Consumir: uma questão de confiança

AutorBruno de Almeida Lewer Amorim
Ocupação do AutorAdvogado, graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas117-143
CONSUMIR: UMA QUESTÃO DE
CONFIANÇA
Bruno de Almeida Lewer Amorim1
1. INTRODUÇÃO
As relações de consumo, assim como a maioria das relações hu-
manas, dependem de um elemento indispensável a sua constituição e
regular desenvolvimento, a conança. Todavia, ao contrário da maior
parte das relações privadas, nas quais há relativa igualdade entre as
partes contraentes, nas relações de consumo o natural desequilíbrio
entre as partes faz com que a conança seja vista mais como uma ne-
cessidade imposta ao consumidor do que propriamente uma escolha.
A razão para isso é bastante simples. A natural complexidade das
cadeias produtivas, com inúmeras empresas intermediando as mais
diversas etapas de produção e comercialização de determinado bem,
aliada à descentralização do processo produtivo, com diferentes com-
ponentes do bem sendo fabricados em diversas partes do mundo,
o fornecedor assume considerável distanciamento do consumidor.
O processo produtivo assumiu tamanha impessoalidade e comple-
xidade que resta quase impossível, para o consumidor, identicar o
autor do dano por ele eventualmente sofrido. Não se sabe quem é o
responsável pelo produto, nem tampouco pelo defeito nele apurado.
1 Advogado, graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos; Só-
cio-Diretor da Contratto Advocacia – Lewer, Pellegrinelli & Saraiva Sociedade de
Advogados; Assessor Especial da Presidência da OAB/MG; Mediador de Con-
itos especializado em Relações de Consumo pelo Centro de Estudos e Pesqui-
sas Jurídicas – CEBEPEJ e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
– IDEC; Palestrante do Curso Os X Mandamentos do Consumidor Moderno.
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direito do consumidor: presente e novas perspectivas
alan de matos jorge (organizador)
call e put
Tal situação quase que inviabilizaria a formação do elemento con-
ança, bem como a efetivação da defesa do consumidor, não fosse
pela criação da teoria da aparência, segundo a qual todos aqueles que,
de qualquer forma, integrarem o processo de produção e comercializa-
ção do bem, assim como aqueles que se apresentarem para o consumi-
dor, com o intuito de transmitir-lhe conança a partir da credibilidade
de sua marca, integram a cadeia de fornecimento, sendo igualmente
responsáveis perante o consumidor em caso de dano decorrente de
vício ou defeito do produto. A responsabilidade será solidária.
Por outro lado, o prossionalismo do fornecedor, contraposto ao
fato de o consumidor, na maioria das vezes, ser leigo, contribui para
colocar o fornecedor em posição de vantagem sobre o consumidor,
podendo este mais facilmente mentir ou omitir informações relevan-
tes referentes ao produto ou serviço a ser contratado, no intuito de
levar o consumidor ao erro.
É nesse cenário complexo e em constante e acelerada mutação – o
mercado de consumo que se desenvolvem as relações entre con-
sumidor e fornecedor. Mas por que se armou anteriormente que a
conança é uma necessidade e não uma escolha do consumidor?
A resposta está justamente na impessoalidade e velocidade que
as relações de consumo adquiriram, sobretudo a partir da revolução
industrial, e na massicação viabilizada pelos contratos de adesão.
Ao consumidor restou quase impossível vericar e atestar as in-
formações passadas pelos fornecedores via anúncios publicitários.
O consumidor é a todo tempo seduzido por publicidades que têm por
nalidade transmitir-lhe conabilidade quanto à segurança e qualidade
do produto ou serviço anunciado.
Por outro lado, a ausência de contato direto com o fornecedor – o
contato muitas vezes se dá via intermediários, centrais telefônicas de
atendimento, atendentes terceirizados, franqueados, via internet – faz
com que o consumidor tenha enorme diculdade em conhecer a ori-
gem do produto, bem como atestar sua conabilidade.
É o caso de companhias aéreas, de telefonia, de banda larga, den-
tre outras. O consumidor somente conseguirá atestar e conhecer o ní-
vel de qualidade do produto ou serviço prestado, após sua aquisição,
durante seu uso. É praticamente impossível ao consumidor atestar a
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