A possibilidade do direito humano de acesso à água como categoria autônoma

AutorNitish Monebhurrun
Páginas51-96
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Capítulo 1
A POSSIBILIDADE DO DIREITO HUMANO DE ACESSO À
ÁGUA COMO CATEGORIA AUTÔNOMA
A colocação do Direito Humano de Acesso à Água no
ordenamento jurídico internacional e brasileiro como categoria autônoma
é possível quando se aduz do ponto de vista interpretativo. A priori não
existem padrões mínimos de autonomização do direito em questão no
ordenamento vinculante na esfera internacional e nacional, a seguir
demonstrado (1.1). Desta feita, tanto o Comitê das Nações Unidas para os
Direitos ‐conômicos, Sociais e Culturais, quanto a própria Assembleia
Geral das Nações Unidas, já publicaram o seu posicionamento sobre a
necessidade da garantia da autonomia do Direito Humano de Acesso à
Água, com os Comentários e Resoluções, fazendo-se, portanto,
imprescindível observar o direcionamento hermenêutico (e seus reflexos)
demonstrado com a finalidade de assegurar a autonomia deste direito (1.2).
1.1 A ausência a priori da autonomização do Direito Humano à
água como consequência da inexistência de padrões mínimos
na garantia de acesso
Os instrumentos internacionais não tratam de forma direta sobre os
padrões mínimos para autonomização do Direito Humano de Acesso à
Água, e sim, o tratam como resultado derivado da efetivação de outros
direitos, de forma tácita, não havendo para tanto o estabelecimento de
critérios de autonomização (1.1.1) e a ausência internacional de diretriz
vinculante reflete semelhante processo no ordenamento jurídico interno do
Brasil (1.1.2).
Vale destacar que no âmbito internacional, mesmo as normas
consideradas soft law109 são dotadas de respeito, tidas como costume
109 O entendimento que se adota sobre soft law é de que se trata de um conjunto de diretivas, que
diferentemente e em sentido oposto ao de hard law, não vinculam, não estabelecem obrigações
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internacional e, como tal, têm sido incorporadas nos diversos
ordenamentos internos. Por outras vezes, a norma internacional, com
caráter de hard law, serve de fundamento para a cobrança individual ou
coletiva de direitos fundamentais nos próprios tribunais nacionais e cortes
internacionais.
O direito à água é mais comumente expresso em documentos
internacionais que não geram aos ‐stados obrigações propriamente ditas,
com natureza soft law, tais como as resoluções e declarações. Depreende-
se, então a tutela jurídica pretendida e necessária se defendido de forma
implícita nos textos normativos, cujo escopo é por vezes, a defesa dos
direitos humanos propriamente dita, por vezes a defesa do direito
humanitário110 e por vezes a defesa ambiental, justificando-se assim a
necessidade de um direcionamento hermenêutico.
1.1.1 A ausência de autonomização decorrente da inexistência de
padrões mínimos devidamente fixados em instrumentos
internacionais
A ausência de um direito humano autônomo e independente de
acesso à água existe em decorrência da inexistência de texto legal
vinculante que abranja todos os indivíduos e da falta de padrões mínimos
devidamente fixados nos instrumentos normativos. Para demonstrar a
ausência de autonomização plena faz-se imperioso e primário o
levantamento dos textos legais dos principais instrumentos internacionais
específicos sobre o tema hídrico, partindo para a análise e a abordagem
holística que cada texto traz à realidade protetiva do direito humano de
acesso à água.
Trata-se de um direito muito basilar à existência humana, todavia
o seu processo de autonomização ainda não se perfez por completo. O que
resulta para sua compreensão jurídica o caminho de direito derivado a
outros direitos humanos, ou como será demonstrado no item 1.2, a
possibilidade do reconhecimento do Direito Humano de Acesso à Água
e não coagem os Estados, nem a população internacional. Todavia, possuem caráter declaratório,
recomendativo e afirmador na construção do Direito.
110 VIEIRA, Andréia Costa. O direito humano à água. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016,
p. 08.
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como categoria autônoma pelo direcionamento hermenêutico dos textos
legais.
A exemplo da necessidade de autonomização de um direito
humano de acesso à água, pode-se referir-se ao caso Urbaser c.
Argentina,111 no qual a disputa surgiu do término de uma concessão para
serviços de água e esgoto na província de Buenos Aires, concedida à
subsidiária dos reclamantes (Consórcio). No curso da arbitragem do
International Centre For Settlement of Investment Disputes (ICSID) sob o
tratado bilateral de investimento ‐spanha-Argentina, a Argentina tentou
apresentar uma reconvenção contra os reclamantes alegando que, por meio
de sua administração da concessão (por uma suposta falta de investimentos
apropriados), eles haviam violado direitos humanos internacionais,
notadamente as obrigações de direitos na forma do direito humano à
água.112
Ocorre que o Tribunal Arbitral, dentre outras decisões sobre os
investimentos em disputa, decidiu pela não existência de um direito
humano fundamental que garanta o acesso à água aplicável às empresas113.
A doutrina ainda aponta para a rejeição do Tribunal ao argumento dos
reclamantes sob o argumento de que uma decisão sobre direitos humanos
estava em princípio fora de sua jurisdição, concluindo que a disputa deve
relacionar-se apenas com o investimento para estar dentro do escopo da
autoridade do tribunal114. ‐ntremostra-se a necessidade da autonomia do
direito humano de acesso à água para que haja a imposição deste perante
as empresas, seja pelos ‐stados, através do poder fiscalizatório, seja pelas
vias judiciais ou até mesmo arbitrais.
111 INTERNATIONAL CENTRE FOR SETTLEMENT OF INVESTMENT DISPUTES,
Urbaser S.A. and Consorcio de Aguas Bilbao Bizkaia, Bilbao Biskaia Ur Partzuergoa v. The
Argentine Republic. ICSID Case No. ARB/07/26. Julgado em: December 19, 2012. Disponível
em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw1324.pdf.
112 Nota-se que o caso foi perante um Tribunal Arbitral pois referia -se à proteção internacional
do investimento presente na questão discutida.
113 INTERNATIONAL CENTRE FOR SETTLEMENT OF INVESTMENT DISPUTES,
Urbaser S.A. and Consorcio de Aguas Bilbao Bizkaia, Bilbao Biskaia Ur Partzuergoa v. The
Argentine Republic. ICSID Case No. ARB/07/26. Julgado em: December 19, 2012. Disponível
em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw1324.pdf.
114 LEATHLEY, Christian; BARBER, Louise. Urbaser v. Argentina and Burlington v.
Ecuador: Investment arbitration is not over the counterclaims yet, 2017. Disponível em:
https://hsfnotes.com/arbitration/2017/03/14/urbaser-v-argentina-and-burlington-v-ecuador-
investment-arbitration-is-not-over-the-counterclaims-yet/.

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