Concorrência sucessória na herança legítima

AutorGiselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Mário Gamaliel Guazzeli de Freitas
Páginas539-556
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CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA
NA HERANÇA LEGÍTIMA
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
Doutora e Livre-Docente pela mesma Faculdade de Direito da USP. Professora Titular
do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. Ex-Procuradora
Federal. Advogada, consultora e parecerista jurídica. Fundadora e Diretora Nacional
(região Sudeste) do Instituto Brasileiro de Direito de Família e Sucessões – IBDFAM.
Diretora Nacional (região Sudeste) do Instituto Brasileiro de Direito Civil. Membro do
Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil.
Mário Gamaliel Guazzeli de Freitas
Mestre em Direito Civil e Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).
Professor universitário. Advogado em São Paulo. Membro do Instituto de Direito Privado
(IDiP) e da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/SP.
Sumário: 1. Introdução: um código anacrônico para o seu tempo – 2. Histórico da concorrência
sucessória; 2.1 Concorrência sucessória do cônjuge: Código Civil de 1916 e leis posteriores; 2.2
Concorrência sucessória do companheiro: as Leis 8.971/94 e 9.278/96 – 3. O Código Civil de 2002:
disciplina e retrocesso; 3.1 O regime de bens e a natureza legitimária do cônjuge; 3.2 Concorrência
com descendência híbrida; 3.3 A posição do companheiro na vocação hereditária e a concorrência
com outros herdeiros; 3.3.1 A inconstitucionalidade do art. 1.790, CC; 3.3.2 Companheiro como
herdeiro necessário – 4. Um olhar para o futuro: seria o caso de revogar a concorrência sucessória
do cônjuge/companheiro? – 5. Notas conclusivas.
1. INTRODUÇÃO: UM CÓDIGO ANACRÔNICO PARA O SEU TEMPO
Ao comemorar seus vinte anos de vigência, não se pode deixar de lembrar que
o Código Civil festejado, em verdade, é um quase cinquentenário. A despeito da
eloquente defesa que Miguel Reale empreendeu ao rebater as críticas que diziam que
o Código já nascia ultrapassado, fato é que o processo de adaptação da lei dos anos
1970 à realidade dos anos 2000 não foi de todo exitoso.
Especif‌icamente no que tange ao seu Livro V, o cotejo entre as conquistas e os
retrocessos pode trazer substancial amparo a essa af‌irmação. De um lado, verif‌ica-se
a ausência de uma maior correspondência entre as disposições relativas à sucessão
do cônjuge e à do companheiro, como resultado de certo menoscabo das conquistas
logradas pelos conviventes ao longo da década de 1990 em matéria sucessória; a
manutenção da culpa mortuária no art. 1.830; o acanhamento na previsão do f‌i-
deicomisso, limitado à hipótese de substituição em favor, exclusivamente, de prole
eventual; a desconsideração dos novos modelos de família e das dinâmicas familiares
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GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA E MÁRIO GAMALIEL GUAZZELI DE FREITAS
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ao não regular a concorrência entre descendentes híbridos e cônjuge ou companheiro
supérstite, ou ao ignorar eventual concorrência entre cônjuge supérstite e compa-
nheiro; a previsão de uma legítima estática que não leva em conta nem a origem do
bem, nem as particularidades dos herdeiros.
Por outro lado, o novo Código inovou ao içar o cônjuge ao posto de herdeiro
necessário e possibilitar sua concorrência com sucessíveis das classes anteriores;
avançou ao exigir a demonstração de justa causa para a clausulação da legítima;
manteve, além disso, importantes conquistas legadas pelo século anterior, como a
igualdade entre f‌ilhos na sucessão legítima e a preocupação em harmonizar a ef‌icácia
das disposições de última vontade com o aparecimento de herdeiros necessários,
não prevendo a ruptura do testamento indistintamente ou desprezando a garantia
da porção indisponível.
Entretanto, o que a evolução da técnica carreada pelas mudanças econômico-cul-
turais e a sof‌isticação das ideias demonstram é que mesmo tais inovações e vantagens
têm-se desgastado e corroborado a fatídica constatação de que, por melhores que
fossem as intenções, a Lei está em débito com a historicidade que informa o Direito.
Neste artigo, limitar-nos-emos a tratar da concorrência sucessória quando da
sucessão legítima. Esta foi uma das principais inovações que o legislador de 2002
trouxe em matéria sucessória, mas a forma como previu o instituto, com a redação
truncada do art. 1.829, especialmente, de seu inciso I, suscitou debates que poderiam
ter sido evitados. Também na extensão e no conteúdo a “inovação” titubeou: de forma
inconstitucional, disciplinou a sucessão do companheiro, muito menos benfazeja
que a do cônjuge e quase que retrocedendo à forma como este era vocacionado an-
tes da Lei Feliciano Pena. Não se anteviu, ademais, a possibilidade de concorrerem
cônjuge e companheiro, nem se cuidou da concorrência com descendentes híbridos,
como já assinalado.
Nos tópicos seguintes, desenvolveremos a história da concorrência sucessória
e aprofundaremos a análise crítica dos problemas de forma, extensão e conteúdo
referidos no parágrafo anterior para, por f‌im, atribuir o justo reconhecimento à ju-
risprudência, que tem capitaneado importantes giros interpretativos na matéria, de
modo a que um Direito já tão engessado não caduque, ainda que, em teoria, devesse
ser o legislador o responsável por captar as novas demandas da sociedade.
2. HISTÓRICO DA CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA
A previsão da concorrência sucessória em propriedade plena seja do cônjuge,
seja do companheiro com herdeiros das classes anteriores foi uma inovação trazida
pelo legislador do Código Civil vigente, ainda que sua regulação tenha obedecido a
critérios diversos e partido de perspectivas destoantes, hoje consideradas inconsti-
tucionais, como declarado pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 878.694/
MG, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso.
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