A construção da autonomização do direito humano de acesso à água

AutorNitish Monebhurrun
Páginas97-183
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Capítulo 2
A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIZAÇÃO DO DIREITO
HUMANO DE ACESSO À ÁGUA
O direito humano de acesso à água tem evoluído através de uma
afirmação histórica de sua existência e positivação, com a consequente
produção de eficácia na via interna dos ‐stados. A priori é concebido como
uma parte do direito à vida, dado à essencialidade para a vida humana e
como fundamento basilar para a dignidade.251 Desta forma, encontra
subsídio nos documentos de direitos civis e políticos e aos direitos
econômicos, sociais e culturais252. Numa outra percepção, o direito de
acesso à água se afirma enquanto direito a um meio ambiente equilibrado253
e ao desenvolvimento dos países. Todavia, tem-se estabelecido atualmente
a prospecção de uma defesa específica ao direito humano à água,
construindo um direito próprio e autônomo, distinto dos demais direitos
humanos.
Para que se possa compreender a construção da autonomização do
direito humano de acesso à água este trabalho parte da análise dos
instrumentos legais e do arcabouço decisório que compõe tanto os sistemas
regionais254 de proteção dos direitos humanos (2.1) e do estudo dos
reflexos comparativos destes no sistema jurídico brasileiro (2.2).
Compreendendo a construção do direito humano à água dentro das
peculiaridades e singularidades dos sistemas regionais é possível se
observar o desencadeamento deste processo no âmbito interno brasileiro.
251 VIEIRA, Andréia Costa. O direito humano à água. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016,
p. 04.
252 Documento este nomeado e estudado no presente trabalho de Pacto Internacional sobre os
Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC).
253 Sobre meio ambiente equilibrado, tem-se aqui uma referência à proteção constitucional
brasileira no ar tigo 225, que trata sobre meio ambiente sadio e equilibrado, mas não tutela de
forma direita a inclusão da água neste contexto, interpretação esta que é feita seguindo os padrões
na hermenêutica global deste do direito humano à água.
254 Aqui examinados os sistemas europeu, americano e africano, uma vez que eram os que tinham
decisões consolidadas e publicizadas em sistema de julgamento até o fechamento da pesquisa,
qual seja, janeiro de 2019.
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2.1 A construção não uniformizada do Direito Humano de acesso
à água decorrente de uma desarticulação de normas no âmbito
internacional
Para a compreensão das singularidades de amparo regional do
direito humano de acesso à água examina-se as Convenções e Declarações
formadoras dos sistemas regionais de proteção e a construção específica de
cada realidade regional, advindo-se disso o processo não-uniformizado de
positivação e construção desse direito. Nesta senda, tem-se o processo
heterogêneo no sistema europeu sobre o direito humano de acesso à água
decorrente da ausência de disposição jurídica vinculante (hard law) em sua
estruturação compreendido pela desarticulação de padrões mínimos.
Já na análise do sistema interamericano de direitos humanos, tem-
se a construção progressiva de um direito humano à água sob a ótica reflexa
dos direitos humanos. ‐, no sistema africano, tem-se a autonomização,
mesmo que de forma relativa, através do Protocolo à Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África,
onde dispõe de forma expressa e autônoma sobre o direito de acesso à água
enquanto direito humano para uma parcela da população.
Dito isso, para que se possa estabelecer no contexto de normas no
âmbito internacional uma construção do direito humano em análise, passa-
se agora ao estudo dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos
já consolidados e organizados, quais sejam, o sistema europeu (2.1.1), o
sistema interamericano (2.1.2) e o sistema africano (2.1.3).
2.1.1 A construção heterogênea de proteção do Direito Humano de
acesso à água no sistema europeu
Para que se possa observar e ponderar a forma de construção
heterogênea da proteção do direito humano de acesso à água no cenário do
sistema europeu, se faz imperioso destacar os instrumentos legais basilares
para sua composição (e como a constituição destes contribuem para a
formação de um direito humano ao acesso à água), partindo-se então, para
a formação deste direito da análise interpretativa principiológica do
arcabouço legal deste sistema (i).
‐ntremostra-se necessário também a categorização dos julgados
(ii) que direta ou indiretamente tratam a respeito da acessibilidade hídrica.
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Através do estudo das decisões que tratam sobre direito ao acesso à água,
bem como a devida fundamentação utilizada e categorizada, pode-se
depreender a construção de um direito de acesso à água sendo estabelecido
atendendo às heterogeneidades de cada caso concreto, porém, convergindo
para a autonomicidade que merece destaque.
(i) A principiologia a plicada à Convenção Europeia como forma de
possibilidade de reconhecimento da autonomização do Direito
Humano de acesso à á gua
Na abordagem feita da constituição do sistema regional de defesa
dos direitos humanos ora analisado, tem-se que o sistema global de
proteção dos direitos humanos255 serviu como instrumento medular para a
Convenção ‐uropeia dos Direitos Humanos, datada de 1953, e elaborada
pelo Conselho da ‐uropa.256 A Convenção é destinada para, através do
Tribunal ‐uropeu de Direitos Humanos em ‐strasburgo na ‑rança, fazer
cumprir as normas basilares de consolidação, fortalecimento e expansão
dos valores democráticos, do ‐stado de Direito e dos direitos humanos.257
Historicamente, ao se analisar a proteção do sistema europeu às
questões ambientais, se observa que a Convenção ‐uropeia de Direitos
Humanos não incluía, de forma expressa, amesmo o direito ao meio
ambiente sadio até meados da década de 70, quando tem-se a Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, resultando na
Declaração de ‐stocolmo em 1972. Percebe-se ainda que não há também
nos Protocolos Adicionais258 a proteção autônoma nem ao meio ambiente,
nem ao acesso humano à água259. Desta feita, a Convenção ‐uropeia não
255 Referido aqui a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
256 Este Conselho é uma organização intergovernamental composta atualmente por 47 Estados
Membros da Comunidade Europeia.
257 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos
sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018.
258 Os Protocolos Adicionais são instrumentos que também compõem a base normativa do
sistema europeu c om o papel de ampliar o escopo normativo da Convenção, atualizando-a de
acordo com o avanço das re lações pessoais e sociais ocorridas na Europa. Ver mais em:
MAZZUOLI, Valerio De Oliveira. Sistemaă Regională Europeuă Deă Proteçãoă Dosă Direitosă
Humanos. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais, 13: 32-58 vol.1, Curitiba,
2010.
259 A saber, tem-se o acréscimo no reconhecimento de vários direitos com o advento dos
Protocolos. A título de exemplificação: o direito de propriedade, à instrução e de sufrágio através
do Protocolo nº 1; a proibição da prisão civil por dívidas, liberdade de circulação, proibição da

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