sociedade como
sistema, em uma relação de interdependência recíproca”. (LUHMANN, Niklas.
Sociologia do Direito 1
.
Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1983. p. 15)
301 Acreditava-se que a ciência levaria ao controle das forças da natureza, de forma
a orientar a humanidade na construção de um grande futuro, cujo percurso se
daria por um caminho de aboluta segurança. (FREIRE, Ricardo Maurício.
Tendências do pensamento jurídico contemporâneo. Salvador: Juspodvm, 2007)
302 HOBSBAWM, Eric J.. A era dos extremos: o breveculo XX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995, p. 89.
303 DE MASI, Domenico (Org.). A sociedade pós-industrial. 4ª ed. São Paulo:
Editora Senac, 2003, p. 33.
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Touraine e Z. Hegedus), “sociedade pós-moderna” (J.F. Bouding),
sociedade pós-capitalista (R. Dahredorf), sociedade do capitalismo
maduro (C. Offe), sociedade do capitalismo avançado (K.
Galbraith), sociedade sadia (E. Fromm), sociedade pós-
materialista (R. Inglehart), sociedade tecnotrônica (Z. Brzezinski),
terceira onda (Toffler), sociedade dos serviços (J. Gershuny e W.
R. Rosengren) e, por fim, a “era da descontinuidade (Drucker)304.
É deste período em diante que se tem a internacionalização dos
processos produtivos, passando a atividade econômica a se organizar
de maneira global, com impactos nas relações sociais, principalmente
com a intensificação do comércio no mundo. Para acompanhar este
frenesi, têm-se uma exigência cada vez maior de se formatar meios
ágeis de circulação jurídica dos bens de consumo305.
Segundo o
Oxford English Dicionary306
, confiança é a “crença
ou crédito em alguma qualidade ou atributo de uma pessoa ou coisa,
ou a verdade de uma afirmação”.
Guidens apresenta uma definição de confiança como sendo
a crença na credibilidade de um indivíduo ou de
um sistema baseado em resultados ou eventos,
em que essa crença expressa uma fé na probidade
ou amor de um outro, ou na correção de
princípios abstratos (conhecimento técnico)307.
E como se depreende da própria descrição do novo modelo
econômico compartilhado, crer na possibilidade de antecipação de
acontecimentos futuros têm se tornado cada dia mais difídil, diante de
um mundo que tem se tornado muito mais complexo. As mudanças,
304 Apud DE MASI, Domenico, ibidem.
305 Ibidem, p. 90.
306 Oxford English Dicionary.
Disponível em: <https://www.lexico.com/en/english>. Acesso em 08 de agosto
de 2017.
307 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora
UNESP, 1991, p. 36.

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