Princípios informadores do direito ambiental

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas67-84
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PRINCÍPIOS INFORMADORES
DO DIREITO AMBIENTAL
5.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO
Em direito, “os princípios são as ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido
lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se”. 1De
um ordenamento jurídico estabelecido podem-se extrair seus princípios formadores – valor,
forma de conduzir comportamentos, indicação de caminhos –, que constituem a origem do
conteúdo das normas. O princípio, pois, confere fundamento às regras estabelecidas e, como
tal, possui o traço da normatividade”. 2
O Direito Ambiental, traduzido em uma política pública, rege-se por princípios que
conferem fundamento à sua autonomia e estabelecem uma base lógica em relação ao con-
teúdo das normas. Quando a norma incorpora, direta ou indiretamente, certo princípio,
fica formalmente explicitada a direção tomada pelo legislador na formulação da regra ju-
rídica. Trata-se, pois de “guias gerais de ação3.
Todavia, o princípio pode estar expressamente mencionado no ordenamento jurídi-
co ou apenas resultar de uma formulação teórica, sem, contudo, deixar de constituir uma
norma.
Como exemplo, pode-se citar o princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse do particular que, embora não esteja escrito nas leis, constitui, por seu significado,
um dos fundamentos do Direito Público, incluído aí o Direito Ambiental. Toda atuação
do Poder Público em matéria ambiental ancora-se na prevalência do interesse público,
princípio que se verifica a partir do conteúdo das leis, embora não esteja, como se disse,
explicitamente mencionado. O mesmo princípio, além disso, pode ser o fundamento de
uma decisão judicial, o que indica seu caráter normativo.
É a maneira de o Estado garantir que a sociedade não seja sacrificada em nome de
vantagens e benefícios concedidos ao particular ou a uma determinada atividade realizada
pelo Poder Público, como uma obra de grande impacto ao ambiente.
Há que distinguir os princípios relacionados à autonomia do Direito Ambiental de
um outro grupo de regras ou princípios de gestão que são mais específicos, e devem estar
contidos expressamente nas normas, pois referem-se a condições muito particulares. É o
caso, por exemplo, da adoção da bacia hidrográfica como núcleo do planejamento e gestão
de recursos hídricos. Trata-se de um princípio relativo à gestão das águas, e somente pode
1. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 143.
2. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 230.
3. BELL, Stuart; McGILLIVRAY, Donald; PEDERSEN, Ole; LEES, Emma; STOKES, Elen; Environmental Law. 9a. ed. Oxford:
Oxford Press, 2017, p. 55.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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ser compreendido se estiver contido expressamente nas normas. Não se confunde com os
princípios de direito que conferem autonomia ao Direito Ambiental.
5.2 O MEIO AMBIENTE COMO UM DIREITO HUMANO
Os chamados direitos do homem vêm evoluindo à medida que as sociedades, ao se
desenvolverem, incluem novos temas nesse rol de direitos. O surgimento de novos direitos
humanos é reflexo de um processo histórico dinâmico.
O direito do homem de viver em ambiente não poluído é considerado, hoje, um
direito de terceira geração, assim como o direito à biodiversidade e ao desenvolvimento.
Segundo Bobbio, “esses direitos não poderiam ter sido sequer imaginados quando foram
propostos os de segunda geração, do mesmo modo como estes últimos (por exemplo, o direito
à instrução ou à assistência) não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as
primeiras Declarações setecentistas”.4
Segundo o pensador italiano, a “formulação das normas [sobre meio ambiente e recur-
sos hídricos, editadas nas últimas décadas, em vários países, inclusive no Brasil] resultaram
de uma resposta às necessidades experimentadas pela sociedade, que decidiu ser o momento
de mudanças no enfoque das relações homem-natureza.
Essa evolução de direitos, que parte dos direitos fundamentais, denominados como
de primeira geração, para um contexto de direitos sociais, econômicos e culturais, ditos de
segunda geração, vem desembocar em direitos relativos ao meio ambiente, à biodiversi-
dade e ao desenvolvimento, abarcando um novo fator – as futuras gerações. “O conteúdo
jurídico da dignidade humana vai, dessa forma, se ampliando à medida que novos direitos
vão sendo reconhecidos e agregados ao rol dos direitos fundamentais”.5 Por outro lado, as
pressões econômicas sobre tais valores também se ampliam, o que implica a existência de
um conflito permanente, que o direito busca solucionar.
Entre as declarações que consagram, no plano internacional, o reconhecimento de
um direito humano ao meio ambiente, ou a importância fundamental deste para o ho-
mem, destaca-se a Declaração de Estocolmo de 1972, cujo Princípio 1 estabelece que:
O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida
adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que permita levar uma vida digna, gozar de bem-
-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações
presentes e futuras.6
A Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, declarada em Nairóbi, em 28-6-
1981, proclama, em seu art. 24, que “todos os povos têm direito a um meio ambiente satisfa-
tório e global, propício ao seu desenvolvimento”.7
Como se verifica, a preocupação que vigorava dizia respeito à preservação da natu-
reza para o desfrute do homem, que ficava, dessa forma, dissociado do meio ambiente. O
4. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 6-7.
5. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas
públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 3.
6. CUNHA, Luiz Veiga da; GONÇALVES, António Santos; FIGUEIREDO, Vítor Alves de; CORREIA, Mário Lino. A gestão da
água. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, p. 532.
7. COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
Disponível em: http://www.achpr.org/pt/instruments/achpr/. Acesso: 13 ago. 2018.

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