Conclusão

Páginas239-258
CONCLUSÃO
No atual cenário tecnológico, marcado pela hiperconectividade e amplo uso
de inteligência articial, os dados pessoais devem necessariamente ser avaliados
dentro de uma perspectiva dinâmica e contextual, que considere diversos fatores,
possíveis inferências, sujeitos e tratamentos. Há cada vez mais formas de análises
que podem identicar indivíduos, criar pers e revelar dados sensíveis sobre eles e,
inclusive, terceiros. A partir de informações pessoais é possível conhecer hábitos,
comportamentos, gostos, preferências, descendência, estado de saúde e crenças
de uma pessoa natural. Dados contam histórias, trazem conexões e permitem
sosticadas associações, o que impõe uma tutela ampla das informações pessoais
e atualizada com os avanços cientícos e tecnológicos.
Conforme crescem os graus de exposição dos indivíduos e de sua sujeição
à vigilância de estruturas tecnológicas, públicas e privadas, verica-se a rele-
vância de se desenvolver instrumentos que coloquem os direitos fundamentais
à proteção de dados e à privacidade em posição de preeminência, em face de
situações estritamente patrimoniais. Nessa lógica, cabe destacar a importância
de se analisar e conferir tutela ampliada a certas categorias de dados, especial-
mente os classicados como sensíveis, em razão da qualidade das informações
que guardam e de seu uso em situações de discriminação ilícita ou abusiva, em
face de seus titulares e grupos, ampliando estereótipos e segregações. A tutela de
informações sensíveis mostra-se, portanto, vital para que a pessoa humana se
realize integralmente e se relacione, com liberdade e em condições de igualdade,
na sociedade. Representa, também, garantia de maior segurança aos dados e age
impedindo práticas discriminatórias e de vigilância em massa.
Diante disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/18)
representa instrumento normativo fundamental para a proteção da dignidade
da pessoa humana (Art.1º, III, da CRFB/88), devendo ser amplamente aplicada
e colocada em prática pelas instituições. Em adição, devem ser estabelecidas
políticas de compliance, normas setoriais e códigos de ética que envolvam os
tratamentos de dados realizados, bem como a gestão dos riscos e das vulnerabi-
lidades decorrentes. Além de amplo diálogo dentro das organizações, na busca
por maior conscientização e capacitação na temática, normas técnicas deverão
ser aplicadas de forma robusta e interações entre agentes promovidas, criando
cenários interdisciplinares e multissetoriais. Todos os sujeitos deverão se adaptar a
DADOS PESSOAIS SENSÍVEIS • Chiara SpadaCCini de Teffé
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uma nova cultura de tutela de dados pessoais, cabendo especialmente à doutrina,
às entidades de defesa de interesses coletivos, ao Judiciário e à Autoridade Na-
cional de Proteção de Dados harmonizarem a interpretação e a aplicação da Lei.
O desenvolvimento de mecanismos jurídicos, técnicos e de governança des-
tinados a regular o tratamento dos dados auxilia a evitar incidentes de segurança,
usos indevidos e discriminações ilícitas ou abusivas em face do titular e/ou de
um grupo. Além disso, tais mecanismos afastam práticas que possam prejudicar
concretamente as liberdades e as garantias fundamentais. A depender da forma
como os algoritmos são programados, as bases de dados selecionadas e os pro-
cessos estabelecidos e valorados, o resultado do tratamento pode ampliar inde-
vidamente assimetrias, preconceitos e desigualdades — situação essa violadora
da Constituição Federal e de documentos internacionais de direitos humanos.
Na LGPD, foi estabelecido um modelo legislativo que privilegia a prevenção
de danos à pessoa humana e a segurança no tratamento de dados pessoais, insti-
tuindo deveres e responsabilidades especícas aos agentes, além de amplo rol de
princípios e direitos aos titulares, por meio de tutelas individuais e coletivas. A
proteção de dados e a norma jurídica referente à matéria podem ser percebidas
como formas de: (i) conter os efeitos nefastos do capitalismo de vigilância e as
manipulações oriundas de grandes plataformas; (ii) afastar os riscos que deter-
minadas aplicações com algoritmos podem oferecer aos direitos fundamentais;
e (iii) trazer garantias às pessoas diante da opacidade e da ausência deaccoun-
tabilityde diversas estruturas políticas e econômicas. As inferências e predições
realizadas por meio de tratamentos de dados mostram-se bastante preocupantes,
pois podem determinar ou inuenciar destinos, desejos e classicações, inclu-
sive, restringindo indevidamente o acesso a bens e a oportunidades, bem como
ampliar cenários de discriminação e de desigualdades.
A LGPD entrou em vigor em um momento extremamente complexo para a
sociedade brasileira: a pandemia mundial de COVID-19. Diante desse cenário, o
debate em torno de medidas que utilizam dados pessoais sensíveis e ferramentas
tecnológicas conectadas tornou-se ainda mais importante e trouxe novas preocu-
pações para os titulares dos dados, organizações e países. Compreender, dentro
do contexto normativo brasileiro, o que são dados sensíveis, como e em que
hipóteses eles podem ser tratados e quais instrumentos de proteção deverão ser
estabelecidas e garantidos parece contribuição pertinente no presente momento,
diante do início dos trabalhos de interpretação, aplicação e adequação à LGPD.
Para tanto, a presente conclusão será estruturada conforme as etapas de
elaboração do texto, havendo a análise de questões essenciais sobre os dados
pessoais sensíveis, seu tratamento e boas práticas.

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