Caracterização geral

Páginas3-26
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CARACTERIZAÇÃO GERAL
O objeto deste livro é o estudo das águas encontradas no continente. Em-
bora se mencione a disciplina jurídica das águas doces, embora predomine essa
categoria, há que registrar a ocorrência de águas salobras e mesmo salinas1 no
território continental.
Estão em destaque as questões legais concernentes aos recursos hídricos,
seu domínio, suas utilizações e os efeitos adversos. Por se tratar de matéria in-
terdisciplinar, envolvendo aspectos que vão além da simples análise jurídica,
impõe-se o estabelecimento de conceitos especícos, que devem ser previamente
esclarecidos para facilitar o entendimento do tema e tornar mais precisos os
posicionamentos apresentados.
Alguns termos técnicos serão apenas transcritos de obras especializadas.
Outros, contudo, por se referirem mais diretamente aos textos legais e ensejarem
discussões de cunho jurídico, serão analisados de forma mais abrangente.
1.1 NOÇÃO DE DIREITO DE ÁGUAS
O conceito de direito de águas evoluiu, à medida que evoluíram as relações
sociais, em que novas preocupações, sobretudo com o meio ambiente, fator que
marca profundamente a história da Humanidade a partir da segunda metade do
século XX, vieram alterar o mundo jurídico.
A doutrina reete essa evolução. Conforme Alberto G. Spota, jurista argen-
tino da primeira metade do século XX,
o direito de águas é constituído por normas que, pertencentes ao direito público e ao privado,
têm por objeto regular tudo o que concerne ao domínio das águas, seu uso e aproveitamento,
assim como as defesas contra suas consequências danosas.2
1. Resolução CONAMA 357/2005, art. 2º, I – águas doces: águas com salinidade igual ou inferior a 0,5
‰; II – águas salobras: águas com salinidade superior a 0,5 ‰ e inferior a 30 ‰; III – águas salinas:
águas com salinidade igual ou superior a 30 ‰.
2. SPOTA, Alberto G. Tratado de derecho de águas. Buenos Aires: Jesús Ménedez, 1941. t. 1, p. 50.
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DIREITO DE ÁGUAS • Maria Luiza Machado Granziera
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Mais recentemente, Cid Tomanik Pompeu, na mesma linha de raciocínio,
adotou posição relativa ao direito de águas como o
conjunto de princípios e normas jurídicas que disciplinam o domínio, uso, aproveitamento, a
conservação e preservação das águas, assim como a defesa contra suas danosas consequências.3
A denição de Tomanik Pompeu atualizou o conceito de Spota, inserindo a
conservação e a preservação da água como um dos componentes desse ramo do
direito. O autor deixou de efetuar a divisão entre direito público e privado, com
o que concordamos, pois não há como negar a prevalência do interesse público
sobre o privado no que se refere aos recursos hídricos, inclusive pelo fato de serem
eles considerados recursos ambientais, e a Lei 9.433/97, que institui a Política
Nacional de Recursos Hídricos, tê-los declarado como bens de domínio público.
Anal, de acordo com o pensamento de Miguel Reale, o conteúdo de toda relação
jurídica é o interesse.4
Avançando ainda, e considerando a importância da gestão dos recursos hí-
dricos, pode-se denir o direito de águas como o conjunto de princípios e normas
jurídicas que disciplinam o domínio, as competências e o gerenciamento das águas,
visando ao planejamento dos usos, à conservação e à preservação, assim como a
defesa de seus efeitos danosos, provocados ou não pela ação humana.
O domínio, o uso e a proteção dos recursos hídricos serão objeto de itens
especícos no presente livro, assim como as consequências danosas, tendo em
vista que, conforme argumenta Spota, a água não é apenas um fator de riqueza
e de bem-estar geral, mas pode causar danos a pessoas e bens, como no caso das
secas e inundações. Com a intensicação da mudança do clima, que afeta dire-
tamente o ciclo da água5, os efeitos danosos passam a ter maior destaque, pela
necessidade de buscar medidas de adaptação e resiliência, com vistas a minimizar
esses efeitos sobre as populações, a biodiversidade e as atividades econômicas.
Constituem fontes do direito de águas a lei, a doutrina e a jurisprudência,
assim como os tratados internacionais.
3. POMPEU, Cid Tomanik. Águas doces no direito brasileiro. In: Águas doces no Brasil: capital ecoló-
gico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras, 1999. p. 601; e Enciclopédia Saraiva do Direito, “sub
voce” Direito de Águas, SP, 1977; e POMPEU, Cid Tomanik. Direito de Águas no Brasil, 2. ed. revista,
atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 43. O autor acrescentou ao conceito
o termo conservação.
4. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 336.
5. NAKICENOVIC, N., ROCKSTRÖM, J., GAFFNEY, O. and ZIMM, C. Global Commons in the An-
thropocene: World Development on a Stable and Resilient Planet, p. 20. Disponível em: https://www.
iucn.org/sites/dev/les/global_commons_in_the_anthropocene_iiasa_wp-16-019.pdf. Acesso: 10
maio 2021.
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