Conceito de direito ambiental

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas25-37
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CONCEITO DE DIREITO AMBIENTAL
O Direito Ambiental é um ramo do direito muito recente, surgido na metade do
século XX, apenas quando as consequências deletérias das atividades humanas, desenvol-
vidas ao longo de séculos, mostraram a necessidade de uma mudança no paradigma então
vigente, pois começavam-se a sentir os efeitos da poluição e da degradação ambiental nas
mais variadas formas e em intensidades nunca detectadas anteriormente, como a destrui-
ção de florestas pela chuva ácida e a diminuição dos recursos pesqueiros em várias regiões
do Planeta.1
A necessidade de organizar as atividades humanas, para refrear as consequências que
começavam a ser sentidas, deu azo ao surgimento de um novo direito, que se ocupasse
sistematicamente da proteção do meio ambiente. Nessa ótica, seu objetivo é conduzir as
atividades humanas de modo a evitar impactos negativos sobre os recursos ambientais
ou sobre o meio ambiente. Segundo Michel Despax, apoiado nos ensinamentos de H. C.
Bugge, essa ideia decorre da inserção de “uma ‘dimensão ecológica’ nos modelos de deci-
são do regime jurídico e administrativo, que pode limitar a degradação ocasionada pela
vida moderna.2
O Direito Ambiental, além de constituir um conjunto de normas que disciplinam
as atividades humanas, possui, em sua essência, um objetivo que lhe dá sentido e funda-
mento: garantir o máximo de proteção possível ao meio ambiente. É certo que qualquer
atividade humana causa impactos ambientais. A própria respiração dos seres vivos enqua-
dra-se nessa afirmação. O objetivo do direito ambiental, dessa forma, não é que se retorne
aos tempos em que o homem não existia no planeta: é garantir o uso dos bens naturais
em níveis de qualidade ambiental que permitam que o homem possa se perpetuar, assim
como as demais espécies, sem chegar à exaustão dos recursos.3
Esse é o entendimento de Michel Prieur, para quem o Direito Ambiental só tem sentido
se considerado uma obrigação de resultados.4 Daí a importância de garantir a efetividade das
normas ambientais cujo objetivo precípuo é assegurar o uso dos recursos naturais em níveis
1. Um exemplo emblemático sobre os efeitos da poluição industrial ocorreu no lançamento de 27 toneladas de com-
postos de mercúrio na baía de Minamata, entre os anos de 1932 e 1968, pela empresa Chisso, localizada em Ku-
mamoto no Japão, cujas principais atividades econômicas são a agricultura e a pesca, sendo esta última a base da
alimentação dos habitantes. Milhares de pessoas, alimentando-se dos peixes contaminados pelo mercúrio lançado
na baía, desenvolveram os sintomas de uma doença que passou a denominar-se “doença de Minamata”. Esse desas-
tre foi divulgado com maior ênfase somente a partir de 1956. Disponível em:
pr-m/mat01/en_full.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2018.
2. DESPAX, Michel. Droit de l’environnement. Paris: Litec, 1980, p. 5.
3. Sobre o uso de recursos naturais, ver HARDIN, Garrett. The tragedy of the commons. Science, v. 162, nº 3.859, p. 1243-
1248, 1968.
4. PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement.. 3 ed. Paris: Dalloz, 1996, p. 8.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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que não cheguem a comprometer as atividades a serem empreendidas pelas futuras gerações.
Em outras palavras, garantir a perpetuidade da vida na Terra, em condições razoáveis.
O Direito Ambiental pode ser considerado uma disciplina jurídica autônoma, na
medida em que possui princípios informadores próprios, embora se relacione intrinseca-
mente com dois universos: (1) as ciências externas ao mundo jurídico, como a ecologia,
a economia, a biologia, a geografia, a química, o urbanismo e a engenharia, entre outras,
que formam uma base científica para o entendimento das questões jurídicas relativas ao
meio ambiente e (2) outros ramos do direito, como o constitucional, o internacional, o ci-
vil, o econômico, o administrativo, o penal, o processual, o tributário e o financeiro, entre
outros, que emprestam seus institutos ao direito ambiental, de modo específico, com as
adaptações necessárias, de acordo com a especificidade dessa matéria.
Embora possua relações estreitas com o direito privado, o Direito Ambiental, sobre-
tudo no que se refere à propriedade, aos bens e à responsabilidade, é matéria de direito
público, na medida em que seu objeto constitui bem de interesse comum de todos – bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida –, conforme estabelecido no
O Direito Ambiental, assim, constitui o conjunto de regras jurídicas de direito pú-
blico que norteiam as atividades humanas, ora impondo limites, ora induzindo compor-
tamentos julgados adequados por meio de instrumentos econômicos, com o objetivo de
garantir que essas atividades não causem danos irreversíveis ao meio ambiente, impon-
do-se a responsabilização e as consequentes sanções aos transgressores dessas normas.
1.1 OBJETO DO DIREITO AMBIENTAL
O conceito de meio ambiente, conforme definido na Lei nº 6.938, de 31-8-1981, reve-
la uma situação de equilíbrio entre “as condições, leis, influências e interações de ordem físi-
ca, química e biológica”.5 O bem tutelado pelo Direito Ambiental é esse estado de equilíbrio
entre os meios físico e biótico, responsável por abrigar e reger todas as formas de vida. O
equilíbrio ou o atributo de qualidade do meio ambiente possui um valor – objeto da tutela
legal – que se caracteriza pelos resultados que produz: a garantia da saúde, a manutenção
dos ecossistemas, o bem-estar social, a segurança, a preservação das condições de equilí-
brio atuais, a possibilidade de as gerações futuras usufruírem desses elementos.
Mais precisamente, o objeto em questão é o meio ambiente ecologicamente equili-
brado, conforme estabelecido no art. 225, caput da CF/88.6
O objeto do Direito Ambiental é, pois, o equilíbrio entre os meios físico e biótico,
suas relações e os processos ecológicos envolvidos. Cabe, aqui, estabelecer uma distinção.
O meio ambiente, considerado macrobem – à medida que consiste em um todo a ser pro-
tegido de forma holística e que pode traduzir-se no patrimônio ambiental –, possui um
forte conteúdo de “abstração, ao contrário dos elementos que o compõem – microbens –,
esses bastante concretos (uma floresta, uma espécie rara, um manancial)”,7 possuidores de
regime jurídico próprio, de acordo com suas características.
5. Lei nº 6.938/81, art. 3º, I.
6. ABELHA, Marcelo. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 76.
7. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. Função ambiental. In: Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 69.
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Assim, o meio ambiente é formado pelos bens ambientais, materiais ou corpóreos,
tais como o solo, e também pelos processos ecológicos que devem ser considerados não
em sua individualidade específica, mas como componentes – elementos suporte8 do equi-
líbrio ambiental, ou da qualidade do meio ambiente, objeto da tutela legal.
Nesse passo, cabe verificar, ainda que sucintamente, o conceito de bem. Segundo
Clovis Bevilácqua, trata-se de “valores materiais ou imateriais que servem de objeto a uma
relação jurídica”. 9 É um conceito mais amplo (gênero) que o de coisa (espécie), que é todo
material suscetível de medida de valor. Os bens ambientais possuem várias ordens de va-
lores, relativos aos diversos tipos de interesses que incidem sobre eles. Embora possam
implicar a valorização para o seu uso, como é o caso dos recursos hídricos, os bens am-
bientais são componentes do patrimônio ambiental e, como tal, possuem valores intrínse-
cos que extrapolam a simples caracterização de coisa.
Esses valores intrínsecos dizem respeito a vários aspectos, de acordo com o tipo de
interesse que incide sobre os bens ambientais: (1) interesse público: os Entes Federados
são responsáveis pela gestão, proteção e guarda dos bens ambientais, para as atuais e as
futuras gerações; (2) interesse difuso:10 a sociedade, sem qualquer identificação de seus
indivíduos, tem o direito à qualidade dos bens ambientais; (3) interesse coletivo:11 de-
terminados grupos, cujos membros são identificáveis, como as populações indígenas ou
quilombolas, possuem direitos específicos sobre os bens ambientais; (4) interesse dos
usuários dos recursos ambientais sobre esses bens, na sua apropriação, com vistas à con-
secução dos objetivos de suas atividades públicas ou particulares, sempre submetidos às
regras estabelecidas.
O objeto do Direito Ambiental possui, pois, duas vertentes: (1) o equilíbrio entre os
meios físico e biótico, de forma holística, e (2) a qualidade definida para cada tipo de bem
ambiental, como as florestas, a água, a atmosfera, assim como as formas de apropriação de
cada um, de acordo com seu domínio e as regras administrativas vigentes.
1.2 BENEFICIÁRIOS DA PROTEÇÃO AMBIENTAL
A proteção ambiental teve, de início, um único destinatário: o homem. “Regras feitas
pelos homens a serviço dos homens”,12 cabendo assim a proteção do meio ambiente em
função de sua importância para o ser humano. Ainda que houvesse normas protegen-
do individualmente cada recurso – florestas, fauna etc. –, o interesse fundamental era o
aproveitamento desses bens pelo homem. Aos poucos, todavia, essa forma de ver o meio
ambiente foi se alterando, passando-se a considerar a sua importância por seus valores
intrínsecos. O preâmbulo da Convenção de Berna de 19-9-1979, relativa à vida selvagem e
ao meio natural europeu, determina que:
A flora e a fauna selvagens constituem um patrimônio natural de um valor estético, científico, cultural,
recreativo, econômico e intrínseco, que deve ser preservado e transmitido às gerações futuras.13
8. SILVA, Solange Teles. Responsabilidade civil ambiental. In: PHILLIPPI JR., Arlindo; ALVES, Alaôr Caffé (Coord.). Curso
interdisciplinar de direito ambiental. São Paulo: Manole, 2005, p. 431.
9. BEVILÁCQUA, Clovis. Código Civil. 3. ed. São Paulo: Francisco Alves, 1927, v. 1, p. 260.
12. BEURRIER, Jean-Pierre. Droit international de l’environnement. 5. ed. Paris: Pedone, 2017, p. 26.
13. BEURRIER, Jean-Pierre. Droit international de l’environnement. 5. ed. Paris: Pedone, 2017, p. 26.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), em seu preâmbulo, reconhece o
valor intrínseco da diversidade biológica e os valores ecológico, genético, social, econômi-
co, científico, educacional, cultural, recreativo e estético da diversidade biológica e de seus
componentes.
Essa passagem enseja uma reflexão. Afinal, o que significa valor intrínseco? É possível
afirmar que os bens naturais possuem valor independentemente de estarem simplesmente
a serviço do ser humano, como ocorreu ao longo da história? A resposta a essas questões
passa pelo fato de esses bens integrarem um ambiente de equilíbrio, imprescindível para
a manutenção da vida, inclusive a humana. Ao atribuir um valor intrínseco aos elementos
que compõem o equilíbrio ambiental, reconhecendo a sua importância, o ser humano,
criador das leis que protegem o ambiente, está em verdade buscando proteger o meio am-
biente e ao mesmo tempo garantir a sua própria preservação.
Tal afirmação se reforça no preâmbulo da Carta Mundial da Natureza das Nações
Unidas, de 1982, segundo o qual a humanidade faz parte da natureza e a vida depende
do funcionamento ininterrupto dos sistemas naturais que são a fonte da energia e das
matérias nutritivas.14 A visão antropocentrista evoluiu para um enfoque ecocentrista do
meio ambiente, conforme explicitado na seção sobre os Princípios Informadores do Di-
reito Ambiental.
Desse modo, pode-se concluir que a natureza, no Brasil, não é sujeito de direito, mas ob-
jeto de tutela legal contida no ordenamento jurídico. O beneficiário dessa proteção é, em um
primeiro plano, o meio ambiente na visão holística, como um macrobem, e os bens ambientais,
microbens. Em um segundo plano, o beneficiário dessa proteção é o próprio homem.
Há ainda que mencionar a existência de um componente de futuro em toda a prin-
cipiologia que rege a proteção do meio ambiente, ancorada principalmente no desenvol-
vimento sustentável. As gerações futuras são igualmente interessadas na proteção am-
biental. Não é estranho, nesse contexto, falar-se que a Terra que recebemos das gerações
passadas pertence às gerações futuras. Nós apenas a tomamos emprestado.
Essa dimensão no tempo confere ao Direito Ambiental uma característica de matéria
transgeracional. O Relatório Brundtland, ao tratar desse tema, tece algumas considera-
ções sobre os descaminhos da humanidade em relação ao uso excessivo dos recursos am-
bientais e os direitos das gerações futuras:
Tomamos um capital ambiental emprestado às gerações futuras, sem qualquer intenção ou perspecti-
va de devolvê-lo. Elas podem até nos maldizer por nossos atos perdulários, mas jamais poderão cobrar
a dívida que temos para com elas. Agimos dessa forma porque podemos escapar impunes: as gera-
ções futuras não votam, não possuem poder político ou financeiro, não têm como opor-se a nossas
decisões.15
1.3 BENS AMBIENTAIS
A fixação de um conceito de Direito Ambiental impõe definir o objeto desse direito e
seus beneficiários. Em seguida, cabe destacar quais as relações existentes entre o bem tute-
14. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. World Charter for Nature. A/RES/37/7, 28 de outubro de 1982. Disponível em:
. Acesso em: 18 jun. 2018.
15. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV,
1991, p. 8.
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lado e a propriedade privada. O que são, afinal, os bens ambientais? Qual o regime jurídico
do patrimônio ambiental? Como ocorre a apropriação desses bens?
1.3.1 Domínio dos bens ambientais
Abordar o domínio dos bens ambientais implica tratar de algumas questões prece-
dentes: (1) distinguir a noção de bem de uso comum do povo, atribuída ao meio ambiente
no caput do art. 225 da CF/88, do conceito de bem público de uso comum, definido no
Código Civil; (2) verificar o sentido da expressão bem de uso comum do povo, à luz dos
interesses envolvidos, e analisar a prevalência do interesse público.
O regime dos bens no direito brasileiro rege-se pelo Código Civil, sendo públicos os
bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno e
particulares todos os outros, seja qual for a pessoa a que pertencerem.16
1.3.1.1 Bem de uso comum do povo
A Constituição Federal, ao estabelecer o direito de todos ao meio ambiente ecologi-
camente equilibrado, qualifica-o como bem de uso comum do povo. O sentido desse uso
comum não deve ser confundido com aquele que vigora para os bens públicos de uso
comum. Além disso, nem todos os bens ambientais pertencem ao domínio público.
O termo uso traduz o aproveitamento de algo que possui utilidade para alguém. A
fruição, gozo ou proveito decorrem, assim, da utilização do bem. Disso decorre uma per-
gunta: que tipo de utilização? O bem mencionado pelo dispositivo constitucional consiste
no meio ambiente, sendo o povo o beneficiário do seu uso. Se meio ambiente se caracteriza
como macrobem, de natureza bastante abstrata,17 configurando uma situação de equilíbrio
entre várias condições, o termo uso, mencionado na norma, só pode significar uma utili-
zação não concreta, mas subjetiva e, como tal, é direito do povo obter proveito e fruir do
equilíbrio ambiental.
Já os componentes desse todo – os microbens –, de natureza concreta, possuem regi-
mes de domínio que variam entre o público, como as águas, e o particular, como as flores-
tas localizadas em propriedade privada. O bem de uso comum do povo, mencionado na
CF/88, refere-se ao macrobem – meio ambiente ecologicamente equilibrado.
1.3.1.2 Bens públicos de uso comum
O uso comum diz respeito aos bens de domínio público, destinados a atividades em
que se garante o acesso de todos, independentemente da condição de cada pessoa. Maria
Sylvia Zanella Di Pietro indica as características básicas do uso comum:
é aberto a todos ou a uma coletividade de pessoas, para ser exercido anonimamente, em igualdade
de condições, sem necessidade de consentimento expresso e individualizado por parte da Adminis-
tração;
é, em geral, gratuito, mas pode ser remunerado, sem que isso desnature o uso comum; este não perde,
pelo fato da retribuição, a característica de utilização anônima, ut universi, igual para todos e inde-
17. Sobre esse tema, v. o artigo de BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. Função ambiental. In: BENJAMIN, Anto-
nio Herman Vasconcelos (Org.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993, p. 9-82.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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pendente do consentimento da Administração. Embora não seja pacífico, esse entendimento parece
incontestável no direito positivo brasileiro, diante do artigo 103 do Código Civil Brasileiro, que expres-
samente permite que o uso comum dos bens públicos seja gratuito ou remunerado, conforme as leis
da União, dos Estados e dos Municípios, a cuja administração pertencerem;
está sujeito ao poder de polícia do Estado, que compreende a regulamentação do uso, a fiscalização
e a aplicação de medidas coercitivas, tudo com o duplo objetivo de conservação da coisa pública
(coibindo e punindo qualquer espécie de ação danosa por parte dos administrados) e de proteção do
usuário (garantindo-se a fruição do bem público de acordo com sua destinação; no exercício desse
encargo, que constitui verdadeiro poder-dever do Estado, a Administração não precisa necessaria-
mente recorrer ao Poder Judiciário, pois dispõe de meios próprios de defesa do domínio público, que
lhe permitem atuar diretamente; é o privilégio da Administração que se denomina de autotutela ad-
ministrativa;18
o uso comum não tem, em regra, natureza de direito subjetivo; constitui “o exercício natural de uma
faculdade que faz parte integrante da esfera de liberdade humana, que o homem tem como homem,
não apenas como habitante de um determinado lugar”; podem exercê-lo todas as pessoas, nacionais
e estrangeiras, sem distinção.19
No que se refere à utilização por todos, Miguel Angel Berçaitz ensina que essa ca-
tegoria de bens públicos sujeita-se ao uso comum e direto de todos os habitantes, pela
única condição de habitante ou integrante, permanente ou acidental, de uma comunidade,
conforme os regulamentos estabelecidos pela autoridade competente, regulando a forma
e o modo do exercício desse uso.20 Vale dizer que o uso comum proíbe qualquer distinção
de cunho pessoal do usuário. Mas permite e mesmo exige, para esse uso, uma norma que
o regule.
Nessa linha, o meio ambiente ecologicamente equilibrado – macrobem – é de uso de
todos. Toda e qualquer pessoa possui o direito de usufruir do equilíbrio ambiental.
1.3.2 Classificação dos bens ambientais à luz de seu domínio
São bens públicos de uso comum os rios e mares, assim como as praias. A fauna sil-
vestre e o subsolo são bens públicos, mas não de uso comum. Pertence a todos, de modo
difuso, o ar. Pertencem ao proprietário, independentemente de sua natureza pública ou
particular, o solo e as florestas, respeitada a sua função socioambiental.
1.3.3 Publicização dos bens ambientais
Themístocles Brandão Cavalcanti, na introdução ao livro Rios e águas correntes, de
M. I. Carvalho de Mendonça, já tratava da ampliação do domínio público, afirmando que
o que caracteriza, apenas, o direito moderno é a ampliação do domínio público. Hoje as
coisas que se destinam ao uso comum são em número tanto maior, quanto mais absorvente
se mostra o Estado, chamando a si, ao seu domínio, maior quantidade de bens, destinando-os
à utilização e aproveitamento da coletividade”.21
18. Sobre o princípio da autotutela administrativa, dispõe a Súmula 473 do STF: “A Administração pode anular seus pró-
prios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los,
por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a
apreciação judicial.”
19. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso privativo de bem público por particular. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p.
10-11.
20. BERÇAITZ, Miguel Angel. Problemas jurídicos del urbanismo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1972, p. 74.
21. MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de. Rios e águas correntes em suas relações jurídicas. 2. ed. Freitas Bastos, 1939, p. IX.
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Essa publicização, todavia, não se refere apenas à definição do domínio: traduzindo
a afirmação do autor acima citado para o século XXI, o interesse público vai estabele-
cer o liame entre os bens ambientais e sua tutela legal. A expressão interesse não tem, a
priori, sentido único. Refere-se à regra constitucional do art. 225, que atribui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado a característica de um direito humano fundamental.
O princípio da supremacia do interesse público é a referência que ancora a submissão de
toda e qualquer atividade ao interesse público a partir da Constituição, com o objetivo de
garantir o equilíbrio ambiental. É também o fundamento do conjunto de ações sob a res-
ponsabilidade do Poder Público, no controle e fiscalização das atividades humanas, com a
finalidade de evitar danos ao meio ambiente e à sociedade.
O que distingue os bens ambientais, assim, não é o seu domínio, mas o interesse
público e a tutela jurídica que incide sobre eles. Quanto maior a importância de um bem
à sociedade, maior a tendência à sua publicização, com vistas à obtenção da tutela do Es-
tado e da garantia de que todos poderão a ele ter acesso, de acordo com os regulamentos
estabelecidos.
1.4 RELAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL COM OUTRAS CIÊNCIAS
1.4.1 Ecologia
A palavra Ecologia deriva do grego oikos – casa – e logos – estudo. Constitui o estudo
da casa, ou do planeta Terra, incluindo todos os organismos e processos funcionais que o
tornam habitável.22 Esse termo foi criado pelo biólogo alemão Ernst Haekel em 1869, que
o definiu como “o estudo do ambiente natural, inclusive das relações dos organismos entre
si e com seus arredores.23
O interesse do homem pela natureza remonta ao seu aparecimento na Terra: era ne-
cessário conhecer as forças da natureza, as plantas e animais que oferecessem perigo, para
deles se defender ou usar como alimento, garantindo a sobrevivência. A relação da Eco-
logia com o Direito Ambiental dá-se quando o conhecimento do ambiente natural e das
relações de seus componentes entre si subsidia a construção da tutela jurídica desses bens.
1.4.2 Economia
O termo Economia também deriva da raiz grega oikos. Nomia significa gerenciamen-
to, manejo, o que significa o gerenciamento doméstico, ou a alocação de recursos. Vale res-
saltar a dependência do homem em relação aos recursos naturais, qualquer que seja o es-
tágio de seu desenvolvimento tecnológico. Sem o solo, sem a água, sem o ar, em condições
adequadas, não há sobrevivência.
Ocorre, porém, que a ciência da economia valorizou predominantemente os bens
desenvolvidos pelo ser humano, atribuindo pouco ou nenhum valor monetário aos bens
e serviços da natureza que beneficiam a sociedade. Por exemplo, não se inventariam os
recursos ambientais no momento de medir a riqueza de um Estado, nem se considera, no
balanço dos prejuízos nacionais, a sua perda ou destruição.
22. ODUM, Eugene P.; BARRETT, Gary W. Fundamentos de ecologia. São Paulo: Thomson Learning, 2007, p. 2
23. ODUM, Eugene P.; BARRETT, Gary W. Fundamentos de ecologia. São Paulo: Thomson Learning, 2007, p. 3.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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Mais recentemente, a economia começou a buscar a valoração dos recursos naturais,
mudando antigos conceitos, o que de certa forma revolucionou muitas atividades econô-
micas, pois alguns de seus componentes, antes considerados dádiva da natureza, passa-
ram a ter um valor econômico, como é o caso da água. A valoração econômica dos bens
ambientais, um dos objetos da Economia Ambiental, influencia e se reflete na proteção
jurídica desses bens, nos termos da CF/88, art. 170, VI.
Segundo o Relatório Brundtland, a preocupação havida no passado, com os impactos
do crescimento econômico sobre o meio ambiente, transformou-se na preocupação com
o desgaste ecológico – degradação dos solos, regimes hídricos, atmosfera e florestas – sobre
as perspectivas econômicas do homem. Mais recentemente tivemos de assistir ao aumento
acentuado da interdependência econômica das nações. Agora temos que nos acostumar com
a interdependência ecológica”. 24
1.4.3 Biologia
A Biologia tem por objeto o estudo da vida e fornece uma abordagem integrativa com
foco na proteção e manuseio da biodiversidade, baseada nos seus princípios aplicados e
básicos.25 O Direito Ambiental apoia-se nas ciências biológicas na construção dos concei-
tos contidos nas normas.
1.4.4 Geografia
A Geografia é o estudo da Terra em seus elementos físicos e humanos, bem como das
relações entre esses dois fatores. Sua conexão com o Direito Ambiental refere-se à caracte-
rização dos espaços, indicando aqueles que merecem proteção especial por seus atributos
e servindo de base científica para a constatação de danos ao ambiente físico. Do mesmo
modo, a Geografia estuda o desenvolvimento das populações e as demandas dos recursos
naturais em função do crescimento populacional e das atividades econômicas.
1.4.5 Química
A importância da Química no Direito Ambiental refere-se à sua capacidade de análi-
se das composições e reações das diversas substâncias. Nesse sentido, oferece contribuição
fundamental ao estabelecimento de padrões para a emissão de gases e efluentes líquidos
e para a qualidade ambiental dos corpos receptores – água, ar, solo –, assim como para a
verificação da contaminação de seres vivos.
A Química indica a capacidade de um determinado corpo receptor para diluir uma
série de substâncias, servindo não só para a formulação das normas jurídicas como tam-
bém para aferir a ocorrência ou não de poluição, nos casos concretos, de acordo com as
regras estabelecidas. Além disso, a Química permite investigar técnicas de descontamina-
ção de áreas degradadas.
24. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV,
1991, p. 5.
25. ODUM, Eugene P.; BARRETT, Gary W. Fundamentos de ecologia. São Paulo: Thomson Learning, 2007, p. 457-458.
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1 • CONCEITO DE DIREITO AMBIENTAL
1.4.6 Urbanismo
A ordenação dos espaços nas cidades cabe ao Urbani smo, que, em conformidade com
a topografia e outros elementos que condicionam a ocupação do solo, deverá organizar a
localização das atividades industriais, do comércio, das residências e dos prédios públicos,
entre outras. A relação do Direito Ambiental com o Urbanismo tem a ver com a fixação
de normas protetoras do meio ambiente urbano, por meio de uma política lastreada em
instrumentos adequados em cada caso concreto.
1.4.7 Saúde pública
Meio ambiente e Saúde Pública são dois temas indissociáveis. Não há como descre-
ver um desses termos sem recorrer ao outro. Segundo Hipócrates, o homem era saudável
apenas quando apresentava adequado equilíbrio entre seus humores, o que implicava uma
relação harmoniosa dele com a natureza. “Do mesmo modo, contemporaneamente, ainda
que seja definida somente como objetivo distante, a saúde do homem é argumento essencial
para a proteção do meio ambiente.”26
A degradação ambiental e a poluição prejudicam a saúde humana, comprometendo
a qualidade de vida. A própria definição legal de poluição, fixada pela Lei nº 6.938/81, em
seu art. 3º, III, a, inclui a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que
direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população.
1.4.8 Engenharia
A Enge nharia possui duas interfaces com o meio ambiente. A primeira delas refe-
re-se ao desenvolvimento tecnológico havido desde o início da civilização, na busca do
progresso e da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Enquadram-se nessa classe as
hidrelétricas, as estradas, as construções urbanas, a metalurgia, a mineração, a indústria,
a construção de canais de irrigação, o desenvolvimento da energia nuclear, entre tantas
atividades que impactam o ambiente.
A segunda vertente, bem mais recente, refere-se à engenharia ambiental, cujo objeto
é o desenvolvimento tecnológico voltado à proteção do meio ambiente, ou melhor, à ado-
ção de práticas e tecnologias que, sem impedir o desenvolvimento das atividades econô-
micas, garantam menores riscos de danos ambientais.
O art. 4º, IV, da Lei nº 6.938/81 estabelece, entre os objetivos da política ambiental
brasileira, o desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso
racional de recursos ambientais.
1.4.9 Sociologia
A Sociologia, ciência que se ocupa do estudo das sociedades, seu desenvolvimento e
patologias, traz, em matéria ambiental, um enfoque relacionado com o risco. O paradig-
ma da sociedade de risco refere-se a como podem os riscos sistematicamente produzidos,
como parte da modernização, ser prevenidos ou minimizados.27
26. GRANZIERA, Maria Luiza Machado; DALLARI, Sueli Gandolfi. Meio ambiente e saúde pública. In: PHILLIPI JR., Arlindo;
ALVES, Alaôr Caffé (Coord.). Curso interdisciplinar de direito ambiental. São Paulo: Manole, 2005, p. 607.
27. BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. London: Sage, 1992, p. 19.
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A compreensão das relações sociais e da interface dessas com o meio ambiente, por
outro lado, é uma chave para a formulação de políticas públicas ambientais e sua efetivi-
dade.
1.4.10 Antropologia
O papel da Antropologia refere-se aos estudos das comunidades indígenas, quilom-
bolas e outras populações tradicionais, no que se refere a história, costumes, artes, neces-
sidades e relações com o ambiente.
1.4.11 História
O Direito Ambiental ganha sentido quando estabelecido em seu contexto histórico.
Como a preservação do meio ambiente não faz parte da estrutura psicológica do homem,
nem sempre este se preocupou com a proteção de seu entorno. Ao contrário, foi o domí-
nio do ambiente que o homem buscou ao longo dos séculos, sem atentar para todas as
consequências desse avanço. Daí a importância da História, na compreensão dos avanços
e retrocessos da preocupação com o meio ambiente.
1.5 RELAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL COM OUTROS RAMOS DO DIREITO
1.5.1 Direito constitucional
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é, por força da norma cons-
titucional, um direito de todos e um princípio norteador da ordem econômica.
A partir da promulgação da CF/88, a proteção ambiental, antes estabelecida na Lei nº
6.938/81, passou ao status de matéria constitucional, inclusive trazendo ao plano da Carta
elementos contidos na lei ordinária, como é o caso do Estudo Prévio de Impacto Ambien-
tal e da criação de espaços protegidos.
1.5.2 Direito internacional
As discussões sobre a necessidade da proteção jurídica do meio ambiente surgiram
no âmbito do Direito Internacional, na medida em que os problemas relacionados com
a poluição não respeitam fronteiras. As normas internas dos Estados tendem a sofrer a
influência de tratados e convenções internacionais, que formularam e ainda formulam as
bases do direito ambiental, constituindo uma de suas fontes.
O Brasil é signatário de inúmeros tratados e convenções internacionais com fulcro
na proteção dos recursos ambientais, devidamente aprovados por decretos legislativos e
introduzidos no direito interno por meio de decretos presidenciais.28
1.5.3 Direito administrativo
Os órgãos e entidades da Administração Pública competentes para tratar das questões
ambientais encontram-se estruturados no Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNA-
28. CF/88, arts. 49, I e 84, IV e VIII.
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1 • CONCEITO DE DIREITO AMBIENTAL
MA). Independentemente de sua natureza jurídica – órgão colegiado, fundação, autarquia,
empresa etc. –, a sua atuação é pautada pelo art. 37 da CF/88, que trata da Administração
Pública.
O Direito Ambiental, na formulação de seus instrumentos, utiliza conceitos tradi-
cionais do Direito Administrativo, como indicado por Antonio Herman Vasconcelos Ben-
jamin: “ ‘função’, notadamente a administrativa (e a partir daí, de ‘função ambiental’), de
ato administrativo (e a partir daí, de ‘ato administrativo ambiental’), de discricionariedade
administrativa (e a partir daí, de ‘discricionariedade ambiental’), de procedimento adminis-
trativo (e a partir daí, de ‘procedimento ambiental’) e de sanção administrativa (e a partir
daí, de ‘sanção administrativa ambiental’)”.29 Todo o relacionamento entre o empreende-
dor e os órgãos e entidades do SISNAMA, como o pedido de licenciamento ambiental ou a
aplicação de sanções administrativas, ocorre por meio de processos administrativos.
Em verdade, qualquer decisão administrativa concernente à proteção do ambien-
te ocorre por meio de um processo administrativo, fundamentado em questões técnicas,
como a criação de um espaço protegido, ou a fixação de padrões de qualidade ambiental.
1.5.4 Direito econômico
O Direito Econômico relaciona-se com a intervenção do Estado no domínio econô-
mico. A fim de implementar políticas públicas ou corrigir disfunções de mercado, o Es-
tado impõe restrições à atividade econômica, com vistas à consecução dos objetivos da
política ambiental.
Por meio dos instrumentos econômicos estabelecidos na legislação, esse ramo do Di-
reito tem por finalidade a indução de comportamentos, visando à adoção de práticas am-
bientalmente mais adequadas. Como exemplo, destacam-se a cobrança pelo uso de recur-
sos hídricos, prevista na Lei nº 9.433/97, e o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
1.5.5 Direito financeiro
O Direito Financeiro, cujas normas gerais estão fixadas pela Lei nº 4.320, de 17-3-
1964,30 e pela Lei Complementar nº 101, de 4-5-2000, tem por objeto o estudo das receitas,
orçamento e despesas públicas. Sua relação com o Direito Ambiental explicita-se por meio
dos arranjos institucionais criados especificamente por esse ramo do Direito, como os Fun-
dos de Interesses Difusos, os Fundos Estaduais de Recursos Hídricos e outros mecanismos
de transferências especiais de receita pública, como aquele estabelecido pela Lei nº 10.881,
de 9-6-2004, sobre as transferências do produto da cobrança pelo uso de recursos hídricos a
entidades de recursos hídricos.31 O mesmo ocorre com as Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIP), regidas pela Lei nº 9.790, de 23-3-1999 e alterações posteriores
no que se refere, por exemplo, à gestão das Unidades de Conservação (UC).32
O ICMS ecológico também versa sobre essa matéria, pois se trata de aplicar uma par-
te da receita pública na proteção do meio ambiente, destinando recursos ao Municípios.
29. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. Função ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos (Org.).
Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 14.
30. Recepcionada pela CF/88. Ver STF, ADI 1.726-MC, Rel. Min. Mauricio Corrêa, julgamento em 16-9-98, DJ de 30-4-2004.
31. Ver capítulo sobre Águas.
32. Ver capítulo sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
14
1.5.6 Direito tributário
A relação do Direito Tributário com o meio ambiente refere-se aos efeitos parafiscais
dos tributos, ou seja, aos impactos indiretos que a cobrança de um determinado tributo
pode provocar em relação à qualidade ambiental. Por exemplo, a isenção ou redução da
alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos a álcool ou flex
garante, indiretamente, a melhoria da qualidade do ar, pois induz o comportamento do
consumidor, ao facilitar a aquisição desse tipo de veículo, em detrimento daqueles movi-
dos a gasolina.
As áreas destinadas à Reserva Legal e de Preservação Permanente (APP) são isentas
do pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), como forma de não onerar o proprie-
tário nesses espaços protegidos.
O chamado IPTU Verde consiste em uma possibilidade de desconto desse tributo aos
contribuintes que adotarem práticas ambientalmente desejáveis (pisos drenantes, energia
solar, plantio de árvores etc.), de acordo com os estabelecidos em cada lei municipal.
1.5.7 Direito penal
A responsabilidade por dano ambiental alcança o Direito Penal, conforme disposto
no § 3º do art. 225 da CF/88 e no § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81. A Lei nº 9.605, de 12-
2-1998, estabelece os crimes ambientais, embora outras normas também instituam crimes
específicos, correlatos às questões ambientais, como, por exemplo, a Lei nº 6.766, de 19-
12-1979, que trata do parcelamento do solo urbano.
1.5.8 Direito processual
Na formulação do Direito Ambiental, o Direito Processual é instrumento não apenas
de reparação de danos, e obrigação de fazer e não fazer por meio de ação específica – Ação
Civil Pública –, como de outras formas de buscar, no Poder Judiciário e na Administração
Pública (processo administrativo), preventivamente ou não, a tutela do ambiente.
A Lei nº 13.140, de 26-6-2015 dispõe sobre a mediação entre particulares como meio
de solução de controvérsias e sobre a auto composição de conflitos no âmbito da adminis-
tração pública (e extrajudicial), amplia as possibilidades de solução de conflito socioam-
bientais.
1.5.9 Direito civil
A relação do Direito Ambiental com o Direito Civil reporta-se ao regime jurídico das
responsabilidades, da propriedade e dos bens. Em regra, o sistema de responsabilidades no
Brasil é o da responsabilidade subjetiva,33 em que, para que se caracterize a responsabilida-
de do autor de um dano, é necessário provar o elemento subjetivo da conduta. Se houver
culpa ou dolo, é possível a responsabilização. Se não se provar um desses tipos de conduta,
não há como imputar a responsabilidade pelo dano ocorrido. No Direito Ambiental, o
sistema de responsabilização do poluidor foge a essa regra, ao dispensar a comprovação do
33. A responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público, nos termos do art. 43 do Código Civil, é sempre objetiva.
Ver também CF/88, art. 37, § 6º.
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1 • CONCEITO DE DIREITO AMBIENTAL
elemento subjetivo da conduta. Basta, pois, para caracterizar a responsabilidade por dano
ambiental, a ocorrência do dano e a identificação de seu autor, caracterizando a responsa-
bilidade objetiva.34
Outro tema relativo ao Direito Civil diz respeito à propriedade, cujo direito é assegu-
rado pela Constituição, todavia condicionada ao cumprimento de uma função social. O
regime jurídico dos bens também é objeto do Direito Civil.
1.5.10 Direito urbanístico
O Direito Urbanístico, que trata da organização das cidades, possui uma intersecção
com o Direito Ambiental nos temas relacionados principalmente com o uso e a ocupação
do solo, naquilo que se refere à salubridade, isto é, nas obrigações relativas a uma ocupação
ambientalmente sadia, em que as edificações e a malha viária são implantadas respeitan-
do-se a ventilação, a insolação, as reservas de áreas verdes, como parques e praças, a vege-
tação das margens dos rios. É de capital importância a proteção do meio ambiente urbano,
já que a maioria da população mundial vive nas cidades.
1.5.11 Direito indigenista
Toda a legislação relativa a indígenas está intrinsecamente ligada à questão ambien-
tal, pois se trata de populações tradicionais, que tiram seu sustento do ambiente e, portan-
to, têm na preservação dos espaços a condição de sua existência.
Nessa linha, a CF/88 define as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios como
as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas,
as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e
as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
1.5.12 Direito do consumidor
O consumo sustentável se relaciona diretamente com duas vertentes do direito am-
biental: 1. a escassez dos recursos naturais em face do excesso de apropriação, como é o
caso das florestas ou da simples destruição, como ocorre com a biodiversidade, quando
se provoca incêndio na vegetação para dar lugar à agricultura ou à pecuária e 2. com a
degradação ambiental, no que se refere à produção de resíduos sólidos, tanto decorrentes
das embalagens como de produtos descartados ao final de sua vida útil.
Além disso, os usuários dos serviços de saneamento básico, objeto da Lei nº 11.445,
de 5-1-2007, são consumidores e como tal possuem uma série de direitos como a qua-
lidade da água potável, a coleta do lixo urbano, o tratamento dos esgotos coletados. O
Decreto nº 5.440, de 4-5-2005, por exemplo, estabelece definições e procedimentos sobre
o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento e institui mecanismos e
instrumentos para divulgação de informação ao consumidor sobre a qualidade da água
para consumo humano.
34. Ver capítulo sobre a Responsabilidade Civil por Dano Ambiental.

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