O fenômeno da inconstitucionalidade

AutorMarcelo Passamani Machado
Páginas41-71
Capítulo 2
O FENÔMENO DA INCONSTITUCIONALIDADE
2.1. EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA
DAS NORMAS JURÍDICAS
Como visto no capítulo anterior, alguns Estados, dentre eles o
Brasil, adotam o cânone da supremacia formal da Constituição, uma
decorrência do reconhecimento de que tal documento é o produto
da manifestação de vontade de um poder superior que constitui
todos os Poderes do Estado, o Poder Constituinte. E da supremacia
formal da Constituição decorrem fundamentalmente duas conse-
quências.
A primeira delas, já apresentada no capítulo anterior, é a exigên-
cia de que o texto constitucional só possa ser alterado mediante a
observância de um processo legislativo diferenciado e mais dicul-
toso que aquele previsto para a produção de leis ordinárias.
A segunda consequência diz respeito à exigência de que toda
legislação infraconstitucional guarde uma relação de conformidade
com as normas hierarquicamente superiores contidas na Constitui-
ção. Cuida-se aqui do que a doutrina denomina “exigência de cons-
titucionalidade” ou “princípio da constitucionalidade”.1 O presente
1 “O princípio da constit ucionalidade exige a confor midade de todas as nor-
mas e atos inferiores, leis, decretos, regul amentos, atos administrativos e
atos judiciais, às disposições substanciais ou formais da Const ituição [...]”
(
ráo
, Vicente.
O Direito e a vida dos direitos
. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 20 05. p. 331).
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Capítulo 2
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capítulo cuidará justamente da desconformidade de um ato norma-
tivo em face da Constituição, ou seja, do fenômeno da inconstitu-
cionalidade.
Mas, para que tal análise se faça possível, é necessário rmar
antes os conceitos de existência, validade e ecácia das normas jurí-
dicas, conceitos que ainda hoje causam muita celeuma no campo da
Teoria Geral do Direito.
Comecemos com a doutrina de Kelsen, de longe a mais ci-
tada e também uma das mais complexas. Para o autor, os termos
existência, validade e vigência2 possuem o mesmo signicado,3 de-
notando todos eles a força obrigatória de uma norma, que ca con-
dicionada à existência de uma relação de pertinência da norma a
um determinado sistema jurídico construído a partir de uma nor ma
fundamental (Grundnorm) pressuposta, a qual poderia ser enuncia-
da brevemente como “devemos conduzir-nos como a Constituição
prescreve”.4 Segundo o autor, portanto, “[...] a vigência da norma
pertence à ordem do dever-ser”,5 sendo que o fundamento de vali-
dade de uma norma só pode ser outra norma, essa também válida
nos termos de uma que lhe é superior e assim sucessivamente, em
2 Anote-se que o autor admite o uso dos termos “va lidade” e “vigência”
acompanhados dos adjet ivos “temporal”, “espacial”, “pessoal” e “mate-
rial”, isso signicando que uma determ inada norma pode ter sua aplicabil i-
dade lim itada a, respectivamente, u m determinado prazo, u m determinado
território, um determinado g rupo de pessoas ou um determinado aspecto
da conduta humana ( política, economia, etc.). Cf.
Kelsen
, Hans.
Teoria
pura do Direito
. São Paulo: Mart ins Fontes, 2006. p. 13-16.
3 “Por ‘validade’ queremos designar a existênc ia especíca de normas. Dizer
que a norma é válid a é dizer que pressupomos sua existência ou – o que re -
dunda no mesmo – pressupomos que ela possu i ‘força de obrigatorieda de’
para aqueles cuja conduta reg ula” (
Kelsen
, Hans.
Teoria geral do Direito
e do Estado
. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 43). Ou ainda: “Com a
palavra ‘vig ência’ designamos a existência especíca de uma norma” (
Kel
-
sen
,
op. cit.
, 2006, p. 11).
4 Cf.
Kelsen
,
op. cit.
, 2006, p. 11-12 e 215-224.
5 Ibidem, p. 11.
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