Os conflitos federativos relativos ao IPVA

AutorLuísa Cristina Miranda Carneiro
Ocupação do AutorMestre em Direito Tributário pela PUC-SP
Páginas179-235
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OS CONFLITOS FEDERATIVOS RELATIVOS AO
IPVA
A forma federativa do Estado repousa sobre a ideia de
repartição de competências entre os vários entes político-ad-
ministrativos que o componham.
Federação, de acordo com o clássico ensinamento de
Sampaio Dória, significa a autonomia recíproca da União e
dos Estados sob a égide da Constituição, o que culmina em
uma relação de igualdade, e não subordinação entre estes320.
O princípio federativo, inscrito no art. 1º da CF, está en-
dereçado, inequivocamente, aos legisladores da União, dos
Estados-membros e do Distrito Federal.
Contudo, não se pode negar que, enquanto expresse a
autonomia recíproca das unidades federadas, sob o manto da
lei fundamental, representará fonte inesgotável de direitos e
garantias individuais.
Anote-se que, no Brasil, o legislador constitucional de
1988 optou pela federação combinada com a autonomia dos
320. DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional, Vol. 1, tomo III, 4ª
ed. São Paulo: Max Limonad, 1958, p. 476.
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Municípios,321 com a criação de quatro figuras políticas sobe-
ranas dentro de suas respectivas esferas: União, Estados, Mu-
nicípios e Distrito Federal.
Cada qual desfruta de autonomia legislativa, adminis-
trativa e judiciária, rigorosamente certificadas no texto cons-
titucional, e a prova jurídica desse caráter autônomo, além
das competências privativas que o constituinte lhes outorgou,
pode ser extraída de uma circunstância significativa: a impos-
sibilidade de intervenção federal nos Estados-membros de-
sautorizada pela Constituição Federal.
Michel Temer322 vê, na necessidade de previsão constitu-
cional para que a União possa intervir nos Estados-membros,
uma afirmação de igualdade: “Fossem desiguais; existisse a
subordinação dos Estados à União, não se cogitaria de autori-
zação constitucional expressa”.
Nessa conjuntura, abordaremos o fenômeno da guerra
fiscal do IPVA, identificando situações específicas em que os
conflitos relativos a esse imposto mostram-se presentes, e em
que medida tais embates comprometem a realização dos prin-
cípios fundantes do Estado brasileiro.
4.1 O fenômeno da guerra fiscal
Como já mencionado outrora, a autonomia financeira das
pessoas políticas é elemento fundamental à garantia da har-
monia do pacto federativo e à manutenção da igualdade e não
subordinação entre os entes políticos, razão pela qual o tema
da tributação é de extrema relevância.
321. Observe-se que os Municípios “não integram a Federação brasileira, composta
pelos Estados e pela União, a despeito da fórmula literal do art. 1º, ‘caput’, mas re-
cebem dignidade constitucional como está dito no art. 18 desse Diploma” (CARVA-
LHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções... cit., p. 32).
322. TEMER, Micher. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1982, p. 77.
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IPVA
TEORIA, PRÁTICA E QUESTÕES POLÊMICAS
Todavia, na mesma ou em maior grandeza da relevân-
cia do assunto da tributação está a polêmica que ele enfrenta
constantemente.
De um lado, posicionam-se os interesses da União, cuja
pretensão é ampliar cada vez mais suas receitas; de outro, os
Estados-membros e os Municípios, defendendo sua parte na
receita tributária e, por fim, apresenta-se o contribuinte, aspi-
rando a reduzir sua participação no montante da arrecadação.
Somado a esses fatores está a realidade brasileira de de-
sigualdades econômicas e sociais dentre as regiões do País,
com a concentração das indústrias em alguns poucos Estados
e, ainda, o contínuo crescimento da concorrência e da compe-
titividade no ambiente empresarial.
Nesse contexto, fenômeno muito comum no Brasil é o da
guerra fiscal, em que, buscando aumentar a arrecadação, os
entes políticos (Estados, Distrito Federal e Municípios) conce-
dem benefícios fiscais dos mais diversos para atrair as empre-
sas para seus territórios.
Conquanto, à primeira vista, tais entes não interfiram di-
retamente na competência alheia, o oferecimento de grandes
estímulos cria um desequilíbrio de forças e configura, algu-
mas vezes, renúncia de receita por parte do ente concedente.
Misabel Derzi define o ciclo da guerra fiscal da seguinte
forma:
Assim, os sistemas tributários dos diferentes países coexistem
e, ao mesmo tempo, interagem. Disso resulta que só aparente-
mente as escolhas dos Estados em matéria de tributação são,
em princípio soberanas, pois muitas vezes adotam soluções que
são meras reações a outras medidas implementadas em outros
países e destinadas a atrair investimentos. Enfim, em um eter-
no círculo vicioso, todos se colocam dinamicamente ativos com
vistas a melhorar a sua posição nessa competição, da qual mui-
tas vezes dependem a arrecadação e a sustentação dos serviços
públicos.
323. DERZI, Misabel Abreu Machado (Coord.). Competência tributária. Belo Hori-
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