A definição de padrões mínimos para efetividade da autonomização do direito humano de acesso à água

AutorNitish Monebhurrun
Páginas185-271
185
Capítulo 3
A DEFINIÇÃO DE PADRÕES MÍNIMOS PARA EFETIVIDADE
DA AUTONOMIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO DE ACESSO
À ÁGUA
Percebe-se a possibilidade de reconhecimento do direito humano
de acesso à água enquanto direito autônomo por direcionamento
hermenêutico dos textos legais475. No entanto, trata-se de recomendações
e comentários, carecendo de força normativa vinculante. A construção da
autonomização desse direito através das decisões nos sistemas regionais de
direitos humanos também pode ser percebida apesar de não uniformizada.
‐ste cenário reflete-se no âmbito interno brasileiro, no qual tem-se
a construção gradativa difusa no sistema normativo, todavia ainda não há
disposição constitucional que torne o direito de acesso à água como direito
fundamental autônomo – apesar das propostas de autonomização pelas
emendas analisadas -. Pode-se, desta forma, observar que o processo de
autonomização do direito humano de acesso à água é uma realidade tanto
na seara internacional como no mandamento interno do Brasil.
Apesar de evidenciado, através dos argumentos postos, o processo
rumo à autonomização do direito humano de acesso à água, cabe frisar que
não há unicidade normativa vinculante no que tange à padronização de seus
preceitos basilares. ‐ntende-se dessa forma que é necessária a fixação de
padrões mínimos de efetividade do direito através de norma vinculante,
não só na seara internacional, como também no direito interno brasileiro.
Sendo assim, faz-se imperioso destacar que, para efetividade desse
direito, é preciso a fixação de padrões dimensionais mínimos, compondo
assim sua constituição plena enquanto direito humano autônomo e
realizável. ‐ste capítulo destina-se a especificação do que se entende por
475 Como trabalhado em tópico específico desta tese: CAPÍTULO 1 - A POSSIBILIDADE DO
DIREITO HUMANO DE ACESSO À ÁGUA COMO CATEGORIA AUTÔNOMA - 1.2
POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DO DIREITO HU MANO DE ACESSO À
ÁGUA COMO CATEGORIA AUTÔNOMA PELO DIRECIONAMENTO HERMENÊUTICO
DOS TEXTOS LEGAIS.
186
padrões mínimos para proteção, aplicabilidade e efetividade do direito
humano autônomo de acesso à água. Preliminarmente, elenca-se o percurso
metodológico utilizado para fixação dos padrões mínimos, o que se faz de
forma breve e objetiva no subtópico a seguir (3.1). ‐m seguida, parte-se
para análise e delimitação dos padrões de disponibilidade (3.2);
acessibilidade (3.3); e, quantidade/qualidade (3.4).
3.1 Fundamentação metodológica de fixação dos padrões mínimos
para efetividade da autonomização
Pode-se perceber pelos estudos desenvolvidos e firmados na
presente tese que a necessidade de autonomização do direito humano à
água é premente dada a realidade apresentada não só com relação ao Brasil,
como também internacionalmente. O desenvolvimento econômico aliado
ao crescimento populacional e à desigualdade de
distribuição/disponibilidade resultam numa maior demanda de utilização
dos recursos naturais, entre eles destaque especial à água, derivando assim
uma crise hídrica instalada e em potencial agravamento476. Considerando
os usos múltiplos da água477 é preciso priorizar o uso para consumo direto
humano478.
Buscando uma proteção do direito ao acesso à água em prima facie
é que se faz necessário não só sua autonomização normativa vinculante,
como também as definições expressas do seu significado e abrangência
através da reorganização dos padrões mínimos para sua efetividade. Para
tanto, utilizou-se como fundamentação metodológica a análise por
camadas479, primeiramente a normativa (formal/instrumental), seguida da
476 As projeções dos estudos são ala rmantes, porém firmes, ao indicar que haverá um déficit de
40% na disponibilidade de água até 2030. Ver mais sobre em: MAKING EVERY DROP
COUNT, An Agenda for Water Action. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/
content/documents/17825HLPW_Outcome.pdf.
477 Já relacionados nesta tese abrangendo não só o uso relacionado ao consumo humano direito
como também o uso agrícola, uso produtivo e uso industrial.
478 Entendendo-se por consumo humano direto aquele relacionado não só à dessedentação, mas
também para a higiene pessoal, preparação de alimentos, lavagem de louça e roupa e limpeza
doméstica. Ver mais em: BOS, Robert. Manual sobre os Direitos Humanos à água potável e
saneamento para profissionais. IWA Publishing. Londres, 2017. Disponível em:
iwaponline.com/ebooks/book/329.
479 Neste trabalho, entende-se por camadas as etapas de análise criadas para oferecer a viabilidade
do parâmetro argumentativo proposto, sendo uma forma particular de estabelecer o fio condutor
necessário e conectar os instrumentos pulverizados. O objetivo é de estabelecer a harmonia
187
decisória (jurisprudencial/organizacional), e por fim, os relatórios,
resoluções e instrumentos de interpretação.
Os direcionamentos existentes são no sentido de que os
instrumentos normativos internos devem trazer de forma clara e direta
sobre a quantidade, continuidade do abastecimento, tempo e distância do
deslocamento para acesso físico.480 Desta feita, os padrões internacionais
seriam utilizados como referência, tendo-se em conta que as vicissitudes
de cada ‐stado, no sentido de estabelecer um mínimo a ser seguindo na
garantia da eficácia de realização do direito humano de acesso à água.481
Registre-se que entende-se que deve haver a realização progressiva do
direito humano de acesso à água dentro do máximo de recursos disponíveis
e observando as situações individuais peculiares.
O Pacto Internacional sobre os Direitos ‐conômicos, Sociais e
Culturais (PID‐SC)482 dispõe em seu artigo 2° que os ‐stados devem
adotar medidas progressivas para realizar os direitos econômicos, sociais e
culturais. Assevera-se que o ‐stado deve progredir do modo mais rápido e
eficaz possível.483 A realização progressiva requer não apenas um aumento
do número de pessoas com acesso à água, com vista a atingir o acesso
universal, mas também um melhoramento nos níveis gerais de serviço para
as gerações presentes e futuras.
necessária para autonomização do direito em análise através de uma proposta de organização e
definição dos instrumentos (normativos, decisórios, regulamentares e resolutivos).
480 ONU, Assembleia Geral. Special Rapporteur on the human rights to water and sanitation,
Planning, 2011 (A/HRC /18/33), para. 31. Disponível em: https://www2.ohchr.org/english/bodi
es/hrcouncil/docs/18session/A-HRC-18-33-Add4_en.pdf.
481 ALBUQUERQUE, Cata rina. INTRODUÇÃO. In: Manual prático para a realização dos
Direitos Hu manos à água e ao saneamento pela Relatora Especial da ONU. Handbook,
Portugal, 2014. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/Issues/WaterAndSanitation/SRWater
/Pages/Handbook.aspx.
482 ONU. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:
https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%2
0Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf.
483 Sobre realização progressiva: “‐mbora se reconheça que a plena realização dos direitos
humanos pode levar muito tempo, além de enfrentar muitas limitações técnicas, econômicas e
políticas, a noção de realização progressiva não deve funcionar como desculpa para os Estados
não agirem. Pelo contrário, ela confirma que a plena realização desses direitos normalmente é
atingida pouco a pouco.” ALBUQU‐RQU‐, Catarina. INTRODUÇÃO. In: Manual prático
para a realização dos Direitos Humanos à água e ao saneamento pela Relatora Especial da
ONU. Handbook, Portugal, 2014, p.25. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/Issues/Water
AndSanitation/SRWater/Pages/Handbook.aspx.

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