A reconstrução do conceito de subordinação

AutorLuiz Carlos Amorim Robortella
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas18-34

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Esta homenagem, que muito me honrou escrever, inspira-se ñas ideias do eminente sociólogo, professor, escritor e conferencista José Pastore, as quais marcarao muitas geracóes de estudiosos das relacóes de trabalho. Sua inteligencia, cultura, sabedoria e sensibilidade sempre pairaráo sobre o pensamento social e económico brasileiro.

Mais que tudo, um adorável ser humano, amante do que de mais belo e generoso a vida pode dar.

1. Eficacia económica e social

As sociedades modernas buscam a construcao de um modelo político que tenha eficacia económica, eficacia social e sustentabilidade.

A nova arquitetura política e social deve compatibilizar a preservacáo do meio ambiente e dos recursos naturais com o desenvolvimento. Nao se pode mais calcular o nivel de riqueza apenas com base na capacidade de produzir bens e servicos; segundo José Eli da Veiga, "o aumento do PIB já se tornou

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antieconómico em varios países do primeiro mundo. Um crescimento que mais acumula mazelas do que acrescenta riquezas" (VEIGA, 2011).

O sistema representativo tradicional nao atende á grande multiplicidade e heterogeneidade de ¡nteresses; a sociedade se organiza e se mobiliza em grupos que querem participar dos processos de decisáo, mudando o perfil do poder. O Estado se vé compelido a aceitar formas de negociacáo e cooperacáo horizontais, em regime de coordenacáo (CHEVALLIER, 2008).

Nos países desenvolvidos e emergentes há crescente exigencia de melhor distribuicáo da riqueza; segmentos sociais protestam e reivindicam a reducáo das desigualdades, as vezes com atos de violencia. Exemplo chocante é o sequestro em 2009 pelos trabalhadores franceses de um executivo, em virtude dos planos empresariais de dispensa coletiva (LE FÍGARO. Entreprises, 12.5.2009).

No primeiro de maio de 2009 houve mobilizacóes em varias capitais europeias; em Paris, oito centráis sindicáis marcharam juntas pelas rúas, liderando cerca de um milháo e duzentos mil manifestantes. Protestavam contra o alto índice de desemprego, recusando-se a festejar o dia do trabalho (Le Monde, 3 e4de maio de 2009).

Tudo isto se deu, cabe realcar, após um acordó nacional interprofissional assinado em Janeiro de 2008, envolvendo entidades patronais e trabalhadores franceses, para harmonizar a legislacáo social com a competitividade das empresas e a geracáo de trabalho.

Até no Principado de Monaco (NICEMATIN, 17.4.2009) os trabalhadores saíram as rúas para se opor a recuos ñas normas de protecáo social previstos em projeto de lei.

Estas realidades revelam a necessidade de mudancas ñas relacóes de producáo e no mercado de trabalho.

2. A crise do emprego

O crescimento do Leste europeu, assim como da China e india, fez dobrar a populacáo ativa em urna década, chegando a 3 bilhóes de pessoas, além de aumentar a competitividade das empresas com o pagamento de baixos salarios, dentre outros fatores (BROWN, 2005).

As economías nacionais sao afetadas duramente por esse lamentável "dumping social" e pela interdependencia resultante da globalizacáo. Veja-se que apenas 300 empresas multinacionais controlam aproximadamente 2/3 da producáo industrial mundial (PURCALLA BONILLA, 2009).

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A abertura comercial submete as empresas as exigencias do mercado internacional e, para piorar, muitas decisóes de impacto sao tomadas por instituicóes supranacionais sem maior responsabilidade política, eis que voltadas principalmente para a reducáo do custo do trabalho.

As empresas estáo se tornando apatridas, espalhando-se pelo mundo em busca de mais eficiencia e competitividade.

A nova tecnología permite o controle de cameras de seguranca de bancos em Genebra, Suíca, por meio de operadores instalados no Norte da África; a gestáo de bilhetes de companhias aéreas é centralizada na india; os principáis centros de dados de empresas europeias estáo instalados na Jamaica, Barbados ou Filipinas; clientes das empresas de telefonía sao atendidos em centros instalados no Marrocos (PURCALLA BONILLA, 2009).

Tal internacionalizacáo impóe aos sindicatos urna atuacáo além das fron-teiras nacionais, inclusive no que se refere as negociacóes coletivas, que assumem dimensáo comunitaria, como se vé na Europa, podendo até atingir escala mundial.

Impóe-se urna resposta sindical diante da fragmentacáo, do deslocamento tecnológico e geográfico dos processos produtivos. Como diz Capella Hernández, é necessária a internacionalizacáo dos trabalhadores para que possam enfrentar a globalizacáo capitalista (CAPELLA HERNÁNDEZ, 2011).

Ás novas formas de produzir, que por si mesmas geram impacto sobre o nivel de emprego, veio se somar a crise económica de 2008, cujos graves efeitos se fizeram sentir nos anos subsequentes, calculando-se haver hoje cerca de 210 milhóes de desempregados, segundo Juan Somavía, Diretor Geral da OIT (OIT, 2010).

Muitos trabalhadores só conseguem ocupacóes informáis, á margem do sistema jurídico, configurando-se um quadro de exclusáo social.

Estas realidades ensejam propostas de endurecimento ñas técnicas e conceitos jurídicos de protecáo, urna especie de retorno ao protecionismo social, para se contrapor ao protecionismo económico oferecido a empresas e bancos afetados pela crise.

Outros, ao contrario, consideram indispensável a reducáo do aparato legislativo de protecáo do empregado para oferecer maior facilidade de contratacáo. Tais medidas suscitam controversia e grande oposicáo política. Medidas de afrouxamento ou flexibilizacáo sao logo estigmatizadas como ataque neoliberal aos direitos dos trabalhadores.

No entanto, a crise de emprego assola muitos países, especialmente os mais ricos, com extensa e pródiga rede de protecáo social, permitindo seis afirmacóes que nos parecem acertadas:

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  1. a regulacao do mercado de trabalho nao deve inibir o desenvolvimento de novas empresas e a geracáo de trabalho;

  2. o trabalho típico, em tempo integral, com subordinacáo rígida, diminuí gradativamente;

  3. o trabalho atípico, com menor ou nenhuma subordinacáo, por tempo determinado e baixa carga horaria, ¡nteressa as empresas, pois contratam máo de obra conforme as necessidades de seu sistema produtivo, e, frequentemente, também aos trabalhadores, que melhoram a qualidade da vida pessoal e familiar;

  4. leis trabalhistas mais flexíveis estimulam a contratacáo de trabalhadores;

  5. políticas sociais ativas do Estado sao necessárias para aumentar os níveis de empregabilidade e, havendo falta de trabalho, garantir renda ao trabalhador;

  6. a geracáo de trabalho é a melhor forma de protecáo social e dimi-nuicáo da pobreza.

3. A crise da subordinado e o autónomo pós-moderno

A subordinacáo jurídica, que tradicionalmente constituiu o principal criterio a justificar a protecáo da legislacáo trabalhista, é objeto de questionamentos. Critica--se sua raiz fordista e taylorista, ¡ncompatível com o perfil atual do trabalhador e da empresa.

Em 1974 a legislacáo alema identificou um tipo de trabalhador que, em-bora sem subordinacáo jurídica, prestava servicos permanentes em condicáo de fragilidade económica. 0 direito francés igualmente reconheceu esse tipo intermediario, localizado entre o subordinado e o autónomo, que nao é verdadeiro ¡ndependente e nem verdadeiro assalariado (OLIVEIRA, 2007).

A autonomía, em outras épocas sinónimo de capacidade organizativa e económica, mostra urna face nova: a fragilidade contratual e financeira do trabalhador. O autónomo, que na maioria dos sistemas jurídicos é excluido da legislacáo trabalhista, nao mais pode continuar afastado do esquema de protecáo.

Por esta razáo, é disfuncional o criterio da subordinacáo jurídica, que só estende a protecáo aos empregados, pois deixa ao desamparo os autónomos pós--modernos, funcionando mais para excluir do que para incluir (OLIVEIRA, 2007).

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Na Espanha, a Lei n. 20, de 11.7.2007', criou urna protecao especial, diferente da oferecida aos empregados, para o trabalhador autónomo económicamente dependente. Na exposicáo de motivos a lei enfatiza que o trabalhador autónomo atual tem muitas peculiaridades.

No passado, o autónomo se dedicava a atividades de dimensáo reduzida, que nao exigiam grande investimento: agricultura, artesanato e pequeño comercio. Hoje, desenvolve trabalhos muito qualificados, de alto valor agregado, como consequéncia de novas concepcóes de administrado, da difusáo da informática e das telecomunicacóes.

Além disto, o trabalho autónomo é a forma escolhida por muitos para se inserir no mercado com autodeterminacáo e independencia.

Vale destacar os mais importantes aspectos dessa lei espanhola:

  1. ...

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