A conferência de estocolmo de 1972

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas49-53
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A CONFERÊNCIA DE
ESTOCOLMO DE 1972
A Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano de 1972 constitui um
marco no pensamento do século XX ao considerar a variável ambiental em todas as ativi-
dades humanas. Essa ideia foi tomando corpo à medida que os países estruturaram uma
legislação ambiental, estabelecendo regras para que a atividade econômica não causasse
danos irreparáveis ao meio ambiente, desafio este a ser enfrentado por toda a humanidade.
A preocupação que permeou a formulação da Conferência de Estocolmo, em relação
aos tratados internacionais e conferências anteriores, destacou-se em razão do enfoque
conferido ao tema, pois o núcleo da atenção não se restringia a um recurso ambiental
específico, ou a uma espécie em perigo, mas abordava o meio ambiente como um todo,
objeto de preocupação de toda a humanidade.
O Clube de Roma1 solicitou ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) que
estudasse questões envolvendo problemas ambientais. A comissão chefiada por Donella
Meadows apresentou o denominado Relatório Meadow s, apontando para o fato de que a
atividade humana se desenvolve muito mais rapidamente do que a capacidade da Terra
para produzir seus recursos, o que levaria, ao cabo de um determinado espaço de tempo,
ao colapso. A solução para esse impasse seria diminuir a aceleração do desenvolvimento.
Apesar de ter sido considerado um marco, posteriormente foram apontados erros nesse
relatório, demonstrando que a situação, na realidade, não era tão grave quanto anunciada.
A menção à desaceleração do desenvolvimento suscitou questionamentos por parte
dos países que ainda não haviam atingido altos níveis de industrialização, entre os quais
se incluía o Brasil. Esses países manifestaram seu repúdio a qualquer tipo de ação que os
impedisse de buscar o seu desenvolvimento, nem que para isso fosse necessário conviver
com problemas ambientais.2 Essa ideologia ficou conhecida como desenvolvimentismo.
Das negociações que se seguiram ao impasse, resultou a denominada Conferência de
Estocolmo, que considerou a situação desses países, constatando que as diferenças entre os
países ricos e os pobres ensejam diferentes soluções, mas todas devem respeitar a proteção
do ambiente. A necessidade de cooperação entre esses dois blocos – países desenvolvidos
e em desenvolvimento – ficou evidenciada, como meio de buscar soluções adequadas a
todos.
1. O Clube de Roma é uma entidade não governamental e sem fins lucrativos, fundada em 1968, da qual participam
cientistas, economistas, homens de negócios, chefes de Estado e ex-chefes de Estado, tendo por objetivo a discussão
de temas de interesse mundial de ordem política, social, econômica, ambiental e cultural. Disponível em:
www.clubofrome.org/eng/about/3/>. Acesso em: 15 jun. 2018.
2. Sobre esse tema, v. SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. São Paulo: Manole,
2003, p. 42-43.
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3.1 CONTEÚDO DA DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO
A Declaração estabeleceu 26 princípios que praticamente resumem as preocupações
com o desenvolvimento e o meio ambiente, constituindo uma importante fonte do Direito
Ambiental.
Os temas abordados podem ser resumidos em: o meio ambiente como direito hu-
mano, desenvolvimento sustentável, proteção da biodiversidade, luta contra a poluição,
combate à pobreza, planejamento, desenvolvimento tecnológico, limitação à soberania
territorial dos Estados, cooperação e adequação das soluções à especificidade dos pro-
blemas. A seguir, passamos a discorrer sobre os princípios que compõem a Declaração
de Estocolmo.
3.1.1 Meio ambiente como um direito humano
O meio ambiente de qualidade como um direito humano é o que prega o Princípio
1, ao fixar a obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e
futuras. Esse princípio inspirou o caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988, que
trata do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações. Também nessa linha, o Princípio 8 associa o desenvolvimento econômico e social
à melhoria da qualidade de vida.
3.1.2 Desenvolvimento sustentável
Embora o conceito de desenvolvimento sustentável tenha se cristalizado somente na
preparação da Convenção do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em
1992 – com a publicação do Relatório Brundtl and –, a Declaração de Estocolmo já estabe-
lecera, com clareza, a necessidade de assegurar às futuras gerações os benefícios gerados
pelos recursos naturais. O Princípio 2 trata da preservação dos ecossistemas para as futu-
ras gerações; o Princípio 3 dispõe que deve ser “mantida e, sempre que possível, restaurada
ou melhorada a capacidade da Terra de produzir recursos vitais renováveis”.
O Princípio 4, além de discorrer sobre a responsabilidade do homem na preservação
da flora e fauna silvestres, ressalta a importância de seus habitats, cabendo, no planeja-
mento do desenvolvimento econômico, atribuir importância à conservação da natureza,
incluída a flora e a fauna silvestres”.
O Princípio 5 determina que os recursos não renováveis da Terra devem ser utili-
zados de forma a evitar o perigo do seu esgotamento futuro e a assegurar que toda a hu-
manidade participe dos benefícios de tal uso. Fica bastante evidente, nesse dispositivo, o
conceito subjacente do desenvolvimento sustentável.
No que se refere ao combate à poluição, dispõe o Princípio 6 que se deve pôr fim à
descarga de substâncias tóxicas ou de outras matérias e à liberação de calor, em quantida-
des ou concentrações tais que não possam ser neutralizadas pelo meio ambiente, de modo
a evitar danos graves e irreparáveis aos ecossistemas. O Princípio 7 é específico sobre a
poluição dos mares. O combate à poluição, inclusive a das marés, é uma providência a ser
tomada para garantir a qualidade ambiental, cabendo àqueles que desenvolvem atividades
tomar todas as cautelas necessárias para impedir a ocorrência de danos.
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3.1.3 Combate à pobreza
O combate à pobreza, como forma de lutar contra a degradação ambiental, tema en-
fatizado posteriormente no Relatório Brundtland, está considerado no Princípio 9. Ainda
sobre esse tema, o Princípio 10 pugna pela estabilidade de preços e pagamento adequado
para as commodities3 e matérias-primas como fatores essenciais à administração do meio
ambiente, uma vez que se devem levar em conta tanto os fatores econômicos como os
processos ecológicos.
Nessa linha, o Princípio 19 determina ser indispensável um trabalho de educação
em questões ambientais, visando tanto as gerações jovens como as adultas, com a devida
atenção às populações menos privilegiadas, para assentar as bases de uma opinião pública
bem informada e de uma conduta responsável por parte dos indivíduos, das empresas e
das comunidades, inspirada na responsabilidade, relativamente à proteção e melhoramen-
to do meio ambiente, em toda a sua dimensão humana.
A posição dos países ricos sobre o tema em questão, que ensejou grandes discussões
na formatação da Conferência de Estocolmo, está evidenciada no Princípio 11, ao dispor
que “as políticas ambientais de todos os países deveriam melhorar e não afetar adversamente
o potencial desenvolvimentista atual e futuro dos países em desenvolvimento, nem obstar o
atendimento de melhores condições de vida para todos”.
Ainda sobre esse tema, e já introduzindo a relação intrínseca entre a proteção am-
biental e a aplicação de recursos financeiros nessa proteção, o Princípio 12 da Declaração
destaca a necessidade de destinar “recursos à preservação e melhoramento do meio ambien-
te, tendo em conta as circunstâncias e as necessidades especiais dos países em desenvolvimen-
to e quaisquer custos que possam emanar, para esses países, a inclusão de medidas de con-
servação do meio ambiente em seus planos de desenvolvimento, assim como a necessidade
de lhes ser prestada, quando solicitada, maior assistência técnica e financeira internacional
para esse fim”.
O Princípio 20 trata da cooperação entre os países ricos e aqueles em desenvolvi-
mento, ao determinar que o livre intercâmbio de informação e de experiências científicas
atualizadas deve constituir objeto de apoio e assistência, a fim de facilitar a solução dos
problemas ambientais; as tecnologias ambientais devem ser postas à disposição dos países
em desenvolvimento, em condições que favoreçam sua ampla difusão, sem que constituam
carga econômica excessiva para esses países.
Por fim, o Princípio 23 também aborda a questão das diferenças entre os países ri-
cos e os em desenvolvimento, declarando indispensável “considerar os sistemas de valores
predominantes em cada país e o limite de aplicabilidade de padrões que são válidos para os
países mais avançados, mas que possam ser inadequados e de alto custo social para os países
em desenvolvimento.
3.1.4 Planejamento racional
O planejamento racional constitui importante tema na Declaração de Estocolmo,
pois é por meio de ações planejadas que se podem verificar os impactos ambientais de-
3. O termo commodity refere-se a um produto primário com valor de mercadoria.
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correntes dos novos empreendimentos e estabelecer as necessárias medidas para evitar a
ocorrência de danos, com a devida antecedência, conforme estabelece o Princípio 14. Nos
termos do Princípio 13, cabe aos Estados adotar um “enfoque integrado e coordenado para
planejar o seu desenvolvimento, assegurando a compatibilidade deste com a necessidade de
proteger e melhorar o meio ambiente humano, em benefício de sua população. Note-se que,
afinal, o objetivo desse princípio versa sobre a qualidade de vida das pessoas, destacando
a noção do meio ambiente equilibrado como direito humano.
O planejamento das cidades, para evitar repercussões prejudiciais ao meio ambiente
e obter o máximo de benefícios sociais, econômicos e ambientais para todos, é o objeto
do Princípio 15. O Princípio 16 trata da necessidade de estabelecer políticas demográficas
como forma de controlar as altas densidades e os vazios populacionais, ambos prejudiciais
ao desenvolvimento e à melhoria do meio ambiente.
3.1.5 Efetividade das normas jurídicas
O Princípio 17 aborda uma questão crucial relativa à efetividade das normas jurí-
dicas, ao dispor sobre a necessidade de haver instituições nacionais competentes, com a
tarefa de planejar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Esta-
dos, buscando melhorar a qualidade do meio ambiente. Uma das grandes lutas que ainda
se travam hoje, no Brasil, concerne:
à capacitação dos órgãos e entidades do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA para cum-
prir as respectivas competências; e
à efetividade do exercício das competências administrativas, de modo que a atuação do poder públi-
co se traduza, de fato, na melhoria da qualidade ambiental.
3.1.6 Ciência e tecnologia
O uso da ciência e da tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que
ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum
da humanidade, é objeto do Princípio 18, cabendo, em todos os países, especialmente
naqueles em desenvolvimento, a investigação científica no sentido de facilitar a solução
dos problemas ambientais, tanto nacionais como multinacionais, conforme estabelece o
Princípio 20.
3.1.7 Soberania territorial
A ideia de limitação da soberania territorial dos Estados, originada na sentença ar-
bitral de 1941, sobre o Caso Trail Smelter, foi incorporada no Princípio 21. Além disso, o
Princípio 22 estabelece a necessidade de os Estados cooperarem no desenvolvimento do
direito internacional, no que se refere à possibilidade de indenização das vítimas da poluição
e outros danos ambientais, que as atividades realizadas dentro da jurisdição ou sob controle
de tais Estados causem às zonas situadas fora de sua jurisdição”.
3.1.8 Cooperação
O Princípio 24 cuida da necessidade de cooperação na “solução das questões interna-
cionais relativas à proteção e melhoria do meio” [ambiente]. Essa cooperação, em nível in-
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ternacional, deve ser feita mediante “acordos multilaterais e bilaterais” a fim de estabelecer
direitos e obrigações recíprocas, e evitar e controlar os efeitos prejudiciais das atividades
humanas ao meio ambiente, considerando a soberania e os interesses de todos os Estados.
O Princípio 25 insere o dever das organizações internacionais em proceder a um trabalho
coordenado, o que envolve a cooperação, na conservação e melhoria do meio ambiente.
3.1.9 Guerra e paz
Refletindo uma preocupação da época, em que a Guerra Fria pairava como ameaça à
Humanidade, o Princípio 26 determina que se deve “livrar o homem e o meio humano dos
efeitos de armas nucleares e dos demais meios de destruição maciça. Os Estados devem pro-
curar chegar rapidamente a um acordo, nos organismos internacionais competentes, sobre a
eliminação e completa destruição das armas”.
Como se verifica, a Declaração de Estocolmo tratou de temas de relevância para toda
a Humanidade, de modo inovador, em relação às reuniões internacionais anteriormente
realizadas. Nesse sentido, segundo Geraldo Eulálio Nascimento e Silva, “a principal vir-
tude da Declaração adotada em Estocolmo é a de haver reconhecido que os problemas am-
bientais dos países em desenvolvimento eram e continuam a ser distintos dos problemas dos
países industrializados4, o que remete às responsabilidades comuns, porém diferencia-
das das nações.
4. SILVA, Geraldo Eulálio Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Thex, 2002, p. 32.

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