Fundamentos e ressignificação do direito antidiscriminatório

AutorAnderson Schreiber
Ocupação do AutorDoutor em Direito Privado Comparado pela Università degli Studi del Molise (Itália). Mestre em Direito Civil pela UERJ. Coordenador da Clínica de Responsabilidade Civil da Faculdade de Direito da UERJ (UERJ resp). Professor Titular de Direito Civil da UERJ. Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da UERJ. Professor da Funda...
Páginas87-110
FUNDAMENTOS E RESSIGNIFICAÇÃO
DO DIREITO ANTIDISCRIMINATÓRIO
Anderson Schreiber
Doutor em Direito Privado Comparado pela Università degli Studi del Molise (Itália).
Mestre em Direito Civil pela UERJ. Coordenador da Clínica de Responsabilidade Civil
da Faculdade de Direito da UERJ (UERJ resp). Professor Titular de Direito Civil da UERJ.
Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da UERJ. Professor
da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Procura-
dor-Chefe do Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do Estado do Rio de
Janeiro. Membro da Academia Internacional de Direito Comparado.
Sumário: 1. Introdução – 2. Fundamentos do direito antidiscriminatório; 2.1 O problema fundamental
da desigualdade; 2.2 As máscaras do direito: crítica à igualdade formal; 2.3 O compromisso consti-
tucional com a igualdade substancial; 2.4 Dignidade humana e igualdade substancial; 2.5 A função
promocional do direito: indo além da proibição à discriminação; 2.6 Dever antidiscriminatório do
intérprete – 3. Aplicação do direito antidiscriminatório; 3.1 Desigualdade racial: política de cotas e ou-
tros instrumentos; 3.2 Desigualdade de gênero: Emenda Constitucional 117 e práticas ESG; 3.3 Outras
formas de desigualdade: religiosa, econômica, etária etc. – 4. Perspectivas para a ressignicação do
direito antidiscriminatório no Brasil.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição da República enuncia repetidamente seu compromisso com o direito
à igualdade. Referida já no preâmbulo constitucional,1 a igualdade é mencionada por
duas vezes no caput do artigo 5º da Constituição,2 sendo rearmada logo no inciso I do
mesmo dispositivo, especicamente em relação à questão de gênero.3 O Constituinte
elege, ainda, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a redução
das “desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III) e a promoção do “bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina-
ção” (art. 3º, IV). O texto de nossa Constituição determina, ademais, que “a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º,
XLI), reprime o racismo como crime imprescritível e inaançável (art. 5º, XLII) e veda
1. “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Es-
tado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,
o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacíca das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da
2. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...)” (grifou-se).
3. Art. 5º (...) I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
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expressamente a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão
por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (art. 7º, XXX).
Nada obstante o robusto arcabouço constitucional de vedação à discriminação, ao
qual se somaram uma série de normas infraconstitucionais posteriores,4 os múltiplos
preconceitos que infestam nossa sociedade seguem fazendo vítimas cotidianamente e
mantendo amplas parcelas da população como reféns de diferentes formas de exclusão
e violência, individuais e institucionais.5
Foi nesse contexto que se desenvolveu, entre nós, um novo campo de estudo, que
tem sido designado como Direito Antidiscriminatório .6 Em geral, este Direito Antidis-
criminatório tem sido conceituado como o “campo jurídico composto por uma série de
normas que pretendem reduzir ou eliminar disparidades signicativas entre grupos”.7 O
Direito Antidiscriminatório seria, assim, um conjunto de normas jurídicas voltadas
à redução da desigualdade ou, ainda, uma “área de conhecimento” voltada ao estudo
destes preceitos normativos e de sua aplicação.8
4. Ver item 2.3, infra.
5. Ver reportagem intitulada Brasil é nono país mais desigual do mundo (G1, 12.11.2020). A título meramente
exemplicativo, ver a matéria Desigualdade piora em 2021 e rendimento do 1% mais rico é 38,4 vezes o dos 50%
mais pobres, diz IBGE, publicada pelo jornal Valor Econômico em 10 de junho de 2022. Ver, também, Filhos de
famílias pobres têm só 2,5% de chance de chegar ao topo no Brasil, reportagem publicada pela Folha de S. Paulo,em
10 de outubro de 2022.
6. Vale conferir, na doutrina estrangeira, BAGENSTOS, Samuel R. e structural turn and the limits of antidiscri-
mination law. California Law Review, v. 94, n. 1, p. 1-48, 1996; BALK, Jack M.; SIEGEL, Reva. e American civil
rights tradition: antidiscrimination or antisubordination? University of Miami Law Review, v. 58, n. 1, p. 24-32,
2003; FREEMAN, Alan David. Legitimizing racial discrimination through antidiscrimination law: a critical
review of the Supreme Court doctrine. Minnesota Law Review, v. 62, n. 4, p. 1049-1119, 1977; GREEN, Tristin.
A structural approach as antidiscrimination mandate: locating employer wrong. Vanderbilt Law Review, v. 60,
n. 3, p. 849-904, 2007; KHAITAN, Tarunabh. A theory of antidiscrimination law. Oxford: Oxford University
Press, 2015; KOPPELMAN, Andrew. Antidiscrimination law and social equality. Nova Haven: Yale University
Press, 1998; ROCAFORT, Piza. Igualdad de derechos y no discriminación. São José de Costa Rica: Universidad
Autônoma de Centro America, 1997; THOMPSON, Neil. Anti-discriminatory practice. Londres: Palgrave,
2016; WADE, Cheryl. Eective compliance with antidiscrimination law: corporate personhood, purpose
and social responsibility. Washington & Lee Law Review, v. 74, n. 4, p. 1192-1200, 2017. Na doutrina italiana,
GUARRIELLO, Fausta. Il nuovo diritto antidiscriminatorio. Giornale di diritto del lavoro e di relazioni industriali,
fascicolo 3/4. Milano: FrancoAngeli,2003; BARBERA, Marzia. Eguaglianza e dierenza nella nuova stagione
del diritto antidiscriminatorio comunitario. Giornale di diritto del lavoro e di relazioni industriali, fascicolo 3/4.
Milano: FrancoAngeli,2003, p. 1000-1023; IZZI, Daniela. Eguaglianza e dierenze nei rapporti di lavoro. Il
diritto antidiscriminatorio tra genere e fattori di rischio emergenti. Jovene, 2005; MARINO, Donato. Il diritto
antidiscriminatorio nella giurisprudenza delle Corti. Lavoro e diritto, v. 35, n. 2, 2021, p.399-416. No Brasil,
entre outros autores pioneiros nesta valorosa iniciativa, ver RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação:
discriminação direta, indireta e ações armativas. Porto Alegre: Livraria doAdvogado,2008; MOREIRA, Adilson
José. Tratado de Direito Antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020; e SILVA, Jorge Cesa Ferreira da.
Antidiscriminação e Contrato: a integração entre proteção e autonomia. São Paulo: Ed. RT, 2020,p.29-68.
7. MOREIRA, Adilson José. Tratado de Direito Antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 50.
8. Na linha da denição proposta por RIOS, Roger Raupp; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo; SCHÄFER, Gilberto.
Direito da antidiscriminação e direitos de minorias: perspectivas e modelos de proteção individual e coletivo.
Revista direitos fundamentais & democracia, v. 22, n. 1, p. 131, 2017, em que se entende por “‘Direito da Antidis-
criminação’, a área do conhecimento e da prática jurídica relativa às normas, institutos, conceitos e princípios,
relativos ao direito de igualdade como mandamento proibitivo de discriminação, aí incluídos os instrumentos
normativos, nacionais e internacionais.
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