Da Injúria (Art. 140)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas917-936
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 140
1. Conceito do delito de injúria
O delito consiste no fato de o sujeito ativo injuriar
alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. “Ao
inverso do que sucede na calúnia e na difamação,
não se imputa aqui fato determinado, mas atribuem-
se qualidades negativas ou defeitos”.2060
Nélson Hungria ensinava que a injúria implica
ofensa à dignidade ou ao decoro.2061
Dignidade, na forma disposta pelo código, é a
soma de valores morais que conceituam a honra.
São os predicados subjetivos que formam a totalida-
de moral do homem, como: lealdade, caráter, probi-
dade, etc. O decoro constitui a maneira externa de
a pessoa agir, sua respeitabilidade, sua decência, o
respeito aos outros e a si mesmo. Exemplo: aquela
senhora casada e mãe de  lhos, tendo o marido um
nome bem posto no meio social, sai todos os dias
de automóvel com um rapaz. Temos aí a insinua-
ção maldosa que pode levar à injúria. Temos ainda
outros exemplos: o agente “A” dirige-se ao agente
“B” e a rma:“tu és um calhorda”.“Você é um estelio-
natário”.2062
Repito por ser importante: na injúria, em regra,
não existe a atribuição de fato, e sim de qualidade
negativa que atinge a honra subjetiva do ofendido.
Disse em regra, porque a doutrina minoritária de-
fende que, se for imputado ao agente passivo um
fato genérico, vago e indeterminado, poderá haver
injúria.
Bento de Faria a rma que “pode existir injúria
em reticências, ironia, alusão; insinuação, em apólogo;
2060 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit. p. 111, 119 e 124.
2061 Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense,
1958. v. 6, p. 87.
2062 Nesse sentido: NASCIMENTO, José Flávio Braga. Direito
Penal, Parte Especial, Editora Atlas, 2000.
no fato de dar a um cão o nome de indivíduo; de
dizer que alguém trocou a consciência por um em-
prego; de chamar alguém de asno, etc.”.
OBSERVAÇÃO PRÁTICA IMPORTANTE
O Estatuto do Idoso, publicado no Diário O cial
da União, em 3 de outubro de 2003, com uma va-
catio legis de noventa dias, criou novos tipos penais
em seus arts. 95 a 109, e ainda acrescentou e al-
terou alguns dispositivos do Código Penal, visando
à tutela da pessoa idosa. Quanto a injúria temos
a seguinte alteração: foi inserido o tipo penal autô-
nomo de injúria quali cada, sempre que a mesma
decorrer em razão da condição de pessoa idosa ou
portadora de de ciência (veja o art. 140, § 3o, do Có-
digo Penal).
2. Análise didática do tipo penal
Da análise do conceito supracitado, conclui-se
que a conduta típica consiste em ofender a honra
subjetiva da vítima.
2.1. Os meios de prática da injúria
Mirabete, valioso colega do Ministério Público de
São Paulo, por quem eu tenho imensa gratidão, pelo
prefácio que foi realizado em um dos meus livros,
apresenta valiosa lição a rmando que “a injúria pode
ser praticada pelos mais variados meios, como pela
palavra falada, por escritos, gestos, meios simbóli-
cos, comportamentos, etc. Pode ser imediata, pro-
ferida pelo agente diretamente, ou mediata, quando
este se vale de uma forma de reprodução (criança,
gravação, papagaio, etc.). Pode ser implícita, equí-
voca, irônica, interrogativa, truncada, simbólica,
condicionada. Embora não se exija a presença da
vítima, ocorrerá o crime se o agente faz com que o
Capítulo 3
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insulto seja a ela comunicado. Não se admite a ex-
ceção da verdade na injúria, uma vez que não está
ela relacionada com fato preciso, mas com as qualida-
des da vítima, que não podem ser questionadas pelo
agente.”2063
2.2. O perdão judicial
O juiz pode deixar de aplicar a pena, nas seguin-
tes hipóteses:
a) quando o ofendido, de forma reprovável, provocou
diretamente a injúria;
b) no caso de retorsão imediata, que consista em
outra injúria.
Veja que no item “a” o legislador usou a pala-
vra “provocou” e no item “b” a “retorsão”. Nélson
Hungria2064 apresenta valiosa lição distinguindo
asduasguras: “A provocação distingue-se da
retorsão pelo seguinte: na retorsão, a injúria é
contragolpe de outra injúria, podendo ambas -
car impunes; na provocação, a injúria é revide
contra qualquer conduta reprovável (seja ou não
antijurídica, criminosa ou não, intencional ou cul-
posa), que, se constitui crime ou contravenção
(lesão corporal, ameaça, violação de domicílio,
constrangimento ilegal, calúnia, difamação, vias
de fato, etc.), não será abrangido pelo autorizado
favor da impunidade. Ainda mais: na retorsão, a
primeira injúria pode ter sido espontânea (cons-
tituindo uma provocação) ou ter sido provocada
por atitude anterior do retorquente: em qualquer
caso, porém, não ca excluída a possibilidade
do perdão judicial para ambas as partes.
Bitencourt adverte que, “no caso de retorsão,
mais que na provocação reprovável, a proporcio-
nalidade assume importância relevante, não que
se deva medir milimetricamente as ofensas, mas
é inadmissível, por exemplo, retorquir uma injúria
comum com uma injúria real ou, principalmente,
com uma injúria preconceituosa. A desproporção e
o abuso são agrantes, e esse ‘aproveitamento’ da
situação é incompatível com os ns do Direito Penal.
Isso poderá representar, em outros termos, o excesso
punível.2065
2063 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal interpretado, Edi-
tora Atlas, 1999.
2064 Op. cit. v. VI, p. 105.
2065 BITENCOURT, Cézar Roberto. Manual, cit., v. 2, p. 248.
Quando o vitupério é proferido no calor dos fa-
tos, nos quais a intemperança e a inexão são notas
usuais, não está o agente imbuído da intenção de
menosprezar a honra alheia, mas, tão somente, de
dar vazão a seu inconformismo com o ato tido como
injusto. Não conguram delito de injúria as expres-
sões promovidas no auge do calor de um processo
judicial, onde se postula em causa própria. Falta ao
agente, portanto, o dolo indispensável à congura-
ção da infração. No caso concreto a sentença refor-
mada para absolver o réu da imputação a ele feita
na denúncia.2066
O grande Hungria ensinava que não podemos
confundir retorsão com compensação de crimes:
“Justamente ponderava Pessina que a compensa-
ção não é consentânea com o m da justiça punitiva,
além de contrária à índole própria do crime, não sen-
do admissível ‘que os crimes recíprocos se compen-
sem entre si como débitos recíprocos, por isso que
cada crime é sempre qualquer coisa que em si con-
tém uma ofensa à ordem social, e, das injúrias pro-
feridas, a primeira não deixava de ser crime porque
outro crime lhe sobrevém, por ela provocado.”2067
Conra-se este recente caso apreciado pelo Su-
premo Tribunal Federal, no qual foi aplicada a retorsão
imediata, prevista no art. 140, §1º, II, do Código Penal,
Injúria: ofensa recíproca e perdão judicial
Em virtude da incidência do perdão judicial
(CP/1940, art. 107, IX), a primeira turma extinguiu
ação penal e declarou extinta a punibilidade de de-
putado federal acusado de suposta prática de crime
de injúria.
O deputado federal teria publicado em rede so-
cial declarações ofensivas à honra de governador
de estado-membro. A publicação, extraída do perl
pessoal do acusado, teria sido capturada por meio
de “print screen”.
A turma reconheceu a materialidade e autoria
delitivas, e afastou a inviolabilidade parlamentar
material, pois as declarações teriam sido proferidas
fora do recinto parlamentar e em ambiente virtual.
Observou, portanto, não haver relação entre as de-
clarações e o exercício do mandato.
2066 TRF 2ª R. – ACr 97.02.08842-9 – RJ – 4a T. – Rel. Des. Fed.
Frederico Gueiros – DJU 25.02.1999 JCP.140 JCP.141.II.
2067 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, cit., v.
VI, p. 100.
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