Da Calúnia (Art. 138)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas885-904
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 138
1. Conceito de calúnia
O delito consiste no fato de o sujeito ativo calu-
niar alguém, imputando-lhe falsamente fato de nido
como crime.
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES
1. Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa
a imputação, a propala ou divulga.
2. É punível a calúnia contra os mortos.
1.1. A exceção da verdade
Colhemos do escólio de Bitencourt que exceção
da verdade signi ca a possibilidade que tem o sujeit o
ativo de provar a veracidade do fato imputado por
meio de procedimento especial.1934
Ainda completa o renomado autor supracitado:
Fala-se em dois sistemas relativamente à admis-
são da exceptio veritatis: um, ilimitado, que acolhe
exceção da verdade, indiscriminadamente, para os
crimes de calúnia e de difamação, e outro, misto,
que estabelece expressamente os casos de con-
cessão ou proibição desse instituto. O Código Penal
brasileiro adotou o sistema misto, com critérios pró-
prios: incrimina separadamente calúnia e difamação
e admite a exceção da verdade, como regra geral,
para a primeira, e, como exceção, para a segunda.
O entendimento amplamente dominante é que
para existir calúnia, é necessário que seja falsa a im-
putação, mas, existem algumas hipóteses nas quais
não se admite a exceção da verdade, ou seja, são
casos que, embora verdadeira a imputação, existe o
crime de calúnia.
1934 BiTENCOurT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal
Parte Especial. v. 2. 4. ed. Editora Saraiva, p. 342.
Os casos são:
a) se, constituindo o fato imputado crime de ação
privada, o ofendido não foi condenado por
sentença irrecorrível;
b) se o fato é imputado ao Presidente da República,
ou contra chefe de governo estrangeiro;
A questão é de política criminal, pois, como diz
o grande Hungria, “a dignidade do Chefe da Nação
exige que este não seja acusado de ações criminosas,
senão perante o poder competente e ressalvadas as
suas prerrogativas constitucionais”.
POSIÇÃO DIVERGENTE
Vicente Greco Filho defende que, no caso em
comento, há possibilidade da exceção da verdade,
pois as restrições não foram acolhidas pela Consti-
tuição Federal.
c) se do crime imputado, embora de ação pública,
o ofendido foi absolvido por sentença irre-
corrível.
Interessante é a colocação de Noronha,1935 quan-
do comenta o item “c”: “se não há mais lugar para
pronunciamento da Justiça, incompreensível seria
que terceiro fosse exumar o fato, para demonstrar
sua veracidade. Seria revisão criminal às avessas,
ao contrário do que prescreve o Código de Processo
Penal, art. 621”.
Sobre exceção da verdade leciona Delmanto:1936
em determinados casos de crimes contra a honra, o
Código Penal admite a exceção da verdade, ou seja,
que o agente prove a veracidade do fato que impu-
1935 Op. cit., p. 126.
1936 Obra já citada.
Capítulo 1
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tou. Ela se processa na forma prevista pelo art. 523
do Código de Processo Penal. Na calúnia (Código
Penal art. 138), ela é permitida, salvo três hipóte-
ses expressas, nas quais é vedada (§ 3o, I-III); Na
difamação (Código Penal, art. 139), ela é de regra
incabível, sendo admissível, apenas, quando o fato
for relativo ao exercício de função pública (parágrafo
único); Na injúria (Código Penal art. 140), ela não
é permitida em circunstância alguma. Em qualquer
das hipóteses nas quais a exceção é facultada, cabe
ao magistrado averiguar sua admissibilidade em
face da própria lei, não estando obrigado a se res-
tringir à classicação dada aos fatos pelo ofendido.
De outra forma, este poderia burlar a previsão legal,
mediante o enquadramento da ofensa em gura que
não permite a exceção da verdade.
CUIDADO: quando o ofendido é Governador de
Estado, deve a exceção da verdade ser julgada pelo
STJ (art. 105, I, a da CF).1937
OBSERVAÇÃO MUITO IMPORTANTE
Repito para melhor xação: a exceção da verdade é
prevista no art. 138 § 3o, in verbis:
Admite-se a prova da verdade, salvo:
I – se, constituindo o fato imputado crime de ação
privada, o ofendido não foi condenado por sentença
irrecorrível;
II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas
indicadas no no I do art. 141;
III – se do crime imputado, embora de ação pública, o
ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
POSIÇÃO DIVERGENTE
Permissa máxima venia, ao entendimento ampla-
mente dominante. Entendo que o parágrafo supraci-
tado não foi recepcionado pelo novo ordenamento
Constitucional, pois, existe um frontal atentado aos
princípios da ampla defesa, contraditório, e esta-
do de inocência. O dispositivo infraconstitucional
elaborado antes da vigência da atual carta magna
para ser recepcionado deve estar em plena conso-
nância com ordenamento superior. Da leitura ainda
que perfunctória dos princípios supramencionados,
1937 STJ – AGREV 21 – CE – C.Esp. – Rel. Min. Eliana Calmon
– DJU 30.10.2000 – p. 118 JCF.105 JCF.105.I.A JCP.139
JCP.139.
constatamos que nenhuma norma pode cercear o
direito que o réu tem de se defender de uma acusa-
ção. Os motivos elencados no parágrafo ora com-
batido, até que são relevantes, mas, entrando em
confronto com princípios que foram projetados com
to de assegurar os direitos humanos fundamentais,
devem ser repelidos do nosso ordenamento jurídico
constitucional.
No sentido da minha posição, veja este julgado:
“A proibição de apresentação da exceptio veritatis
nas hipóteses elencadas no § 3o do art. 138 e nos
termos do art. 523 do Código de Processo Penal não
tem o condão de criar um tipo derivado da calúnia
denido no caput do citado dispositivo, no qual a fal-
sidade da imputação não seria mais seu elemento
constitutivo. Nenhum dispositivo infraconstitucional
pode cercear o direito que o réu tem de se defen-
der de uma acusação. Se esta paira sobre a prática
do delito de calúnia, não se pode proibir o acusado
de pugnar pela atipicidade de sua conduta por au-
sência do elemento normativo do tipo “falsidade”. A
limitação da exceção da verdade alcança apenas a
interposição formal do incidente, tal como previsto
obriga que o magistrado presuma, iuris et de iure, a
falsidade da imputação, o que seria a negação da
presunção de inocência. Recurso provido para ab-
solver a apelante”.1938
1.2. A exceção de notoriedade do fato
Veremos melhor a matéria “exceção de notoriedade
do fato”, no livro Tratado Doutrinário de Processo
Penal. Apenas adianto que, além da exceção de
verdade, também é possível a exceção da notoriedade
do fato imputado. A previsão legal é do art. 523, in
verbis:
Quando for oferecida a exceção da verdade ou
da notoriedade do fato imputado, o querelante po-
derá contestar a exceção no prazo de 2 (dois) dias,
podendo ser inquiridas as testemunhas arroladas
na queixa, ou outras indicadas naquele prazo, em
substituição às primeiras, ou para completar o má-
ximo legal.
1938 TAMG – AP 0347975-8 – 51421 – Uberlândia – 2a C.Crim.
– Rel. Juiz Alexandre Victor de Carvalho – J. 26.02.2002.
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