Causas Especiais de Exclusão (Art. 142)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas941-959
Tratado Doutrinário de Direito Penal
941
Art. 142
Não constituem “injúria” ou “difamação” punível:
a) A ofensa irrogada em Juízo, na discussão
da causa, pela parte ou por seu procurador;
Heleno Cláudio Fragoso, ao fazer menção à
imunidade judiciária, exalça que não constitui crime
a injúria ou a difamação irrogada em Juízo, na dis-
cussão da causa, pela parte ou seu procurador. Tra-
ta-se da chamada imunidade judiciária, que já era
acolhida pelo Direito romano (Codex, II, 6o, § 1o). O
que ocorre em tal caso é o animus defendendi, que
exclui a vontade de ofender. Não se indaga, no en-
tanto, da concorrência do propósito de ofender, mo-
tivo pelo qual, a existir tal propósito, haverá exclusão
da antijuridicidade. A injúria ou difamação feitas na
discussão da causa, pela parte ou por seu procura-
dor, são levadas à conta da normal e razoável exal-
tação de ânimos dos litigantes na defesa de seus
direitos. Como a rma Couture:2126 A advocacia é
uma luta de paixões. “Não é certamente um ca-
minho glorioso; está feito, como todas as coisas
humanas, de penas e de exaltações, de amargu-
ras e de esperanças, de desfalecimentos e de
renovadas ilusões’’. Caracteriza-se nossa ação e
nossa militância pela mentalidade predominan-
temente crítica e combativa que a domina.2127 Di-
zia mesmo que fazem parte de nosso ministério
a noble véhémence e a saint hardiesse”.2128
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Por que a exclusão não alcança o delito de
calúnia?
2126 “Los mandamientos del abogado’’, 1966, 11.
2127 CALAMANDREI, “Demasiados Abogados’’ 1960, 48.
MOLIÈRAC “Initation au Burreau’’ 1947, 110.
2128 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 7. ed.,
Rio de Janeiro:Forense, 1983. Parte Especial, p. 198-199.
Resposta. Correto o escólio de Pierangeli:2129
Desde logo salta que a imunidade só diz respeito à
difamação e à injúria, pois, tratando-se de calúnia,
que é imputação de fato criminoso, há interesse pú-
blico na sua elucidação, não se justi cando, pois, a
criação de obstáculos para tal providência.
A imunidade e o Promotor
Com razão, Marcelo Fortes Barbosa, quando
a rma: “Em ofensa caluniosa no plenário do júri, por
exemplo, quando o Advogado diz que o Promotor
está subornado pela família do réu para pedir sua
absolvição, está-se diante de uma acusação crimi-
nosa e que necessita de apuração, porque, caso
comprovada, fará com que o órgão do Ministério Pú-
blico seja responsabilizado nos termos do art. 317
do Código Penal daí por que a calúnia não pode ser
incorporada às causas de exclusão de crime.”2130
Observe que o representante do Ministério Pú-
blico somente pode ser inserido no contexto da
imunidade judiciária (como autor ou como vítima da
ofensa) quando atuar no processo como parte. As-
sim é o caso do Promotor de Justiça que promove
a ação penal na esfera criminal. Se ele ofender a
parte contrária ou for por ela ofendido, não há crime
a ser punido. Entretanto, não se considera parte, no
sentido da excludente de ilicitude, que se refere com
nitidez à “discussão da causa”, o representante do
Ministério Público quando atua como scal da lei.
Neste caso, conduz-se no processo, imparcialmen-
te, tal como deve fazer sempre o magistrado, não
devendo “debater” a sua posição, mas apenas sus-
tentá-la, sem qualquer ofensa ou desequilíbrio.2131
2129 PiErANgELi, José Henrique. Manual de Direito Penal
brasileiro – Parte Especial. São Paulo: Editora RT. p. 227.
2130 Crimes contra a honra, p. 68.
2131 Nesse sentido: NUCCI, Guilherme de Souza, editora RT, 2.
ed., 2002.
Capítulo 5
Causas Especiais de Exclusão (Art. 142)
Tratado Doutrinário de Direito Penal [17x24].indd 941 08/02/2018 14:49:29
Francisco Dirceu Barros
942
943
Art. 142
Ofensa contra Promotor: há imunidade quan-
do a ofensa estiver ligada à discussão da causa.2132
Não há, porém, quando o Promotor atua em processo
civil, como scal da lei.2133 Ofensa proferida por Pro-
motor contra Advogado: a imunidade não acoberta
a que ele proferiu nas dependências do fórum, mas
alcança a que escreveu nos autos.2134
A inviolabilidade do Promotor de Justiça é previs-
ta na Lei nº 8.625/1993, art. 41, inciso V, in verbis:
Constituem prerrogativas dos membros do Minis-
tério Público, no exercício de sua função, além de
outras previstas na Lei Orgânica:
(...)
V – gozar de inviolabilidade pelas opiniões que exter-
nar ou pelo teor de suas manifestações processuais
ou procedimentos, nos limites de sua independência
funcional;
(...)
Destaca de Rogério Greco2135 que:
Se o representante do Ministério Público atua
como parte na relação processual, seja ela civil ou
penal, estará abrigado pela imunidade judiciária.
Contudo,seatuarnofeitonaqualidadedescalda
lei, não mais poderá arguir a mencionada imunidade,
pois que, nessa condição, foge ao conceito de parte
ou de seu procurador, determinados pelo inciso I
A imunidade e o Juiz
Os tribunais têm o seguinte entendimento: a imu-
nidade não alcança as ofensas irrogadas ao Juiz.2136
Se as expressões, embora excessivas e desneces-
sárias, continham-se nos limites da lei e da discus-
são da causa, incide a inviolabilidade constitucional
do Advogado.2137 A contundência e a crítica contra
as decisões do Juiz nem sempre revelam animus
diffamandi ou injuriandi, devendo ser examinadas
com cuidado.2138
2132 TJSP, RT 571/332; TARS, RT 590/405; TJMS, RT 547/382.
2133 STF, RTJ 122/1013.
2134 STF, RT589/433.
2135 grECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial.
Rio de Janeiro: Editora Impetus, v. II., 2006. p. 560.
2136 STF, mv – RTJ 151/150, 126/628, 121/157, RT 640/350,
631/373; TJSP, RT 709/333, mv – 685/328.
2137 STJ, RHC 2.090, DJU 30.11.92, p. 22626, in Bol. AASP nº
1.785.
2138 TJSC, mv – JC 70/359.
CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA
O funcionário do banco
Na doutrina, quanto às ofensas irrogadas pela
parte ou pelo procurador contra o magistrado,
existem duas posições, a seguir explicitadas.
1ª posição: Bitencourt defende que a imunida-
de judiciária abrange, inclusive, a ofensa que é irro-
gada contra o Juiz da causa. É também a posição de
Damásio, Fragoso e Delmanto.
2ª posição: Nélson Hungria sustenta que:
(...) acima da indenida amplitude de defesa de direi-
tos em Juízo está o respeito à função pública, pois,
de outro modo, estaria implantada a indisciplina no
foro e subvertido o próprio decoro da justiça. A licen-
tia conviciandi não pode ser concedida em detrimento
da Administração Pública. A ofensa verbis ou factis ao
magistrado ou ao serventuário, ainda que em razão da
lide e na discussão dela, pode constituir até mesmo o
crime de desacato, como quando ocorre em audiência
aberta, presente o ofendido. Se se trata de ofensa es-
crita, será injúria ou difamação qualicada (art. 141, II).
É também a posição de Capez.
Minha posição: a primeira, com uma ressalva:
a isenção é só quanto à injúria ou difamação, sen-
do punível a calúnia e o desacato. Para abrilhantar
mais ainda a discussão, reproduzo os ensinamentos
de Fragoso e Hungria.
Fragoso2139 cita, a respeito, duas passagens
que, por sua pertinência, merecem ser transcri-
tas, in verbis:
O grande Juiz Rafael Magalhães, um dos maio-
res que o Brasil já teve, quando presidente do Tribu-
nal de Minas Gerais, numa decisão que se tomou
antológica, salientava: “Apontar os erros do julgador,
proigar-lhe os deslizes, os abusos, as injustiças em
linguagem veemente, é direito sagrado do pleitean-
te. O calor da expressão há de ser proporcionado à
injustiça que a parte julgue ter sofrido. Nada mais
humano do que a revolta do litigante derrotado. Se-
ria uma tirania exigir que o vencido se referisse com
meiguice e doçura ao ato judiciário e à pessoa do
2139 FrAgOSO. Lições de Direito Penal – Parte Especial. v. l.
10. ed. 1988, p. 240, apud Bitencourt. BiTENCOurT, Ce-
zar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial. v.
2. 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva, p. 409.
Tratado Doutrinário de Direito Penal [17x24].indd 942 08/02/2018 14:49:29

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT