A construção de um direito antidiscriminatório no Brasil: conceitos fundamentais de um novo e central ramo do direito

AutorWallace Corbo
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio).
Páginas111-128
A CONSTRUÇÃO DE UM DIREITO
ANTIDISCRIMINATÓRIO NO BRASIL:
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE UM NOVO E
CENTRAL RAMO DO DIREITO
Wallace Corbo
Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas
(FGV Direito Rio).
Sumário: 1. Introdução – 2. O sujeito do direito antidiscriminatório no direito brasileiro: minorias como
grupos vulneráveis ou vulnerabilizados – 3. O objeto do direito da antidiscriminação: discriminação em
sentido forte e espécies de discriminação – 4. Os remédios do direito antidiscriminatório: nulidade de
práticas discriminatórias, direito à adaptação razoável e políticas armativas públicas e privadas – 5.
Conclusões (e um novo ponto de partida).
1. INTRODUÇÃO
O Direito da Antidiscriminação no Brasil vive um momento sem precedentes. Com
a recente edição da Resolução CNJ 423/2021, a disciplina passou a ser incluída entre as
exigidas nos concursos de ingresso na carreira da magistratura. A produção literária na-
cional sobre o tema igualmente se multiplicou e igualmente a jurisprudência vem sendo
constantemente chamada a dar solução para casos envolvendo a discriminação contra
grupos vulnerabilizados. Por m, a promulgação da Convenção Interamericana contra o
Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, em 2022, reforçou
o sistema constitucional antidiscriminatório1 a partir da previsão normativa expressa de
conceitos antes extraídos de princípios constitucionais de menor concretude normativa.
Estas mudanças reetem o esforço coletivo não apenas da sociedade civil, como
também de teóricos que vem interpretando a Constituição de 1988, o Direito Internacio-
nal dos Direitos Humanos e o Direito Comparado no sentido de avançar suas promessas
emancipatórias e igualitárias. Um “triunfo tardio”, para usar a expressão de Luís Roberto
Barro so,2 de uma disciplina cujas bases foram lançadas ainda em 1988 e que vem se
expandindo desde então a partir de uma série de atos normativos infraconstitucionais,
constitucionais e supranacionais.
1. Isto porque tanto a Convenção Interamericana Contra o Racismo quanto a Convenção sobre Direitos de Pessoas
com Deciência integram o bloco de constitucionalidade brasileiro, em razão de sua aprovação pelo Congresso
Nacional nos termos do art. 5º, § 3º da Constituição de 1988.
2. BARROSO, Luís Roberto, Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil), Revista de Direito Administrativo, v. 240, p. 1, 2015.
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WAllACE CORBO
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Este artigo representa um esforço de sistematização do estado da arte do direito
discriminatório nacional. Busca-se, aqui, reconstruir os principais conceitos do Direito
da Antidiscriminação, conforme foram sedimentados na doutrina, jurisprudência e em
atos normativos que integram o ordenamento jurídico nacional. Longe de pretender
esgotar esta disciplina, o objetivo deste artigo é permitir compreender seus fundamentos
e potenciais que, como demonstra a história da luta de juristas contra a discriminação,
estão em crescente transformação.
2. O SUJEITO DO DIREITO ANTIDISCRIMINATÓRIO NO DIREITO
BRASILEIRO: MINORIAS COMO GRUPOS VULNERÁVEIS OU
VULNERABILIZADOS
Em um certo sentido, toda lei é “discriminatória”. A atividade de elaboração e apli-
cação de atos normativos impõe aos agentes que façam distinções entre sujeitos, a uns
sendo aplicados determinados regimes jurídicos, a outros não. A lei tributária atua dessa
forma ao “discriminar” entre diferentes grupos de contribuintes conforme sua renda. A
lei civil o faz ao “discriminar” relações matrimoniais, a depender de determinadas situ-
ações ou escolhas individuais. Discriminar, neste sentido fraco, signica simplesmente
classicar ou, mais precisamente, distinguir entre diferentes pessoas e grupos, aplicando
a cada um deles repercussões jurídicas de acordo com tais classicações.3
O Direito Antidiscriminatório não pretende pôr m às classicações ou distinções
entre pessoas para ns de elaboração e aplicação do direito. A preocupação desta área do
conhecimento jurídico é qualicada tanto quanto aos seus sujeitos, quanto ao seu objeto.
Do ponto de vista subjetivo, o Direito Antidiscriminatório se volta para um sujeito
em especial. Trata-se de sujeitos coletivos, dignos de especial proteção constitucional
em razão de variadas formas de discriminação sistêmica às quais estão submetidos.
Os sujeitos do Direito da Antidiscriminação, no Brasil, consistem em certos grupos
especícos de indivíduos: grupos marginalizados ou minorias sociais.4
Apesar de ser utilizado constantemente no debate jurídico – e em especial no
contexto do combate à discriminação – o conceito de “minorias” gera, ainda hoje, al-
guma imprecisão teórica. É possível identicar ao menos três concepções comumente
associadas ao termo: uma concepção numérica, uma concepção procedimental e uma
concepção substantiva.5
A concepção numérica compreende o termo “minorias” em seu sentido gramati-
cal: trata-se de grupos compostos por indivíduos que, numericamente, somam menos
que outros – as maiorias. É neste sentido que se pode falar, por exemplo, na Comissão
Parlamentar de Inquérito como um mecanismo de controle das maiorias exercido pelas
3. Este é o sentido de discriminação adotado, por exemplo, por Celso Antônio Bandeira de Mello em MELLO,
Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2003.
4. É o que se sustentou em CORBO, Wallace. Discriminação indireta: conceito, fundamentos e uma proposta de
enfrentamento à luz da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
5. Ibidem.
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