A Constituição e sua Supremacia

AutorMarcelo Passamani Machado
Páginas19-39
Capítulo 1
A CONSTITUIÇÃO E SUA SUPREMACIA
1.1. O PODER CONSTITUINTE: ANTECEDENTES
Em sua acepção mais geral e comum, o termo “constituição”
designa o modo pelo qual algo (um objeto, um ser vivo, um grupo
de pessoas, etc.) se forma e se organiza.
No âmbito da Ciência do Direito, a palavra possui um signi-
cado mais restrito e denota a organização jurídica fundamental
do Estado,1 podendo-se armar que, nesse sentido amplo, todo e
qualquer Estado possui uma Constituição2 que determina o modo
de ser de uma comunidade.
De fato, não escapou dos antigos gregos a percepção de que
o próprio poder político pode ser regido por determinadas normas
1 O ter mo é aqui utilizado em sentido a mplo, designando uma espécie de
sociedade política dotada das segu intes características: complexidade de
organização e atuação, inst itucionalização, coercibil idade, autonomização
do poder político e sedent ariedade. Cf.
Miranda
, Jorge.
Manual de Direi -
to Constitucional
. 7. ed. Coimbra: Coimbra Editora , 2003. t. I. p. 47-48.
2 Cf.
Ferreira Filho,
Manoel Gonçalves.
Curso de Direito Constitucional
.
29. ed. São Paulo: Saraiva , 2002. p. 11. No mesmo sentido, a lição de Jorge Mi-
randa: “Em qu alquer Estado, em qualquer ép oca e lugar (repetimos), encontra-
se sempre um conjunto de regras fundamentais, respeitantes à sua estrutura,
à sua organização e à sua actividade – escritas ou não escritas, em maior ou
menor número, mais ou menos simples ou complexas. Encontra-se sempre
uma Constitu ição como expressão juríd ica do enlace entre poder e comuni-
dade política ou ent re sujeitos e destinatários do poder” (
Manual de Direito
Constitucional
. 5. ed. Coimbra: Coi mbra Editora, 2003. t. II., p. 12-13).
Marcelo.indd 19 20/01/2015 09:43:08
Capítulo 1
• 20 •
(nomoi). Na verdade, tais normas, ao regularem os critérios para atri-
buição de cidadania, o processo de deliberação política, a investi-
dura e o exercício das diversas magistraturas, acabam, no fundo,
estruturando o próprio Estado (polis), cujo poder deve ser exercido
conforme os parâmetros nelas estabelecidos. Vê-se assim, que, já
naquela época, reconhecia-se a diferença entre as leis comuns edita-
das pelos órgãos do Estado e as leis que, por sua vez, estabeleciam
o próprio funcionamento desses órgãos. E a consequência lógica
desse raciocínio era evidente para os gregos: as normas estruturais
da polis eram consideradas superiores às demais3
A título exemplicativo, rememore-se que, no livro II de sua
obra A Política, Aristóteles analisa e critica a organização social e
política proposta por Platão em A República, bem como as Consti-
tuições de diversas cidades-estados gregas. Mas é no livro III que o
tema ganha maior destaque e a diferenciação entre as normas “ordi-
nárias” e as “constitucionais” aparece com clareza:
Um homem de Estado deve, sem dúvida, além do que já dis-
semos, saber remediar os vícios do governo. Ora, como pode
conseguir isto se ignorar quantas espécies de governo existem?
Nossos atuais políticos, por exemplo, só conhecem uma espécie
de democracia e de oligarquia; trata-se, como vimos, de um erro,
pois existem várias. Portanto, não se deve ignorar suas diferenças,
seu número, nem de quantas maneiras elas se combinam; além
3 Cf.
Ferrei ra Filho,
Manoel Gonçalves.
O Poder Constituinte
. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2 005. p. 3 et seq. A ideia de que essas normas “fu ndamentais”
seriam con sideradas superiores às demais pelos gregos é conrmada pelo
relato dos historiadores f ranceses André Aymard e Jeann ine Aubouyer: “A
cidade exige, em nome dos ‘nomoi’, concomitantemente ‘leis’ e ‘costumes’,
escritos ou orais, pouco importa, princípios superiores às vontades indi-
viduais ou aos casos especiais. As decisões concernentes a estes últi mos
merecem apenas denomi nação de ‘decretos’ (‘pséphismata’), tomando-se
precauções para que não sejam contrárias às leis” (
História Geral das
Civilizações
. São Paulo: Difusão Eur opeia do Livro, 1955. t. I. v. 2. p. 111).
Marcelo.indd 20 20/01/2015 09:43:08

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT